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"Os padres continuam com o mesmo problema: É pecado apaixonarem-se"

Estivemos à conversa com Maria João Costa, autora da nova série da TVI - 'Pecado'.

 "Os padres continuam com o mesmo problema: É pecado apaixonarem-se"

Maria João Costa. O nome pode não lhe ser familiar, mas se falarmos de novelas como 'Ouro Verde', 'Valor da Vida' e 'Amar Demais', então o caso muda de figura. A nossa entrevistada de hoje esteve por trás de todas estas histórias de sucesso da TVI enquanto escritora. Foi ela que as imaginou e criou, permitindo que ganhassem vida. 

A conversa que aqui poderá ler foi sobre a série 'Pecado', a nova trama da TVI que estreia já este sábado, dia 25 de setembro. 

Está nervosa com a estreia?

Não estou. Já temos esta série pronta há tanto tempo... estou com expectativa, isso sim.

Do que trata a história?

A história começa com a derrocada de uma pedreira em Estremoz e é isso que despoleta a ação de todos os personagens. Ao mesmo tempo da derrocada, está para acontecer o casamento de uma das personagens principais, a Maria Manuel [Daniela Melchior]. É uma jovem inocente, de uma família conservadora do Interior, e que só pensa em casar e ter filhos. Tinha tudo para correr bem até ela conhecer um padre novo. Esse padre, com a morte do bispo de Évora na derrocada, torna-se um dos principais candidatos ao lugar do bispo. Isso vai colidir com o encontro dele com a Manu (Maria Manuel), por quem vai apaixonar-se.

Ao mesmo tempo, o noivo da miúda, que é o Lourenço Ortigão, recebe a notícia que é infértil pouco antes de casar. Vamos perceber que o pai dela também fica com um grande problema com a derrocada da pedreira, porque estava a usá-la num negócio ilícito para traficar drogas. A mãe é apaixonada pelo padre, mas é uma paixão platónica, porque acredita que o padre nunca teria uma paixão carnal por ela. Há seis personagens principais, cada uma com o seu segredo.

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Os padres continuam com o mesmo problema: é pecado um padre apaixonar-se por uma mulher quando a questão do celibato nem sequer é um dogma da igreja

Esta história foi inspirada no livro de Eça de Queiroz, 'O Crime do Padre Amaro'?

Poderia ser no sentido em que há uma semelhança na história principal do padre, mas não, porque isto surgiu numa época em que havia muitos escândalos de padres que queriam ter filhos. A TVI achou que se podia voltar ao tema por causa da sua atualidade.

O que é interessante de ver entre o 'Crime do Padre Amaro' e esta história é que passou tanto tempo entre uma e outra e o tema continua a colocar-se. Os padres continuam com o mesmo problema: é pecado um padre apaixonar-se por uma mulher quando a questão do celibato nem sequer é um dogma da igreja. Nem seria obrigatório os padres serem celibatários. Porque é que a igreja insiste em manter as coisas assim se todas as semanas há escândalos nos jornais com padres que têm filhos, amantes, etc.? Perdem-se fiéis e nem sequer se arranjam padres suficientes, porque há pessoas que até têm vocação, mas querem ter uma vida pessoal.

Não é um dogma de fé, portanto porque é que insistem? Poderia ser uma escolha. O padre poderia escolher se queria ser celibatário ou nãoSéries como esta podem dar origem a uma maior abertura para se debater o tema ou a igreja ainda não está preparada para isso?

A igreja já começou a falar sobre isso. O Papa Francisco, inclusive, coloca a hipótese de padres que se encontram em zonas mais remotas do globo, mais isolados, poderem ter uma companhia. Este Papa é muito consciente das limitações da igreja. Para garantir que haja alguma saúde sexual dentro da igreja, talvez alguma coisa tenha de mudar nesse quesito. Não é um dogma de fé, portanto porque é que insistem? Poderia ser uma escolha. O padre poderia escolher se queria ser celibatário ou não. 

Ao falar-me dos escândalos nos jornais não teme que esteja a cair numa generalização errada? Há padres que mantêm a sua conduta...

A ficção trabalha sempre sobre a exceção, nunca sobre a regra. Repare, não estou a falar de pedofilia ou de homossexualidade na igreja, estou só a falar de relações clássicas. Sabemos que os problemas começam nos seminários, isto é só tapar o sol com a peneira. 

Foi fácil escrever esta história?

Sim. Para tentar que isto não fosse só mais um 'Crime do Padre Amaro' trouxe também uns bocadinhos de thriller para ser mais emocionante e não só uma história de amor proibida entre um padre e uma mulher. 

Depois há outra questão: isto é uma série de canal aberto, não podemos escolher uma abordagem tão pesada como seria para um streaming. A questão da pedofilia não poderíamos fazer em canal aberto, porque estes têm de chegar a mais pessoas e temos de ir a temas que todos entendam primeiro. Tem de haver um maior cuidado.

As maiores dificuldades foram em relação à igreja propriamente dita, fazer as coisas credíveis, porque é um universo que na prática me é distante. Obrigou-me a estudar um bocadinho e falei com pessoas para tirar dúvidas. 

Qual é a sua personagem preferida?

Gosto desta coisa deles todos esconderem segredos, porque só mostra que são iguais a nós. São todos humanos, têm as suas limitações e tentam viver o melhor que podem. Vemos cada um deles a ser protagonista da sua própria história. 

Não querendo destacar um preferido. Gosto muito do pai atormentado que só se enterra a cada episódio que passa, mas sempre com uma razão válida - a de proteger a família. É um homem que está sempre à beira de um ataque de nervos.

Quais os temas que gostaria de abordar em projetos futuros?

Gosto muito da atualidade e de temas que sejam fraturantes, que possam levar as pessoas a ver as coisas de uma perspetiva diferente e que questionem a justiça do mundo em que vivem, assim como a ordem social estabelecida. 

O que é que mais gosta na profissão de guionista/autora?

Gosto de criar histórias, mas sobretudo da ideia de que as nossas histórias podem ajudar a vida de outras pessoas quando as veem. As histórias são entretenimento, óbvio, [mas] gosto de achar que aquilo leva as pessoas a pensar, ainda que lhes pareça que não. É dar-lhes os dois lados da questão e fazer com que elas cheguem às suas conclusões sozinhas.

O nosso exercício enquanto guionistas e contadores de histórias é o de não fazer conteúdos vazios, mas sim que ajudem as pessoas a terem sentido crítico. A grande lacuna de hoje em dia é as pessoas não questionarem nada. As redes sociais não ajudam, porque vai tudo em carneirada - agora é tudo contra isto e depois contra aquilo. Com esta onda do politicamente correto, que só se pode ver as coisas de uma maneira, temos muitas temáticas relacionadas com as minorias em que inclusive as minorias são donas do tema e só há uma maneira de falar das coisas. Isso é perigoso e perde-se uma diversidade que tem a ver com a nossa própria natureza, que fica posta em causa.

Mais do que nunca é importante as pessoas recuperarem a capacidade de terem sentido crítico e isso não é lerem um post na Internet e irem todos pôr um like e dizerem que estão a favor ou contra. Falta uma opinião de verdade.

A chegada dos serviços de streaming, com as milhares de opções que disponibilizam, aumentou a exigência do público?

O público é exigente noutras matérias, como tem mais oferta disponível exige conteúdos com mais qualidade de imagem, atores, realização, a forma como a história é contada. [Mas] Ninguém vê ficção para ter sentido crítico, mas sim para se distrair do seu dia a dia, para descansar a cabeça.

Por exemplo, existe a Participant Media, fundada por um milionário, que só conta histórias relevantes para as pessoas - no sentido de criar empatia com certo tipo de situações. Num momento em que vemos tanta intolerância em relação a tudo, a ficção pode mostrar realidades desconhecidas. Pode até substituir um bocadinho a função dos livros, por exemplo, de criar um mundo melhor, de mais impacto e mais tolerante. 

Leia Também: "Quero mostrar internacionalmente que vim para ficar e não de passagem"

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