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Hepatite. A inflamação silenciosa do fígado, explicada por um médico

Estivemos à conversa com o especialista Rui Tato Marinho, diretor do serviço de Gastrenterologia e Hepatologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, sobre esta doença, que continua a infetar milhares de pessoas em Portugal.

Hepatite. A inflamação silenciosa do fígado, explicada por um médico
Notícias ao Minuto

08:13 - 17/08/22 por Ana Rita Rebelo

Lifestyle Entrevista

A hepatite afeta 325 milhões de pessoas em todo o mundo. Trata-se de uma doença altamente silenciosa que se caracteriza por uma inflamação do fígado, que pode desaparecer espontaneamente ou progredir para fibrose (cicatrizes), cirrose ou até cancro. E, embora seja uma doença evitável e, no caso da hepatite C, curável, é causa de 1,4 milhões de mortes por ano, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a assumir o objetivo de erradicar a hepatite B e C até 2030.

O diretor do serviço de Gastrenterologia e Hepatologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), Rui Tato Marinho, é, por isso, peremptório. "Façam o teste da hepatite B e C pelo menos uma vez na vida, incluam a análise ALT na avaliação global e periódica e vacinem-se contra a hepatite B", apela, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto.

Na dita hepatite aguda, é muito raro existirem sintomas quando o vírus penetra no organismo

O que é a hepatite? 

Trata-se de uma inflamação no fígado, em que o órgão fica inchado, doloroso e liberta algumas substâncias para o sangue. As mais conhecidas são as aminotransferases. Os tipos de hepatite B, C e D têm maior probabilidade de se tornarem contínuas e crónicas, enquanto a A é uma doença aguda a curto prazo e a E é geralmente aguda e particularmente perigosa em mulheres grávidas.

Notícias ao Minuto Rui Tato Marinho© DR

Quais as causas desta patologia?

Pode ter várias, nomeadamente os vírus da hepatite A, B, C, D, E, adenovírus e muitos outros, consumo excessivo de álcool, medicamentos, produtos 'naturais' e doenças autoimunes (hepatite autoimune). Estas são as principais, mas as mais conhecidas são as hepatites virais.  

Quais as hepatites com maior prevalência em Portugal? 

As mais relevantes são a B e a C, porque podem tornar-se crónicas, ou seja, permanecer para toda a vida e de uma forma silenciosa. Os dados disponíveis mostram que existem cerca de 70 mil portugueses infectados, dos quais 40 mil com hepatite B. Porém, este número pode ser superior.

A hepatite B tem uma vacina de elevada eficácia, mas o tratamento não cura. Ou seja, apenas controla. Já a C, por exemplo, não tem vacina, mas o tratamento é quase 100% eficaz. Nos sintomas e nas consequências são muito semelhantes. Diria que são primos.

Para quem tem cirrose, o risco de desenvolver cancro do fígado é de 10-40% ao fim de dez anos, o que é elevadíssimo

Quais os sintomas?

Na dita hepatite aguda, é muito raro existirem sintomas quando o vírus penetra no organismo. Estes só surgem mais tarde, quando a cirrose entra numa fase de descompensação em que pode surgir ascite (barriga de água), emagrecimento extremo, olhos amarelos (icterícia), alterações mentais (encefalopatia) e vómitos com sangue (rotura de varizes no esófago). Ou então cancro do fígado (carcinoma hepatocelular), em que podem aparecer os mesmos sintomas.

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E os riscos?

Pode evoluir para uma doença mais grave e crónica, como é o caso da cirrose ou do cancro do fígado, causa de morte precoce, antes dos 75 anos. No seu conjunto, a doença hepática é a quarta causa de morte precoce. A cirrose é um estado de destruição das células do fígado, em que muitas morrem, formam-se cicatrizes (fibrose) e em que se verifica a desorganização da sua estrutura, formando-se um conjunto de nódulos ou caroços. O fígado em vez de mole e liso fica com um tamanho reduzido, duro e cheio de caroços. Para quem tem cirrose, o risco de desenvolver cancro do fígado é de 10-40% ao fim de dez anos, o que é elevadíssimo.    

É possível prevenir a inflamação do fígado?

Depende da causa. A forma mais eficaz é a existência de uma vacina. Para a hepatite A existe uma vacina de elevada eficácia que consta de duas doses separadas de seis meses. Medidas de higiene geral, como lavar as mãos, também podem ajudar. Para a hepatite B existe também uma vacina de elevada eficácia, de três doses, aos zero, um e seis meses, por via intramuscular. Aconselhamos a vacinação de todos até, pelo menos, aos 60 anos. De qualquer modo, todos os portugueses nascidos em Portugal desde o ano 2000 são todos vacinados na altura do parto. Para a hepatite C, a forma de prevenção é fazer sexo seguro (o mesmo para a hepatite B) e evitar a partilha de material usado no consumo de drogas. Para a hepatite C, não há vacina.

 Temos que fazer um esforço muito grande para identificar quem tem hepatite B e C e testar todos os portugueses para a hepatite C e hepatite B pelo menos uma vez na vida

Em que consiste o tratamento?

Para a hepatite B importa considerar aqueles que têm a análise AgHBs positiva em duas ocasiões com o intervalo de seis meses. Só alguns têm indicação para tratamento: os que têm a carga viral muito elevada, análises do fígado alteradas e fibrose intensa ou cirrose. O tratamento consiste na administração diária de um fármaco, antivírico oral (Entecavir ou Tenofovir), praticamente sem efeitos secundários, durante anos. Em cerca de metade dos casos, quando se para o vírus, pode reativar. De qualquer modo, consegue-se controlar o vírus da hepatite B, reduzindo o risco de evolução para cirrose e desta para cancro do fígado.

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Na hepatite C, têm indicação para tratamento aqueles com anti-VHC positivo, em que o ARN VHC por PCR ou a carga vírica é positiva. O tratamento é realizado por antivíricos orais, durante oito ou 12 semanas, sem efeitos secundários. A eficácia é de 100% na eliminação do vírus. Com os medicamentos de primeira linha a eficácia é de 97%. Nos 3% que não respondem, a eficácia com o fármaco de segunda linha é de mais de 90%. Ninguém escapa.

Como está Portugal a preparar-se para cumprir a meta da OMS de eliminar a hepatite C até 2030? É possível?

Portugal tem um historial fantástico no campo das hepatites virais, sistema de saúde e estratégia no combate ao uso da droga. Sempre tivemos um acesso muito rapidamente aos melhores medicamentos e de forma gratuita. Como tal, claro que é possível, mas os objetivos da OMS não é que existam zero casos de hepatites em 2030, mas sim reduzir em 65% a mortalidade e em 90% o número de novos casos. Temos que fazer um esforço muito grande para identificar quem tem hepatite B e C e testar todos os portugueses para a hepatite C e hepatite B pelo menos uma vez na vida, já que são doenças silenciosas e traiçoeiras. Assim consegue-se identificar quem possa ter identificação para vacinar, tratar e curar.

Qual deve ser o caminho a percorrer e que esforços devem ser feitos?

Testar, testar, testar. Sejam testes rápidos ou através de uma colheita de sangue de rotina ou avaliação global. Devemos também incluir análises do fígado na avaliação global, à semelhança do que que se faz para o colesterol e níveis de glicemia. Tem que se facilitar o trabalho das várias organizações não governamentais (ONGs) e das divisões de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (DICADs) que estão no terreno, simplificar o tratamento, a vacinação da hepatite B para todos os adultos até aos 60 anos e executar testes e tratamento no terreno para as populações mais difíceis, onde se verifica o consumo de drogas. Os DICADS e as várias ONGs que ajudam estas populações de risco elevado lidam com mais de 40 mil pessoas. 

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Qual o ponto de situação do Programa Nacional Prioritário para as Hepatites Virais?

Temos uma equipa multidisciplinar que reúne uma vez por semana com os múltiplos 'stakeholders' nacionais e internacionais. Lançámos o website, realizámos um curso em hepatologia, fizemos mais de 20 conferências de divulgação e promoção da literacia em hepatologia e Saúde global, temos feito várias visitas ao terreno, investido na colaboração com a comunicação social e estado muito perto das estruturas europeias, como o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, e a OMS, que têm estado muito ativa na área das hepatites virais. Portugal tem um prestígio muito grande na área das hepatites virais e consumo de droga, de modo que conseguimos trazer para Portugal, em parceria com o Grupo de Ativistas em Tratamentos a World Hepatitis Summit, organizado em conjunto pela World Hepatitis Alliance e a OMS. Terá lugar em Lisboa, em 2024. Só o facto de termos um Programa Prioritário autónomo, de âmbito nacional, com staff próprio, apoio técnico do mais alto nível da Direção-Geral da Saúde (DGS) e financiamento é uma pequena/grande vitória para quem sofre com hepatites, cirrose e cancro do fígado.

Recentemente, o secretário geral da Madeira, Pedro Ramos, anunciou que, anualmente, surge uma média de 100 novos casos de hepatite C no arquipélago e que o Serviço Regional de Saúde tem identificados 700 casos. Nesse sentido, o que está a ser feito para diminuir os atrasos no acesso ao tratamento da hepatite C?

Foi publicada no Dia Mundial das Hepatites, a 28 de julho, uma nova circular normativa que irá resolver essa questão. Temos que ser rápidos a agir. Era um dos principais objetivos do programa a resolução dessa questão. Estamos muito felizes por esta pequena vitória conjunta da Secretaria de Estado da Saúde, Infarmed, Administração Central do Sistema de Saúde, Serviços Partilhados do Ministério da Saúde e o Programa Nacional das Hepatites Virais.

A propósito dos casos de hepatite aguda de origem desconhecida nas crianças, qual o ponto de situação no nosso país?

O assunto parece ter 'morrido', já que não têm aparecido novos casos. Aliás, em Portugal, dos 19 casos, não se registou nenhum caso com indicação para transplante, nem morreu ninguém. Também aqui o Programa das Hepatites Virais teve um papel muito ativo em colaboração com as estruturas de resposta às emergências da DGS, do Centro de Emergência em Saúde Pública e da Sociedade Portuguesa de Pediatria.

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