Bruxelas desconfiou mas no fim elogia o nosso "extraordinário" desempenho
A forma como Bruxelas 'olha' para a economia portuguesa mudou radicalmente ao longo da legislatura do atual Governo, que começou por ter que lutar contra sanções, mas, dois anos volvidos, 'colocou' Mário Centeno na presidência do Eurogrupo.
© Reuters
Economia Portugal
Ao iniciar funções, em finais de 2015, o Governo socialista de António Costa, apoiado por uma maioria parlamentar de esquerda (na ótica comunitária, de extrema-esquerda, face às posições consideradas 'radicais' de Bloco de Esquerda e PCP), era visto com muita desconfiança em Bruxelas, onde se receava que fossem postas em causa as políticas implementadas, pelo executivo PSD/CDS-PP, durante o programa de ajuda externa (2011-14), do qual Portugal saíra meses antes (em maio desse ano).
E, na realidade, logo nos primeiros meses em funções, o XXI Governo Constitucional teve como principal missão em Bruxelas lutar contra anunciadas sanções a Portugal, devido ao défice excessivo, de 4,4% do Produto Interno Bruto (PIB), registado no final de 2015.
A ameaça de uma multa inédita e iminente - que, em teoria, poderia chegar a 0,2% do PIB - suscitou viva indignação em Portugal, unindo no mesmo coro de protestos todo o espetro político-partidário nacional, ainda que com diferenças de argumentação nos respetivos discursos, e forçou as autoridades nacionais, Presidente da República incluído, a 'desdobrarem-se' em contactos, de Bruxelas a Berlim, durante o primeiro semestre do ano.
Em maio de 2016, a Comissão Europeia decidiu adiar uma decisão por dois meses - tendo então Portugal 'beneficiado' de estar na mesma situação que Espanha, onde estavam agendadas eleições nacionais para junho -, e, em 27 de julho, o executivo comunitário liderado por Jean-Claude Juncker decidiu finalmente recomendar o cancelamento de sanções.
A decisão de não impor sanções financeiras a Portugal (e a Espanha) foi finalmente confirmada pelo Conselho (os 28 Estados-membros) no início de agosto, embora tenham sido muitos os críticos da mesma, entre os quais o então presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, que admitiu mesmo ter ficado "desiludido" com a ausência de multas aos dois países.
Apesar de, ainda assim, ter ficado no ar a ameaça de suspensão de fundos estruturais e de investimento caso a trajetória do défice não fosse corrigida - 'fantasma' que também não viria a concretizar-se -, o fim do espetro de sanções representou um ponto de viragem na forma como Bruxelas olhava para a economia portuguesa, que desde então foi ganhando 'pontos', de tal modo que em maio do ano seguinte, 2017, a Comissão Europeia recomendou a saída do país do Procedimento por Défice Excessivo (PDE), aplicado a Portugal desde 2009.
O ano de 2017 seria, aliás, o ano da 'consagração' da economia portuguesa fora de portas: além do encerramento do PDE, e de as agências de notação financeira começarem a melhorar a sua avaliação da dívida soberana portuguesa - em setembro, a Standard&Poor's foi a primeira das três grandes agências 'rating' a retirar o país da notação especulativa ('lixo'), no que viria a ser seguida por Fitch e, mais tarde, Moody's -, Portugal avançou com uma candidatura que meses antes era impensável, a do seu ministro das Finanças, Mário Centeno, entretanto 'batizado' pelo homólogo alemão Wolfgang Schäuble como "o Ronaldo do Ecofin", a presidente do fórum informal de ministros das Finanças da zona euro.
A 'fechar' o ano, em 4 de dezembro, Centeno foi eleito presidente do Eurogrupo, sucedendo a um dos 'falcões' de Bruxelas em termos de política económica, o holandês Dijsselbloem, que, numa entrevista concedida meses antes, suscitara a polémica - e até mesmo protestos do Governo português - ao afirmar que "não se pode gastar o dinheiro em álcool e mulheres e depois pedir ajuda", numa referência aos países do sul da Europa.
De então para cá, com uma trajetória de correção do défice que o colocou muito abaixo da fasquia dos 3% prevista no Pacto de Estabilidade e Crescimento (nos 0,5% em 2018), e ainda que com uma dívida pública que continua muito acima da média europeia, a economia portuguesa passou a ser mais alvo de elogios pelo seu "extraordinário" desempenho, do que de preocupação, ainda que se assista ciclicamente a trocas de correspondência entre Lisboa e Bruxelas, invariavelmente devido a 'diferenças' nas projeções macroeconómicas (mais otimistas as das autoridades nacionais, mais conservadoras as da Comissão).
E num contexto de mudança de ciclo político na União Europeia na sequência das eleições europeias de maio passado, que motiva mudanças nos cargos institucionais de topo, incluindo a liderança do Banco Central Europeu (o italiano Mário Draghi deverá dar o lugar à francesa Christine Lagarde), Portugal continuará a presidir ao Eurogrupo (pelo menos até ao verão de 2020) e aos trabalhos com vista à reforma da zona euro, quando no início da legislatura do atual Governo era dos 'alunos' a quem eram constantemente dados 'puxões de orelhas'.
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