Francisco Reis Ferreira é conhecido no mundo do futebol por Ferro, sendo este um dos reforços no verão passado do Estoril Praia, que pretende repetir ou fazer melhor do que o 8.º lugar alcançado na época passada.
O defesa-central português, de 28 anos, realizou grande parte da sua formação no Benfica. Pela mão de Bruno Lage, subiu à equipa principal, em 2018/19, que culminou com a conquista da I Liga.
Considerado outrora uma das maiores promessas no futebol nacional, tudo mudou no espaço no espaço de dois anos.
Em entrevista exclusiva com o Desporto ao Minuto, Ferro recorda os melhores e os piores momentos numa carreira, que contou com passagens, ainda, por Valencia (Espanha), Vitesse (Países Baixos), e (Hajduk Split), antes do regresso a Portugal no ano passado, pela porta do Estrela da Amadora.
O Estrela comunicou-me que não ia contar comigo para o ano seguinte. Quando houve essa decisão, rescindi contratoComo surgiu este convite para ingressar no Estoril, depois de representar o Estrela da Amadora na época passada?
No final da época, o Estrela comunicou-me que não ia contar comigo para o ano seguinte. Quando houve essa decisão, rescindi contrato. Foi uma escolha que eles fizeram, não quero alongar muito, e acho que nem devo, não sou eu que tenho de falar sobre isso.
Como reagiu a esse anúncio?
Por um lado, fiquei surpreendido, por outro não, mas como disse, não sou eu que tenho de falar sobre isso. Vim para o Estoril após conversa com a Helena Costa, que é a diretora desportiva. Falámos os dois sobre as condições, sobre tudo, e foi muito rápido. Posso dizer que falámos de manhã e à tarde, assinei pelo Estoril.
O Estoril tem apenas uma vitória ao fim de sete jornadas na I Liga. Considera que a equipa tem estado abaixo das expectativas?
A parte das expectativas, penso que estão a ligar aos resultados, e no futebol é normal, mas também é um processo e ninguém está a entrar aqui em dramatismos. Sabemos o que queremos, para o que trabalhamos, e acho que mais cedo ou mais tarde vamos acabar por dar uma boa resposta e os resultados vão aparecer.
No final do jogo com o Casa Pia (2-2), antes da pausa para as seleções, o capitão João Carvalho deu 'um raspanete' no plantel. Como viu essas palavras?
Concordei. Como o João disse, acho que podemos e devemos fazer mais, mas lá está, não estamos a olhar só para os resultados, estamos a olhar para o que podemos fazer também mais à frente. Acredito no trabalho do treinador [Ian Cathro]. O que o plantel promete, e eu pessoalmente, é sempre muito trabalho, muita dedicação e ir sempre atrás de cada resultado, seja contra quem for. Se puxarmos a cassete, um ano atrás, os pontos não diferem com o que o Estoril tinha na época passada. Por isso, acho que é melhor não entrar em dramatismos, continuar a trabalhar e a seguir o projeto que todos sabemos que está a ser bem feito.
Não há Gyokeres, que procurava tanto a profundidade. Este ano, o Suárez joga mais no apoio e é talvez melhor que o Gyokeres nesse sentidoVem aí o Belenenses, da Liga 3, para a terceira eliminatória da Taça de Portugal. A equipa está preparada para evitar um eventual percalço?
Sabemos que o Belenenses está bem [2.º lugar na Série B], mas temos de encarar o jogo como encaramos todos os outros e ir à procura do resultado. Neste tipo de jogos, o desafio é mental, pois somos os favoritos contra uma equipa de dois escalões abaixo. Não vai ser fácil.
A aposta nos três centrais adequa-se às suas características?
No início, quando cheguei ao futebol profissional joguei muito com dois centrais, numa linha de quatro. No entanto, os meus últimos anos já têm sido sempre com a linha de três defesas. Estou identificado com as duas maneiras de jogar. Neste momento, não posso dizer qual é a minha preferida. Considero que quando há ideias claras, é muito mais fácil para um jogador adaptar-se.
Nesta temporada, o Estoril já defrontou o Sporting. Notou diferenças em relação ao ano passado?
São diferentes, também mudaram um bocadinho o sistema tático. Agora, gostam de jogar mais por dentro. Não há Gyokeres, que procurava tanto a profundidade. Este ano, o Suárez joga mais no apoio e é talvez melhor que o Gyokeres nesse sentido. Perderam de um lado, mas ganharam de outro.
Como avalia a exibição do coletivo nessa partida?
Sentimos um sabor amargo. Defensivamente, estivemos bem e conseguimos levar o jogo para onde queríamos. No entanto, podíamos ter feito mais, mas isso é um sentimento normal no final de qualquer jogo.
Ferro já participou em 6 dos oitos jogos na Liga, com 453 minutos nas 'pernas'
Neste plantel do Estoril, está o Pizzi...
Temos uma relação muito boa. É o nosso jogador mais velho, mas não parece, está sempre na brincadeira. Continua a mesma pessoa, o que é excelente. Recebeu-me aqui da mesma forma quando foi na equipa principal do Benfica. É um jogador experiente [36 anos], que já passou por várias situações, seja lutar para não descer, para ser campeão. Já esteve no estrangeiro e acumulou 'bagagem'. Ajuda-nos também a acalmar quando é preciso acalmar, mas também a dar um passo em frente quando for preciso dar.
A falar em reencontros, jogou com o Dominik Prpić, atualmente no FC Porto. Que imagem tem deste jogador?
Eu apanhei-o ainda muito novo no Hajduk Split [Cróacia]. Ele era sub-19, por isso era difícil imaginar este passo. Era muito frágil fisicamente, mas agora cresceu aliado à qualidade que tinha. É um defesa-central de pé esquerdo, coisa que é muito valorizada no futebol atual.
No campeonato, o top-4 tem um 'outsider', caso do Gil Vicente, com quem o Estoril também já jogou...
É sinónimo de que a liga está a crescer. O Gil Vicente começou muito bem, mas não sabemos o que vai fazer daqui para a frente. No entanto, há que realçar o 4.º lugar alcançando neste momento, o que vem dar força ao campeonato português. Há qualidade, não são só os 'três ou quatro grandes' como queiram dizer.
[Relação com Bruno Lage] vai haver sempre pela positiva e não o contrárioContinua atento ao Benfica?
Sim, acompanho o Benfica, tal como acompanho o campeonato português em geral, porque neste momento estou cá. Quando estive fora, a verdade é que não acompanhava tanto, mas vejo o Benfica como vejo outros jogos.
Como viu a demissão do Bruno Lage nesta sua segunda passagem pelo clube da Luz?
Em relação à saída dele, são opções, como vai acontecer sempre, seja no Benfica, no FC Porto, no Sporting, no Estoril. As decisões de quem joga e de quem não joga, se o treinador fica, se o treinador sai, não sou eu que tenho de comentar.
Bruno Lage foi quem o lançou na equipa principal do Benfica. Mantém uma boa relação com o técnico?
Sim, claro que sim, e vai haver sempre pela positiva e não o contrário.
Sentiu que foi um 'bode expiatório' da equipa na segunda metade da época 2019/20, que culminou com a perda do título nacional, para o FC Porto?
A culpa não é do mister Bruno Lage. Ele nunca apontou-me nada.
Na altura, sendo tão jovem, com 23 anos, ficou com alguma mágoa pela forma como não foi 'protegido' pelo Benfica das críticas?
Hoje em dia, não tenho. Na altura, admito que posso ter ficado um bocadinho, mas também era muito novo para perceber, para também entender o que é o mundo do futebol. Está ultrapassado, estou feliz, é o que importa.
Sente que a partir dessa temporada a sua carreira ficou condicionada?
Sim, claro. As escolhas de carreira não foram as melhores. A nível do Valencia penso que acabou por ser positivo, porque também foi minha primeira experiência no estrangeiro e num clube bom, apesar de estarmos a lutar para não descer. O Vitesse arrependo-me, mas aconteceram outras coisas que levaram-me para lá. Vinha com o 'peso' do Benfica. Não quero alongar-me muito, mas no futebol há muita coisa que se passa que não se sabe.
Quando subiu à equipa principal do Benfica, fê-lo ao lado de nomes como João Félix, Florentino Luís, Rúben Dias, Jota...
A partir do momento que chegas a esse patamar, tudo pode acontecer. O Rúben fez o seu trajeto imaculado e muito bem, o Florentino também teve ali uns altos e baixos e agora já partiu para a Inglaterra. O João Félix foi dos melhores com quem joguei, tinha uma qualidade técnica incrível.
Ferro fez parte da equipa do Benfica que reconquistou o título nacional em 2018/19 sob a liderança de Bruno Lage, promovido da B para a principal
Surpreendeu-o esta mudança para a Arábia Saudita?
Talvez pela idade [25 anos], mas se olharem para a carreira dele, os clubes onde teve, são todos clubes muito bons. Se calhar, podia ter feito mais, mas também podia ter feito menos, são opções dele, é um jogador com muita qualidade e uma excelente pessoa.
Ter ido para a Croácia ajudou muito também, porque ajudou a limpar a cabeça, a 'fugir' um bocado da pressão
Consegue encontrar razões para a sua carreira ter ido por um caminho diferente dos nomes que referi?
A parte psicológica. Não vou mentir que houve alturas em que não foram fáceis para mim. Também fui dos últimos a sair do Benfica quando podia ter saído mais cedo. Tudo acontece por alguma razão e a vida é assim mesmo.
Procurou ajuda para lidar com a parte psicológica?
Durante algum tempo não fui feliz dentro de campo. Necessitei de ajuda, sobretudo da pessoa que tenho em casa. Ter ido para a Croácia ajudou muito também, porque ajudou a limpar a cabeça, a 'fugir' um bocado da pressão. Na Croácia, no Hajduk Split, eles sabiam de tudo, da minha situação no Benfica. É um clube especial para mim. Os adeptos no futebol croata são apaixonados, capazes de entrar em campo para pedirem-te justificações, mas também sabem distinguir o atleta da vida pessoal.
Está feliz neste regresso a Portugal?
Eu agora estou bem, estou feliz e já não me sentia assim dentro de campo há bastante tempo. Quero continuar assim nos próximos anos, até finalizar a carreira.
Mentalmente caí. Os sonhos que eu achava na altura que podiam ser realizados não aconteceram
Está com 28 anos de idade. Tem algum sonho por concretizar?
Fui campeão nacional pelo Benfica [2018/19), foi o melhor momento da carreira. No entanto, já não gosto de falar em sonhos, gosto muito de viver o momento, porque se me perguntasses quando tinha 21 ou 22 anos os meus sonhos, tinha muitos e nos dois anos seguintes deixei de os ter.
Porque razão deixou de ter sonhos?
Por toda a situação que aconteceu depois da época 2019/20, por causa da pressão. Mentalmente caí. Os sonhos que eu achava na altura que podiam ser realizados não aconteceram. Por isso, neste momento gosto muito de ser realista, gosto de vir todos os dias para o Estoril, ser feliz a treinar e jogar. Sou grato por isso.
Ferro assumiu rapidamente a titularidade no eixo defensivo do Estoril na presente temporada