"Estar no Mundial vai abrir portas para o jogador cabo-verdiano e fará grande marketing em torno da seleção, pois toda a gente vai olhar de maneira diferente para um país tão pequeno e ver que há qualidade. Apesar de o campeonato interno não ser muito forte, houve sempre jogadores que se destacaram, vieram para Portugal, jogaram em equipas boas e, depois, rumaram a Ligas no estrangeiro", disse à agência Lusa o antigo defesa central, de 37 anos, com 52 jogos e quatro golos pelos 'tubarões azuis', de 2008 a 2019.
Na segunda-feira, Cabo Verde assegurou uma das nove vagas diretas de qualificação africana para o Mundial2026, ao vencer na receção ao Essuatíni (3-0), na Praia, para a 10.ª e última jornada do Grupo D, terminando com 23 pontos, contra 19 dos Camarões, segundos classificados e recordistas de presenças em fases finais no continente (oito).
"Houve sensações de euforia e alívio pelo muito trabalho efetuado. Quando eu entrei na seleção, já havia esse objetivo de estar numa grande prova internacional e o sonho foi concretizado por estes jogadores, treinador, 'staff' e dirigentes. Existe um mérito muito grande deles e temos orgulho neste grupo, que estará para sempre na história", notou.
A estreia no Mundial coroa um trajeto ascensional na última década de Cabo Verde, que detetou talentos na diáspora e cresceu em competitividade, aproveitando a extensão de cinco para nove vagas diretas em África, mais uma via play-off, para fazer história, numa fase em que é 70.º colocado do ranking da FIFA - tinha evoluído de 182.º em 2000 para 27.º em 2014 -, já depois de quatro participações na Taça das Nações Africanas (CAN).
"A chave do sucesso foi os jogadores da diáspora não terem grandes esperanças nem pensarem que iam para uma seleção com grandes condições, mas saber que tinham de dar tudo e mais alguma coisa e estarem preparados para cada situação. A resiliência e o poder de encaixe para ultrapassar as dificuldades distinguem o jogador cabo-verdiano", avaliou Fernando Varela, notando que a "luta constante faz parte do sacrifício do povo".
Vendo "influência máxima" do ex-capitão e atual técnico Pedro Brito, mais conhecido por Bubista, que começou como adjunto do português João de Deus e de Lúcio Antunes e está a provar a sua "competência e aprendizagem", o ex-central frisa que "antes era difícil convencer atletas de tamanha qualidade a virem à seleção com o maior orgulho e prazer".
"Há figuras mais antigas, como Vozinha, Stopira, Ryan Mendes ou Garry Rodrigues. Já a nova geração tem Logan Costa, Steven Moreira, João Paulo e Dailon Livramento, que também querem deixar o seu nome e já fizeram uma história que nunca vai ser apagada. Todos são importantes, já que é preciso ter coesão para atingir estes patamares", referiu.
Fernando Varela terminou a carreira em julho e está grato por assistir ao auge do futebol cabo-verdiano, mesmo como adepto, após ter participado nas primeiras duas campanhas do país na CAN, com uma ida aos quartos de final (2013) - repetida na última edição, em 2023 - e um afastamento na primeira fase (2015), sob comando do português Rui Águas.
"A CAN abriu portas para que Cabo Verde pudesse sonhar em estar em qualquer palco, mas estar no Mundial não se compara a nada. Visto de fora, foi um orgulho imenso. Tive momentos de 'déjà vu' e uma lágrima no olho no último jogo, porque senti aquilo que os atletas estavam a sentir em campo. Só quem está lá dentro e veio muito de trás sabe o quão difícil é. Já podia ter acontecido mais cedo, mas chegou na altura certa", traçou o autor de um dos golos da primeira vitória do seu país na CAN, frente à Angola, em 2013.
Cabo Verde tornou-se o 14.º país africano, e quarto lusófono, a apurar-se para Mundiais, sendo, para já, o segundo menor país em população e a mais pequena nação em área a chegar ao principal torneio planetário de seleções, cuja 23.ª edição decorre entre 11 de junho e 19 de julho de 2026 e vai contar pela primeira vez com 48 equipas - 28 já estão apuradas -, numa inédita organização tripartida entre Estados Unidos, México e Canadá.
"Poderemos esperar uma equipa com muita competência e a saber o que faz. Como não tem muita experiência nestes palcos, se calhar vai aguardar para sair em contra-ataque. Agora, vai entrar nos jogos para desfrutar, aproveitar os momentos e ser feliz. O principal foco tem de ser fazer as coisas bem. Se der para ganhar, será espetacular", desejou o ex-futebolista de Estoril Praia, Trofense, Feirense, Casa Pia e Alverca, nascido em Cascais, que se sagrou bicampeão romeno pelo FCSB e campeão grego com o PAOK Salónica.
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