No documento, o regulador analisa as consequências de as empresas concorrentes fazerem acordos para não recrutarem trabalhadores reciprocamente ou de estabelecerem entendimentos para contratar trabalhadores em massa, estratégias que a AdC diz estarem sujeitas ao escrutínio da política da concorrência se essas práticas levarem à exclusão de outras empresas ou se limitarem a mobilidade dos profissionais do setor.
Segundo o regulador, acordos de não-angariação de trabalhadores de concorrentes ou de fixação de salários podem mesmo significar uma infração às regras do mercado. A contratação de trabalhadores em massa de uma empresa concorrente também pode ser consideradas uma operação de concentração à luz das regras de concorrência, sublinha a AdC.
Por exemplo, "perante a escassez de talento, os fornecedores de IA podem procurar restringir a mobilidade laboral, limitando o modo como os seus trabalhadores podem abandonar a empresa para trabalhar para concorrentes ou fundar as suas próprias empresas. Isto pode ser feito incluindo nos contratos de trabalho cláusulas que restringem o que os trabalhadores podem fazer fora da empresa", refere a AdC.
Também há cláusulas de não-concorrência que "podem restringir a mobilidade laboral ao impedir antigos trabalhadores de trabalhar para concorrentes ou de abrir empresas concorrentes, após o fim do contrato de trabalho e durante um determinado período".
O mesmo acontece se as empresas estabelecerem "acordos de não-solicitação e de não-recrutamento" de colegas, pois esses entendimentos "limitam a capacidade de antigos empregados fazerem ofertas espontâneas, de contratar antigos colegas ou de fundar uma nova empresa com eles", refere a AdC.
Como estas estratégias "se aplicam ao setor digital como um todo", a AdC fez um inquérito a 68 empresas ativas no setor digital em Portugal e concluiu que "a maioria inclui, nos seus contratos de trabalho, tanto cláusulas de não-concorrência como cláusulas de confidencialidade, e de cedência de direitos de propriedade intelectual sobre descobertas, criações ou inovação".
A AdC ressalvada que, à luz do direito europeu, "estas cláusulas em contratos de trabalho não se enquadram no âmbito de eventuais acordos anticoncorrenciais", ou seja, não violam o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
No entanto, ao restringirem a mobilidade laboral, têm um efeito "ambíguo", pois podem "reduzir a concorrência em mercados de trabalho, diminuir salários, inibir a alocação eficiente do fator trabalho e travar a circulação e difusão de conhecimento", avisa a AdC.
Outro tipo de acordos, como os de não-angariação ou acordos de fixação de salários, "são passíveis de infringir o direito da concorrência".
No caso das empresas presentes no território português, essas práticas podem violar "nomeadamente o artigo 9.º da Lei da Concorrência e, se aplicável, o artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que visam cartéis tradicionais", alerta a AdC.
O regulador lembra que a Comissão Europeia já qualificou estes dois tipos de acordos como "restrições por objeto" à concorrência (isto é, considerou que estas práticas, por si só, têm o objetivo de falsear a concorrência), assemelhando-se "a um cartel de compras (onde o trabalho é o fator adquirido)".
A AdC nota que a mobilidade laboral tem um papel central na difusão de conhecimento, em particular num setor emergente como o da IA, daí avisar que as estratégias de retenção de talento que têm sido adotadas podem prejudicar a concorrência e travar a inovação.
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