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"Devastadora" e "humilhante". A doença sobre a qual ninguém quer falar

Carateriza-se pela perda involuntária de gases e de fezes pelo ânus. A doença tabu é mais frequente nas mulheres, sobretudo na sequência de um traumatismo obstetrício durante um parto vaginal.

"Devastadora" e "humilhante". A doença sobre a qual ninguém quer falar
Notícias ao Minuto

08:45 - 17/05/18 por Liliana Lopes Monteiro

Lifestyle Incontinência fecal

"Mesmo sendo um caso 'tabu', procurei desde cedo ajuda, porque achava impossível não existir uma solução médica para o problema e não estava disposta, face à minha idade, a viver o resto da vida com este problema e com todas as suas consequências. A afirmação pertence a Joana Paredes, a futura presidente da primeira Associação de Doentes de Incontinência Fecal.

Para Joana, a patologia começou após ter realizado uma cirurgia a uma fístula perianal, quando tinha 34 anos.

José Assunção Gonçalves, coloproctologista do Hospital Beatriz Ângelo, afirma que, devido ao estigma social que envolve a incontinência fecal (IF), ainda não se conhece a real dimensão do problema, já que muitos doentes se sentem de tal forma embaraçados que optam por não pedir ajuda.

Estima-se que esta condição afete até 10% da população adulta, numa relação de 2/1 feminino/masculino. Calcula-se que afete, em média, 2% da população, sendo que 1% sofre de sintomas graves e incapacitantes. A partir dos 65 anos, a incidência aumenta progressivamente. Quando se trata de idosos institucionalizados, cerca de 50 % sofre de incontinência fecal”, explica o clínico.

Salientando que estes números estão “subestimados” e que “não se trata de todo de uma doença rara”, o médico alerta ainda que a IF pode ocorrer nas mulheres logo a seguir ao parto, ou apenas manifestar-se alguns anos mais tarde, após a menopausa. A incidência e a prevalência vão aumentando com a idade. À medida que os anos passam, sobretudo na população idosa, a percentagem de pessoas que sofrem de incontinência vai progressivamente aumentando.

Inconformada, e em busca de uma cura, Joana resolveu submeter-se a uma operação de reconstrução do esfíncter anal, que infelizmente se veio a revelar sem sucesso. “Vi-me mais tarde obrigada a continuar a busca por uma solução duradoura”, explica.

José Assunção Gonçalves refere que existem múltiplas opções para tratamento da IF, desde alternativas mais conservadoras, começando com a dieta, por um ajuste da medicação habitual (nos casos de doentes sob medicação crónica), por prescrição de medicação obstipante e pela reabilitação do pavimento pélvico / fisioterapia / biofeedback. Outras opções incluem a irrigação cólica (vulgo clísteres de limpeza) e o tampão anal.

“A cirurgia tem indicação quando o tratamento médico conservador/não invasivo, não é eficaz. Compreende diferentes opções técnicas, desde a reparação do esfíncter anal à confeção de uma colostomia, passando pela neuromodulação sagrada”, diz.

Para Joana, a neuromodulação sagrada foi a solução

“A incontinência fecal é tratável com neuromodulação das raízes sagradas, uma opção de tratamento que se traduz na estimulação dos nervos sagrados (como se fosse um pacemaker), que permite alcançar uma resposta biológica que melhora os sintomas do doente”, elucida o médico.

A neuromodulação sagrada estimula as raízes nervosas sagradas (no fundo das costas) através de impulsos elétricos e pode ser a solução quando as terapias comportamentais e os medicamentos falham. O objetivo deste tratamento é controlar o intestino, regulando os episódios de perda fecal e melhorando em muito a qualidade de vida do doente.

De acordo com o clínico, a neuromodulação sagrada é um tratamento reversível, que pode ser interrompido a qualquer momento ao desativar ou retirar o implante que foi colocado no doente. Em regime de ambulatório, com anestesia local, o paciente fica acordado enquanto se colocam os elétrodos nas raízes sagradas para estimular os nervos que comunicam com o cérebro (por isso é que o doente tem de ficar acordado). O procedimento é minimamente invasivo.

Na primeira fase colocam-se apenas os elétrodos e, depois de se verificarem resultados positivos, o doente é sujeito a uma segunda intervenção, em que é introduzido o implante definitivo.

A vergonha e a superação

Atualmente, Joana já superou o problema, no entanto, viveu seis anos com a patologia e não esquece o trauma pelo qual passou. “Na altura, imagine-se ter 30 e poucos anos, ser uma mulher vaidosa, ter uma vida profissional ativa e sofrer de perdas quando menos esperava?! É algo que não se imagina sem passar pela situação!”, refere.

Joana recorda a vergonha e o estigma social provocado pela incontinência fecal, um tema delicado e quase impossível de abordar. “Eu tinha imensos cuidados com a limpeza pessoal quando ia à casa de banho, andava constantemente com um penso diário e a mudá-lo nos dias piores, até às situações mais danosas que eram não usar uma calça branca, uma roupa justa em momentos em que saberia que podia acontecer o inevitável”, acrescenta.

A antiga doente recorda ainda o impacto psicológico da patologia, bem como perda de autoestima e de autoconfiança. "Não é fácil manter uma vida dita ‘normal’ enquanto o problema não está solucionado, porque pode sempre haver um odor, uma mancha na roupa ou um 'evento' sem casa de banho por perto”.

O  coloproctologista também não tem dúvidas. “A incontinência fecal é uma condição devastadora, humilhante, que provoca ansiedade, medo, embaraço, vergonha e reclusão. Perturba o equilíbrio emocional, social e psicológico do doente, que frequentemente oculta esta situação”.

O especialista faz sobressair ainda como a doença pode condicionar completamente a qualidade e estilo de vida e ser causa de institucionalização, divórcio, despedimento, baixa médica e reforma antecipada. “Atrevo-me a dizer que a incapacidade de controlar os gases e fezes é provavelmente a condição que mais afeta a dignidade de um ser humano em todas as vertentes da sua existência, na sua intimidade, na sua vida social e profissional”, sublinha.

Agora, como futura presidente da Associação de Doentes de Incontinência Fecal, Joana Paredes espera conseguir desmistificar o problema que afeta tantos. Acredita ainda que o facto de ter passado pela experiência é sem dúvida uma vantagem. “Quem passou por um processo destes, sente necessidade de partilhar a sua experiência e dar esperança a outros doentes de que existe uma saída para o problema”.

Por fim, José Assunção Gonçalves alerta: “Talvez seja importante deixar essa mensagem aos doentes: não estão sozinhos neste sofrimento, e não se devem isolar”.

*Se sofre de incontinência fecal e procura mais informação, tem dúvidas ou precida apoio contacte doentesincontinenciafecal@gmail.com

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