O regulamento europeu EMFA - 'European Media Freedom Act' foi aprovado em 2024, altura em que entravam em vigor algumas normas, mas a maioria entra hoje em vigor, num processo faseado que estará aplicável na sua totalidade em 2027.
"O quadro jurídico nacional está bastante alinhado com várias das disposições do EMFA", afirma a membro do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que enquadra a importância deste regulamento e aponta como até em alguns pontos a legislação nacional vai mais longe.
"Com a entrada em vigor deste regulamento, penso que será justo salientar que, pela primeira vez, existe uma legislação a nível da União Europeia que regula ou que harmoniza as regras aplicáveis à independência e ao pluralismo dos meios de comunicação social", afirma Carla Martins.
Até à existência deste regulamento "estas eram matérias da competência exclusiva dos Estados-membros e, até por causa disso, há Estados-membros que contestaram esta legislação no Tribunal de Justiça da União Europeia e que esta decisão ainda não foi tomada", refere Carla Martins.
A conselheira da ERC explica que há uma controvérsia sobre a regulação a nível europeu "de uma matéria tão sensível que está relacionada com o funcionamento do sistema mediático nos Estados-membros".
O impulso para a criação desta legislação está "relacionado com aquilo que é o diagnóstico que é feito (...) a nível da União Europeia, do estado de independência e do pluralismo da comunicação social e daquilo que é identificado como uma diminuição ano após ano de independência (...), da sua captura perante o poder político e perante o poder económico, a sua vulnerabilidade relativamente a ameaças de países de fora da União Europeia", enquadra.
Portanto, "ouve-se muito hoje falar da interferência de países terceiros sobre a independência dos media na União Europeia e, nomeadamente, na forma de propaganda e desinformação", aponta.
Esta "é uma grande preocupação a nível da política europeia e há instrumentos que são aplicados a nível europeu que vêm documentando, ano após ano, esta degradação das condições de exercício da liberdade de imprensa, por assim dizer, no espaço europeu, nomeadamente o monitor do pluralismo dos media e o relatório da Comissão Europeia sobre o Estado de Direito", salienta Carla Martins.
Num primeiro momento, o regulamento teve como efeito a criação de um novo órgão consultivo independente na União Europeia, que é o Comité para os Serviços de Comunicação Social.
"Uma das primeiras normas que entrou em vigor foi a substituição de um antigo organismo de consulta da Comissão Europeia", criando este novo órgão que não é exatamente regulatório, mas "de consulta independente, onde têm assento todas as entidades reguladoras independentes dos 27 Estados-membros, onde obviamente a ERC tem assento", nomeadamente no órgão de direção.
E agora "vão entrar em vigor um conjunto de normas importantes, precisamente para prosseguir este objetivo de harmonização das regras aplicáveis aos mercados de comunicação social nos Estados-membros e que dizem respeito à independência e ao pluralismo dos meios de comunicação social e também à salvaguarda da independência dos jornalistas e de direitos dos jornalistas, nomeadamente o direito à proteção de fontes", sintetiza.
"Do ponto de vista da figura jurídica, um regulamento não carece de transposição no ordenamento jurídico de um Estado-membro. Automaticamente, as normas entram em vigor e qualquer pessoa, singular ou coletiva, pode vir reclamar a aplicação do regulamento no ordenamento jurídico nacional", explica.
A ERC analisou em que medida o quadro legislativo nacional sobre os media está ou não alinhado com várias disposições do EMFA e a conclusão a que chegou é que está em linha com o regulamento europeu.
"É um facto que o quadro jurídico nacional em várias matérias está alinhado com o EMFA e, inclusivamente, vai para lá do EMFA. E porquê? Porque nós temos um quadro constitucional e legal muito robusto de proteção da independência e do pluralismo dos meios de comunicação social e da atividade jornalística", argumenta a conselheira da ERC.
A salvaguarda do Serviço Público de Media (SMP) está consagrada na Constituição, por exemplo.
O objetivo do EMFA é proteger a independência dos media, proteger os jornalistas, a sua independência na realização do seu trabalho para prosseguir a liberdade da imprensa, o sigilo das suas fontes de informação, garantir que o SPM tem a independência necessária para funcionar, mas também os meios de financiamento necessários, sintetiza.
"Quando nós percorremos todas estas obrigações que estão previstas no regulamento europeu nós percebemos que o direito português já protege também estes mesmos valores" e "que está bastante alinhado com o EMFA".
Depois, "há outras áreas, e aí eu acho que Portugal até consegue estar na vanguarda em relação a outros países europeus, em que nós já temos legislação", diz, apontando os exemplos, entre os quais a lei "para salvaguardar a transparência dos meios de comunicação social, a transparência da propriedade, da gestão e dos meios de financiamento, que é algo que agora surge como uma novidade para vários países, precisamente para estarem alinhados com esta disposição específica do EMFA".
A outra em que Portugal está na vanguarda "tem a ver com a publicidade institucional do Estado, em que também já temos há uma década (...) uma lei para a transparência na distribuição da publicidade institucional do Estado, que é outra das normas muito importantes do EMFA", diz.
Também a própria lei da concorrência prevê a auscultação da ERC em operações de concentração.
"De facto, há muitos países europeus em que isso não está previsto e Portugal já dá uma resposta regulatória a uma questão como esta das concentrações, verificar se põe ou não põe em causa a independência e o pluralismo dos órgãos de comunicação social", diz.
Para Carla Martins, "é sempre possível introduzir aperfeiçoamentos na lei", mas em termos globais "há de facto aqui um alinhamento da lei nacional relativamente ao EMFA".
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