"Foram muitas horas de gravação, de conversa, para o professor falar da parte teórica, mas muito da parte afetiva e também uma história de amor, muito forte, e de resistência", afirmou Gonçalo M. Tavares, durante a iniciativa promovida pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), na Universidade Católica Portuguesa (UCP) em Lisboa.

Este objetivo foi partilhado pelo escritor, durante a mesa redonda que promovida após a exibição do documentário autobiográfico, filmando na casa de Manuel Sérgio e na Faculdade de Letras (FL) da Universidade de Lisboa, na presença da esposa, filhos, netos e bisnetos.

Sempre na primeira pessoa, muitas vezes com a companhia da mulher, Manuel Sérgio apresentou-se, desde as origens humildes, aos valores religiosos, à primeira experiência profissional, aos 19 anos, no arsenal do Alfeite, já depois de uma experiência "horrível" no seminário.

"Conheci a miséria", assumiu Manuel Sérgio, no início do documentário, que segue várias expressões relevantes para o professor, ordenadas pelo abecedário, reconhecendo que esse trabalho o fez enveredar pelos estudos, sozinho, "sem professor ou explicador", até, em 1961, chegar à FL, onde admitiu ter aprendido a pensar.

Bem-disposto, recordava e partilhava pensamentos mais profundos, sobre a forma como "conhecendo o desporto se conhece a sociedade", atendendo que "o desporto reproduz e multiplica as taras da sociedade".

A parte afetiva ficou muito focada com vários momentos de cumplicidade em casal, mas também com as várias tiradas de humor de Manuel Sérgio, que, neste documentário com data de setembro do ano passado, partilhou muito do seu gosto literário, entre muitos outros exemplos com a leitura de "Operário em construção", de Vinicius de Morais, e outros pensamentos.

"Ser velho é um permanente ato de humildade", reconheceu Manuel Sérgio, numa das frases pouco depois destacadas por Gonçalo M. Tavares, sobre aquele que foi um dos grandes pensadores do desporto português após o 25 de Abril de 1974, com décadas de pedagogia, filosofia, prática dirigente e política.

Visivelmente emocionado, Gonçalo M. Tavares, a quem Manuel Sérgio se referiu como "o grande escritor dos nossos tempos", confessou ter tido o objetivo de mostrar "a parte afetiva e também a história de amor, muito forte, e de resistência", de quão transformador é o conhecimento.

"Infelizmente, em Portugal, a pobreza é um destino a que poucas pessoas podem escapar", lamentou o escritor, reconhecendo que este documentário autobiográfico teria de ser "o menos invasivo possível, sem grande peso técnico", porque, de outra forma, "nunca iria cantar para seis ou sete pessoas".

Também hoje, foi lançado o livro "Desporto, Liberdade e Democracia", o sétimo volume da obra do professor, cuja Cátedra Manuel Sérgio, criada em 2018, teve a sua continuidade assegurada, com a renovação assinada entre IPDJ e UCP.

Na ocasião, a reitora da UCP recordou o "grande amigo" Manuel Sérgio, enaltecendo tudo o que continua e continuará a representar para os alunos e para as instituições.

"Esta é uma homenagem póstuma, mas que, na verdade, oferece a continuidade, dar vida, uma pós vida e é essa pós-vida de Manuel Sérgio que estamos a celebrar, pelo que temos de deixar à família o nosso agradecimento, por tudo o que foi Manuel Sérgio, mas pela oportunidade por pensar, ler e aplicar as suas mensagens e a sua visão", afirmou Isabel Capeloa Gil.

Também o secretário de Estado do Desporto, Pedro Dias, enalteceu a oportunidade de "celebrar um homem cuja visão e pensamento ajudaram a alterar a forma como se vê desporto, ética e condição humana".

Manuel Sérgio nasceu na Ajuda, em Lisboa, e morreu como 'pai' da Motricidade Humana em Portugal em 19 de fevereiro último.

Em vida, o filosofo e educador foi mentor de José Mourinho, José Maria Pedroto ou Jorge Jesus, mas também dirigente do 'seu' Belenenses, tendo exercido no Instituto Superior de Educação Física e na Direção-Geral dos Desportos, antes do 25 de Abril.

Depois da Revolução, ajudou a moldar e a pensar a partir da Faculdade de Motricidade Humana e outros fóruns, a par de nomes como o antigo presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), José Manuel Constantino, que morreu no ano passado.

Ocupou cargos e funções infindáveis, do futebol ao andebol, basquetebol, deu aulas de história e português, chefiou vários departamentos públicos, esteve na génese da ideia política do Provedor do Animal, deixando o conceito de motricidade humana como principal legado, tanto no campo académico como na prática do treino e pedagogia desportiva -- José Mourinho, que cita o antigo professor como profunda influência na carreira, que o diga.

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