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"Estive no pior dos sítios, no meio. Passei por grande crise existencial"

Estivemos à conversa com o vocalista dos HMB, Héber Marques, a propósito do mais recente disco que acaba de ser lançado.

"Estive no pior dos sítios, no meio. Passei por grande crise existencial"

'Neste Deserto Nascem Flores': o novo disco dos HMB já está cá fora e foi sobre ele que falámos com Héber Marques, vocalista da banda. O nome, como nos contou, reflete a caminhada que fizeram até aqui enquanto grupo ao longo destes 15 anos. 

Héber abriu o coração e falou-nos também da crise existencial que enfrentou enquanto cristão, que o levou a viver numa "dualidade" e a questionar tudo aquilo em que acreditava. 

Agora, já em paz consigo mesmo (e com Deus), assume-me mais maduro e num estado que sempre quis alcançar: o de contentamento. 

Quatro anos depois de 'Melodramático' os HBM lançam um novo disco - 'Neste Deserto Nascem Flores'. Porquê este período de 'espera'?

Os discos demoram. As pessoas não têm noção, mas são precisas muitas horas para fazer um, dois minutos de música. Acho que foi o tempo que precisava, até porque tivemos uma pandemia. Somos uma banda à antiga, gosto de dizer isso. Veio na altura em que tinha de vir, se viesse antes seria um outro disco e não este. 

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Os HMB passaram por muitos desertos?

Toda a gente que é obrigada a crescer tem de passar por desertos e nós passámos por eles, sem dúvida. Tivemos de amadurecer a nossa relação uns com os outros e a relação connosco mesmos. Não somos os mesmos miúdos que éramos quando começámos há 15 anos. Tudo isso foi levado em conta antes de pormos este disco cá fora e para isso tivemos de ir para o deserto. 

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© Hugo Moura  

Há uma palavra que acho que perdemos, mas que define muito o sítio onde estou: sou uma pessoa contente. Contento-me com o que tenho, mas não do ponto de vista negativo, da falta de ambiçãoE o que é que mudou no Héber?

Não sou a mesma pessoa, de todo. Sou mais calmo em muitas coisas e estou mais confortável com a minha pele. Há uma palavra que acho que perdemos, mas que define muito o sítio onde estou: sou uma pessoa contente. Contento-me com o que tenho, mas não do ponto de vista negativo, da falta de ambição. Não, não, não... É mesmo estares confortável com a tua pele e com o ponto da vida em que te encontras. 

Antes não se sentia bem na sua pele?

Houve fases em que não, quer por motivos pessoais, quer por uma necessidade de aprovação e de agradar aos outros. 

Essa necessidade de agradar aos outros era algo já intrínseco ou surgiu com a profissão de músico?

Quando era miúdo lembro-me de que tinha muito isso e depois chegou a uma altura em que achei que me tinha curado. Há um lado do agradar às pessoas que é bom, porque te obriga a olhar para o outro. Quanto te curas disso, mas de forma errada, tornas-te muito egoísta, começas a viver de uma forma muito umbilical e foi para aí que eu fui. 

Em termos de carreira, a altitude é muito bonita, mas com ela vêm as vertigens 

E isso traz consequências...

Há muitos dissabores que vêm por tu viveres de forma egoísta e quando percebes que colocaste muita coisa em causa que não deverias ter colocado, como relacionamentos, começas a correr atrás desse 'people pleasing' [agradar às pessoas], só que desmedido, porque já vem pautado por uma certa culpa. 

E quando se ultrapassa isso?

É quando se encontra um novo sítio que é perfeito, porque não tens uma casca grossa, mas tens uma pele rija. É aí que estou. Enquanto músico também temos essa tentação do 'people pleasing', mas temos de nos recordar que o primeiro público de todos somos nós mesmos. Se nós fizermos com a vontade de despertar em nós sensações que nos esquecemos, estamos a fazer um bom trabalho. 

Como é que se apercebeu de que não estava num bom lugar?

Em termos de carreira, a altitude é muito bonita, mas com ela vêm as vertigens. É na busca de encontrar esse chão e essa coisa mais sólida que se cometem alguns erros, como esse agradar às pessoas. Por exemplo, queres dar um espetáculo memorável e há a luta do quero agradar, mas também quero um concerto que me desafie. 

Esse foi um dos erros que acho que nós [HMB] cometemos. De repente, já não queríamos mexer no alinhamento, porque aquele funcionava. Mas depois de um tempo há um desgaste, começas a ficar farto daquelas músicas e a energia que precisas já lá não está. Ora, se não desperta em ti porque é que despertará nos outros? Bem, esta conversa está muito filosófica... [diz, entre risos].

Estive no pior dos sítios que se pode estar, que é no meio. A pessoa nem vive completamente o lado mais secular, nem tampouco o lado sacroContinuemos então a filosofar... Já revelou em diversas ocasiões que era cristão evangélico. Ao longo da sua carreira foi lançando discos gospel e não gospel. Pergunto: isto não o levou a sentir-se dividido entre dois mundos? O religioso e o secular?

Claro que sim. Estive no pior dos sítios que se pode estar, que é no meio. A pessoa nem vive completamente o lado mais secular, nem tampouco o lado sacro. Mas também não é menos verdade que passado este tempo é tudo a mesma coisa [ri-se]. 

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Como assim?

Na verdade o segredo está muito na maneira como geres o interior, onde vais estar e com a intenção com que fazes as coisas. Muitas vezes fiz as coisas sem a intenção certa...

Fazia música cristã/religiosa, mas não no sentido de servir a comunidade. Estava apenas a executar algo. Ou ao contrário: estar a cantar uma música [não religiosa] e pensar 'não sei se isto aqui é muito santo'E qual seria a intenção errada para o Héber?

Fazia música cristã/religiosa, mas não no sentido de servir a comunidade. Estava apenas a executar algo. Ou ao contrário: estar a cantar uma música [não religiosa] e pensar 'não sei se isto aqui é muito santo'. Não vives nem uma coisa nem outra. Há uma passagem bíblica que diz que Deus vomita os mornos, que Ele prefere que sejas ou frio ou quente, mas porque estás ali no meio, não...

Sentiu-se morno a certo momento?

Sim, muito morno...

Passei por uma crise existencial muito grande. Não escolhes onde nasces e acabas por herdar algumas crenças e eu herdei aquilo que já era a fé dos meus pais e dos meus avós

Imagino que isso seja dificílimo para o Héber enquanto cristão.

Por isso é que depois passei por uma crise existencial muito grande. Primeiro há uma questão: não escolhes onde nasces e acabas por herdar algumas crenças, então eu herdei aquilo que já era a fé dos meus pais e dos meus avós. O mundo e a própria música que eu me lembro é dentro do contexto cristão. E com a música vieram todas as outras matrizes que é a forma como olhamos para a vida. 

Desde o começar a ouvir música por mim, até ter escolhas por convicção minha e não uma convicção que me foi dada, ainda eu que olhe hoje e veja que estava certa. Tive de passar por uma conversão, que é quando tu, por ti próprio, passas a acreditar naquilo. 

Fiz tudo isso, mas muito mais tarde, diria até que é algo recente, apesar de cantar músicas sobre isso e de por vezes dizer publicamente 'esta é a minha fé'. Mas é quase como um crachá que a pessoa coloca. Sim, podes colocar o crachá, mas e lá dentro? 

Depois lá está, havia o 'people pleasing'. Não existe um mercado gospel em Portugal e de repente eu era o queridinho da comunidade cristã evangélica. As minhas músicas eram boas, melódicas, relacionáveis... Só que quem cantou essas músicas era um miúdo de 20 anos que de repente tem mais 10 em cima e passou por uma série de experiências na vida. Contudo, sabia que se viesse falar publicamente sobre estas questões a minha imagem não iria ficar muito boa perante pessoas que até estimo... Então vou viver esta dualidade! É desgastante, é impossível... 

E já conseguiu resolver essa questão interiormente? 

Graças a Deus! Sim, à custa de coisas pessoais, mas foi duro chegar aí. O próprio novo disco também é resultado dessas resoluções.

Os que ficam na esfera de discussões esquecem-se desta questão prática. As pessoas querem as vidas facilitadas, querem o passe a 40 euros Mudando de assunto para algo que domina a atualidade. Como é que se sentiu com o resultado das últimas eleições?

Nunca fui muito político, mas hoje não é a realidade, sou um homem de 40 anos, pai de família... Ainda assim continuo a não ser muito político. Estou num ponto em que gosto de ouvir mais do que falar. 'Explica-me o que é política' ou 'o que é a Esquerda?'. Não é fazer-me de parvo, mas achar que a pessoa sabe alguma coisa que eu não sei. 

Acredito que a maioria das pessoas vota não por uma questão ideológica, mas uma questão prática. Por exemplo: a minha mãe fez 60 anos há pouco tempo e juntou a família toda. Obviamente houve a conversa das eleições. Um primo da minha mãe disse de forma categórica: 'eu vou votar PS'. 'Mas como assim, Pedro?'. 'O PS pôs o passe a 40 euros, preciso dele para ir trabalhar, não preciso de mais nada'. 

Os que ficam na esfera de discussões esquecem-se desta questão prática. As pessoas querem as suas vidas facilitadas, eles querem o passe a 40 euros, é assim que as pessoas votam. Fico calado só a observar, não fico a fazer grandes juízos de valor.  

Este cenário em que vivemos assusta-o? 

Claro que assusta e só não assusta mais porque leio a Bíblia. A falta de amor, por exemplo, na Bíblia é referido que o amor de muitos iria esfriar, iriam surgir caluniadores, mais mentirosos, pessoas amantes de si mesmas. É uma tristeza, custa-me ver tudo isto, mas não consigo ficar 'poxa, como é que a sociedade está deste jeito?'. É o ser humano a ser ser humano. 

Há algumas perguntas que faríamos antigamente a que as pessoas não saberiam responder, mas pelo menos a resposta seria muito mais coesa. Se eu for perguntar a alguém 'o que é amor?' vou ter respostas completamente diferentes hoje do que se perguntasse na geração da minha avó. Isso é por si só é um sintoma muito mais grave do que alguns assuntos políticos que temos estado a discutir.

Tudo isso me assusta, mas não fico espantado.

Uma vez numa aula de inglês uma colega que estava sentada atrás da minha carteira disse que gostava de rapazes negros. A professora disse: 'o quê? Beijar um preto?'. Vi tudo isto a acontecerÉ disso que se tenta lembrar quando alguém é preconceituoso com o Héber, por exemplo?

Eu vivi racismo. Uma vez numa aula de inglês uma colega que estava sentada atrás da minha carteira disse que gostava de rapazes negros. A professora disse: 'o quê? Beijar um preto?'. Vi tudo isto a acontecer. Achei que a mulher era louca e segui a minha vida, mas tive colegas meus que levaram o assunto ao conselho diretivo da escola. 

Isso teve impacto zero em mim. A minha professora não me dizia nada, é alguém que só me está a passar conhecimento. Sei quem eu sou, sei o meu valor, e se a pessoa é pobre de espírito e de cabeça, problema dela. É o ser humano. Provavelmente é alguém que não sabe o que é ser amado.

Há artistas que sentem que têm o dever de militar por essa causa. Nunca sentiu que teria de fazer o mesmo?

Eu tenho as minhas experiências e as pessoas têm as delas. Não sinto que o meu propósito de vida seja ser um militante e chamar a atenção sobre a raça. Ainda assim, cheguei a colaborar com a Betweien, uma organização da área da educação, na elaboração de um livro com o nome 'Stop Discriminação', que aborda algumas estas questões sociais junto dos mais jovens. 

Respeito e admiro todos os que militam e colocam a armadura para combater esse mal, mas o meu lugar de fala é outro. Há outros caminhos a desbravar e minha fé chama-me para uma jornada diferente. É movido por essa certeza que quero viver. Vou sempre cooperar para que se veja uma sociedade mais justa mas vou fazer o meu caminho. Se eu puder denunciar todas as injustiças que existem no mundo eu vou fazê-lo. É o dever de qualquer pessoa que preze a vida. 

Como é o Héber enquanto amigo?

Hoje sou um amigo muito mais compreensivo e paciente. Tento viver com todas as minhas forças pensando: 'Deus está agradado com aquilo que estou a viver?'. O que é que posso dar?

E enquanto marido?

A mesma coisa. A minha mulher, melhor do que ninguém, pode responder, mas faço sempre essa pergunta, porque sei que não sou de grandes coisas, é assim que vivo da melhor maneira que posso ser. 

E enquanto pai? É daqueles que faz as vontades todas aos filhos?

Não, sou muito chato enquanto pai. E fiquei muito melhor desde que deixei de comer açúcar [ri-se]. 

Agora a sério. O desafio com a Vitória [filha mais velha] é fazê-la aproveitar a infância e o Lucas é ao contrário, é fazê-lo um bocadinho mais responsável do que ele era ontem. Ele tem um temperamento muito parecido comigo quando eu era criança. Quando o via a fazer certas coisas queria chamar à atenção ao Héber criança e isso era um problema. Quem me alertou para isso foi a minha mulher que me mandou fazer terapia, onde confirmei isso e aprendi que tinha de abraçar a criança dentro de mim. 

Gostava que os seus filhos seguissem música?

Quero que vivam neste estado que eu vivo agora com 40 anos, que é de contentamento, satisfeito com a pele que tenho. Agora o que vão fazer, se for música, boa! Se tiverem talento, melhor ainda. Mas a luta tem muito mais a ver com o que se passa cá dentro do que lá fora. É muito mais preocupante o tipo de pessoa que vai ser, se vai ter caráter ou não, as minhas preocupações estão mais aí.

Na nossa última entrevista, em 2017, perguntei-lhe como é que se imaginava daqui a 10 anos. Respondeu que "gostava de fazer música sentida que dissesse qualquer coisa às pessoas e de conservar essa ingenuidade". Passados quase 10 anos, o que tem a dizer?

Fico satisfeito, acho que estou quase nesse ponto, na música sentida. Agora virá a 'prova dos 9' quando o disco sair, pisarmos os palcos e perceber a reação das pessoas. 

Faço a mesma pergunta agora: como é que se imagina daqui a 10 anos?

Daqui a 10 anos vou ter 50 anos. Gostava muito de começar a passar conhecimento, gostava de ser professor, de ajudar outros a fazer esta travessia, que é difícil. Gostava de ter tido um mentor na música, acho que para tudo na vida ter um mentor salva-nos de muitos dissabores, mas é preciso ser a pessoa certa.  

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