"O Vila Galé acaba de tomar uma decisão que nos deixa com esperança no respeito pelos índios, hoje e no futuro. Contrariamente a algumas declarações mal informadas, a terra indígena Tupinambá de Olivença está, sim, identificada e delimitada. É um facto. Foi uma conquista. É um direito. Ninguém pode negá-lo", frisou Susana Viegas, em declarações à agência Lusa.
O grupo hoteleiro português Vila Galé anunciou hoje que vai abandonar o projeto para a instalação de um 'resort' na região da Bahia, que tem estado debaixo de críticas por estar previsto para um local de potencial reserva indígena.
Em comunicado, a empresa hoteleira critica "'ataques' por alguns que abraçam causas mediáticas, só aparentemente justas, e usam de falsidades, sem sequer procurarem minimamente obter a verdade dos factos".
Segundo o grupo, não há sinais de ocupação ou utilização indígena num raio de muitos quilómetros e "não existe qualquer reserva indígena decretada para esta área, nem previsão de a vir a ser".
"Passaram três mandatos governamentais anteriores, com vários ministros da Justiça e nenhum deles aprovou a demarcação das terras indígenas", garante a empresa portuguesa.
Susana Viegas dedicou mais de uma década a estudar os povos indígenas que vivem na região em causa, os Tupinambá de Olivença, e coordenou um estudo da Fundação Nacional do Índio (Funai) que levou à primeira fase de demarcação daquelas terras indígenas.
O povo Tupinambá de Olivença luta pela demarcação daquelas terras há pelo menos 15 anos e a primeira fase do processo foi concluída em 2009.
"Espera-se que este passo acelere a assinatura da portaria declaratória que marcará o fim de uma segunda fase já legitimada até pelo Supremo Tribunal", reforçou a antropóloga à Lusa.
O Vila Galé garante que realizou todos os estudos e projetos, que foram aprovados pelas autoridades competentes, e que, "ao longo de todo esse tempo, não surgiu qualquer reclamação ou reivindicação, apesar de ser pública e notória em toda a região a notícia do projeto", lê-se na mesma nota.
"Não é de nosso interesse que um hotel 'resort' Vila Galé nasça com a iminência de um clima de 'guerra', ainda que injusta e sem fundamento, como são exemplo as ameaças proferidas na Embaixada de Portugal em Brasília e algumas declarações falsas, dramáticas e catastróficas que deveriam envergonhar quem as profere", critica o grupo na mesma nota.
O deputado do Bloco de Esquerda (BE) José Soeiro, que teve uma reunião na semana passada, no parlamento português, com Susana Viegas e com a direção do Vila Galé, também celebrou o abandono do projeto por parte do grupo.
"É um anúncio muito importante, uma vitória da mobilização dos Tupinambá, da articulação dos indígenas e de todos os que, também em Portugal, se opuseram ativamente a este projeto. A pressão exercida por cá, nomeadamente pelo BE e pelos antropólogos dos dois países, também foi muito importante", disse à Lusa o deputado.
"Com esta decisão, cancelado o processo, perde claramente a avidez económica e perdem os representantes políticos que se têm oposto à demarcação das terras, ganham os direitos humanos e a preservação dos modos de vida que garantem a proteção do território", adiantou José Soeiro.
Para o deputado português, esta é uma decisão que "dá mais força à resistência indígena que terá de continuar no Brasil, tendo em conta as posições do atual Presidente (Jair Bolsonaro)".
A agência Lusa contactou hoje a Embaixada de Portugal em Brasília para comentar o caso, após esta se ter reunido com delegações indígenas, mas aquela fez saber que não previa declarações.