A dispensa para amamentação tem dado muito que falar nos últimos dias, depois das declarações polémicas da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho. A governante disse ter conhecimento de alegados abusos por parte de trabalhadoras, mas a verdade é que não há dados sobre as mães que usufruem deste direito.
Afinal, que dados existem?
CITE registou uma queixa, sindicatos recebem "relatos"
A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) recebeu este ano uma queixa "feita por uma mulher referente à violação do direito de dispensa para a amamentação", mas não recebeu qualquer denúncia por parte da entidade empregadora de trabalhadoras que estariam a abusar desse mesmo direito, contou à Lusa a presidente da CITE, Carla Tavares.
No entanto, aos sindicatos "continuam a chegar relatos" que acontecem um pouco por todo país, em especial nos trabalhos com maior presença de mulheres, como o setor da saúde, restauração, comércio ou da indústria.
"Tivemos vários exemplos de limitações e até situações extremas" de trabalhadoras impedidas de usar a licença de amamentação, disse à Lusa Fátima Messias, coordenadora para a Comissão de Igualdade entre Mulheres e Homens da CGTP-IN, recordando uma "situação extrema" em que "as entidades patronais pretendiam obrigar as mulheres a espremer as mamas para provar que ainda tinham leite para as suas crianças".
ACT contabiliza uma dezena de infrações autuadas
A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) identificou 10 irregularidades que levaram a autuar empresas por incumprimento do direito das trabalhadoras a amamentar e fez 13 advertências a empregadores nos últimos cinco anos, segundo dados cedidos ao Notícias ao Minuto e à agência Lusa.
Apenas no ano de 2023 não houve qualquer empresa autuada, mas houve sempre advertências por "infrações aos normativos legais", sendo que os números de 2024 e deste ano ainda são provisórios.
Ao Notícias ao Minuto, a ACT sublinhou ainda que "do resultado da atividade inspetiva, em consonância com a sua missão supra referida, outras consequências, nomeadamente penais (como eventual fraude) não se enquadram na competência da ACT".
Procedimentos inspetivos realizados pela ACT© ACT
Governo não sabe quantas mães têm horário reduzido. Dados? "É muito difícil tê-los"
A declaração sobre a dispensa para a amamentação, que é entregue pelas mães, acaba por ficar na empresa e não é comunicada a mais nenhuma entidade. Significa isto, também, que estes números não chegam ao Executivo e, por isso, o Governo não sabe quantas trabalhadoras estão com horário reduzido.
"Sobre os pedidos de dados, importa esclarecer que a dispensa é concedida e suportada diretamente pelas entidades empregadoras", disse fonte oficial do Ministério do Trabalho ao Notícias ao Minuto, quando questionado sobre quantas mães estão com o horário reduzido em Portugal.
Ou seja, as trabalhadoras que estão a amamentar entregam uma declaração médica à entidade patronal, que serve para justificar a ausência de duas horas ao trabalho da funcionária caso haja uma inspeção por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), sabe o Notícias ao Minuto.
É só isto: a declaração acaba por ficar na empresa e não é comunicada a mais nenhuma entidade. Tal significa também que estes números não chegam ao Executivo.
Aliás, o antigo ministro do Trabalho José António Vieira da Silva referiu isto mesmo: "A declaração da senhora ministra é, talvez, ainda mais incompreensível do que o texto da proposta de lei, porque a justificação é infeliz e precipitada. Eu diria até leviana, porque não tendo os dados - e é muito difícil tê-los, porque é uma relação entre a empresa e a trabalhadora - é uma espécie de manto negro sobre quem beneficia desta medida", disse Vieira da Silva, em entrevista à Antena 1.
O Governo aprovou no final do mês passado em Conselho de Ministros várias alterações à Lei do Trabalho, nomeadamente no que toca à licença para a amamentação.
Atualmente, não existe um limite temporal para amamentar, mas o executivo quer limitar até aos dois anos e idade e exigir a apresentação, de seis em seis meses, de um atestado médico.
Em entrevista à TSF e ao Jornal de Notícias, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social disse haver abusos por parte de algumas trabalhadoras que usavam de forma abusiva a licença para amamentar para trabalhar menos horas.
As declarações foram fortemente contestadas por associações e sindicatos que defenderam que o problema não estava nas mulheres mas sim nos empregadores, garantindo que ainda hoje existem muitas trabalhadoras que não usam a redução de horário por temer represálias.
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