Em causa estão cartões de crédito que centenas de quadros do Banco Espírito Santo (BES) tinham atribuídos como complemento salarial e que podiam usar em gastos pessoais como restauração e hotelaria, artigos eletrónicos ou livros.
Nos anos anteriores à resolução do BES e criação do Novo Banco (2014), esses cartões de crédito foram cancelados unilateralmente pelo banco e desde então os trabalhadores vêm reivindicando a totalidade do montante.
Para resolver o diferendo salarial, em setembro, o Novo Banco propôs uma compensação salarial única a pagar em outubro correspondente a 50% da verba que cada trabalhador reclamava e a extinção da responsabilidade futura.
Por exemplo, a um trabalhador que tenha um 'plafond' acumulado de 24 mil euros é proposto receber 12 mil euros brutos em outubro e a abdicar do restante pelos anos que trabalhar no banco. Abdica ainda de recorrer a via contenciosa no futuro.
Contactado pela Lusa, no início de outubro, o Novo Banco disse que a seu ver o tema dos cartões de crédito estava encerrado, mas que "entendeu, em diálogo com o [sindicato] SNQTB e demais sindicatos, equacionar uma solução transversal, justa e equitativa que permitisse em definitivo pôr termo a este tema em benefício de todos os envolvidos".
Agora, segundo várias fontes contactadas, a proposta foi aceite por 90% dos cerca de 700 trabalhadores a quem foi feita.
Após a Lusa ter noticiado esta proposta há duas semanas, vários trabalhadores contactaram a agência dando conta de que foram pressionados a aceitá-la por superiores hierárquicos, incluindo falando em eventuais perdas de benefícios, e que as possíveis mudanças na lei laboral relativas a crédito dos trabalhadores também foram invocadas para levar à aceitação. Por receio de serem penalizados os funcionários não quiseram prestar declarações à Lusa.
Ainda segundo informações recolhidas pela Lusa, nas sessões informativas que o banco fez em setembro com os trabalhadores foi dito que, para quem não aceitar, o banco ponderará que o montante do cartão seja descontado em retribuições ou bónus que sejam atribuídos.
A Lusa questionou o Novo Banco sobre as alegadas pressões e sobre a dedução do valor futuramente para quem não assinar, mas a estas questões não obteve respostas.
A Lusa contactou também o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários (SNQTB) para clarificar se dará ou não apoio jurídico a associados que nesta questão queiram litigar contra o banco, mas não respondeu.
Há duas semanas, o sindicato considerou a proposta do banco "uma posição de equilíbrio", que "permitirá a centenas de trabalhadores serem ressarcidos dos seus direitos" e sobre a litigância afirmou que "acompanhará o sentido da decisão da maioria dos seus associados".
Numa ação recente de impugnação de despedimento de um trabalhador bancário, a que a Lusa teve acesso, o tribunal decidiu, num caso que também envolvia a retribuição através de cartão de crédito, que o banco tinha de assumir o montante pelos anos que não pagou, acrescido de juros de mora, argumentando com a regularidade e periodicidade com que tinha sido paga.
Em outra sentença de 2019, a que a Lusa teve acesso, um trabalhador do Banco Best (detido pelo Novo Banco) reclama por lhe ter sido retirado o 'plafond' e o tribunal obriga o banco a pagar o dinheiro não pago desde 2011 e passar a integrar o valor que era pago anualmente no salário mensal (dividindo o valor anual por 14 meses).
O Novo Banco - criado em 2014 para ficar com parte da atividade bancária do BES (na resolução deste) - foi acordado ser vendido, em junho passado, ao grupo bancário francês BPCE por 6.400 milhões de euros.
Atualmente, o banco é detido em 75% pelo fundo norte-americano Lone Star e em 25% pelo Estado português (Direção-Geral do Tesouro e Finanças e Fundo de Resolução bancário), estando o negócio da venda ainda a ser concretizado.
Em setembro, foi polémica a notícia do Público de que dirigentes da Lone Star e gestores do Novo Banco deverão receber bónus que ascendem a 1.100 milhões de euros pagos pelo acionista Lone Star relativos ao sucesso da venda do Novo Banco.
Os trabalhadores reagiram pedindo que também sejam premiados pela venda e, na semana passada, a Comissão de Trabalhadores do Novo Banco lançou um abaixo-assinado entre os 4.000 funcionários a exigir à gestão um prémio a cada trabalhador equivalente a dois salários.
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