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Roberto Júnior: Da baliza à gestão desportiva graças a... um videojogo

A história já correu as redes sociais, e o Desporto ao Minuto foi atrás dela. Um guarda-redes de 25 anos, com ambições de uma carreira profissional, chegou a diretor desportivo depois de ter levado o seu clube da última divisão distrital de Lisboa até ao topo do futebol português, no Football Manager.

Roberto Júnior: Da baliza à gestão desportiva graças a... um videojogo
Notícias ao Minuto

07:58 - 15/08/22 por Tiago Antunes

Desporto Exclusivo

Quem apoia o clube da terra já teve o sentimento ardente de, um dia, inspirado pelos deuses do futebol, levar esse emblema ao topo do futebol nacional, mundial até. Mas a história que lhe trazemos tem algo mais.

Roberto Júnior, de 25 anos, era guarda-redes no SL Olivais, na época passada. A falta de tempo para jogar e treinar acabou por tirá-lo dos relvados, levando-o a novas funções. De guardião, passou a diretor desportivo, com ajuda de... um videojogo.

Jogador assíduo de Football Manager, um jogo de computador no qual qualquer um pode ser treinador de um clube e tomar as decisões mais essenciais na gestão da instituição, Roberto decidiu colocar à prova os seus dotes de diretor desportivo. Aceitou o convite do treinador do SL Olivais para ficar no clube e, mais do que diretor desportivo, passou a ser um 'faz-tudo' no emblema que milita na última divisão distrital de Lisboa.

O objetivo é claro: subir de divisão. Contudo, as primeiras adversidades já chegaram. Roberto admite que há risco de haver desgaste na nova função, não deixando completamente fora de questão o regresso aos relvados. Para já, vai desfrutanto da experiência e tirando os louros que já advêm desse trabalho.

Em exclusivo ao Desporto ao Minuto, Roberto Júnior contou a história da sua mudança dos relvados para o gabinete, das luvas para o telemóvel na mão e constantemente em contacto com outras pessoas, das defesas à procura das melhores condições para o clube.

Houve vezes em que não consegui manter o compromisso

Era um sonho ser guarda-redes profissional?

Inicialmente, era. Mas, nos últimos dois ou três anos, esse sonho passou para segundo plano. Eu também sou uma pessoa muito realista e sabia que era muito difícil chegar lá, principalmente pelos clubes em que andei, sempre de última divisão. Eu sabia que era muito complicado chegar lá acima e, nestes últimos anos, a vontade de continuar a dar o compromisso que sempre dei passou para segundo plano pela minha vida profissional. Mas, um dia, já foi esse objetivo. Agora, como se pode ver, são novos objetivos, novas funções, estou bastante entusiasmado para ver como corre. Nunca estive na situação em que estou agora, é uma coisa completamente nova para mim, tenho falado com algumas pessoas que já têm experiência nesse aspeto e estão a dar-me algumas ajudas. Acho que isso é o mais importante que vou ter para crescer na função que exerço atualmente. Vamos ver como corre daqui para a frente.

Porquê passar de guarda-redes para diretor desportivo?

Por motivos profissionais, eu não ia conseguir manter-me comprometido a 100% com o clube. Já no ano passado, tive esse problema. A meio da época ‘desapareci’ por dois ou três meses e, como trabalho na gestão da logística de trotinetes em Lisboa, por vezes tenho de ir trabalhar à noite. Portanto, não dava para conciliar tudo, era sair de casa às oito, nove da manhã, trabalhar até às 20h para depois ainda ir trabalhar a pôr trotinetes na rua e voltar para o armazém. Houve vezes em que não consegui manter o compromisso, sempre com os treinadores da altura bem cientes do que se passava. Eu pensei no assunto, a nova época estava a começar e eu não queria estar a queimar uma inscrição do clube, fazer o clube gastar dinheiro nesse processo, sendo que eu não vou garantir sempre a minha presença. Tendo isto dito, o clube não tem muitos recursos humanos e eu pensei que, não podendo ajudar dentro de campo, poderia ajudar do lado de fora. O que podia fazer? O meu título neste momento é diretor desportivo, mas estou a fazer muito mais do que isso.

Nos clubes pequenos, quase sempre funciona assim...

Até agora, tem sido bastante cansativo. Tenho de estar ao telemóvel, a tratar de uma coisa e de outra, depois dizem “Roberto, faz isto, Roberto, faz aquilo”. Mas tem sido minimamente gratificante, estou a ver as coisas a andarem para a frente. Era esse o objetivo que eu tinha quando aceitei o convite, que foi feito pelo treinador e não pelo presidente ou alguém da direção. O treinador queria manter-me por perto, tenho uma ótima relação com os restantes jogadores, há um núcleo duro no clube que é quase como uma família. O ambiente é tão bom que as pessoas que chegam há um ano, que estão de passagem, acabam por não querer sair. O pessoal chega e fica, há quem tenha cinco, sete, até 15 anos de casa. Eu vou para o meu quinto ano no clube. Tirando a parte de ser muito cansativo, é gratificante o que eu estou a fazer e o progresso que estou a ver dentro do clube.

Há uma diferença muito grande entre a realidade e o jogoNo meio desta história, onde entra o Football Manager?

O primeiro jogo que joguei foi o de 2016. Encontrei-o um bocado à toa, estava à procura de um jogo na internet, ouvi falar do ‘FM’. Na altura, até jogava pirateado. Mas acabei por gostar do jogo porque gosto de jogos estratégicos e complexos e o FM é um desses jogos, acabou por puxar-me muito a atenção. A partir daí, comecei a comprar os jogos, também para apoiar os criadores do jogo, e nunca mais deixei de jogar.

Enquanto jogador de futebol, também fez parte do jogo.

Verdade. Tenho estado todos estes anos como jogador e no próximo já vou estar como diretor desportivo. O rapaz que faz a pesquisa em Portugal [para completar a base de dados do jogo] já entrou em contacto comigo e já atualizou os meus dados.

Pode ser complicado, uma vez que a diferença entre um videojogo e a realidade é alguma, mas quais foram os pontos que retirou para aplicar nas novas funções?

Há uma diferença muito grande entre a realidade e o jogo. Jogadores que estão na 1.ª divisão distrital vêm para a 3.ª divisão distrital sem problemas porque não recebem nada. Na vida real, já não é tão fácil. Neste momento, estou a ter essa experiência. Já falei com jogadores de 1.ª e 2.ª distritais e ninguém quer vir. Na realidade, esses clubes de escalões superiores pagam, enquanto nós não conseguimos. Já no jogo, ninguém paga, todos têm contratos amadores e, por isso, as trocas de jogadores ficam fáceis. Outro ponto é que, no jogo, eu não preciso de ir ao Porto ou a Coimbra para ir buscar jogadores.

Notícias ao Minuto Roberto Júnior expôs a sua aventura no Football Manager nas redes sociais© Twitter

Como correu esse jogo que fez no Football Manager à frente do SL Olivais?

Nesse jogo que fiz com o SL Olivais, os primeiros dois ou três anos, até chegar ao Campeonato de Portugal, foram até relativamente fáceis. Cada ano, foi uma subida, sempre como campeão. Quando o clube virou semiprofissional é que já foi uma luta. Aí já tinha de pagar a jogadores, equipa técnica... Penso que fica no Campeonato de Portugal por duas épocas até conseguir subir à II Liga [Liga 3 ainda não existia]. Depois, acabei por conseguir uma primeira época na luta por não descer, mas, surpreendentemente, acabei a época no segundo lugar. Cheguei à I Liga, fiz uma época, igualmente a lutar para não descer, e acabou por perder o jogo. Os arquivos corromperam, mas o objetivo era levar o SL Olivais à Liga dos Campeões. Aí, perdi a ‘pica’, deixei de ter vontade de jogar.

Cada ano, uma subida. Passar isso para a vida real deve ser complicado, ainda para mais quando olhamos para as condições dos clubes na última divisão distrital. Quais foram as principais dificuldades e as principais tarefas que já teve como diretor desportivo do SL Olivais?

Eu, unicamente como diretor desportivo, estou a tratar dos jogos de pré-época, de contactar árbitros para esses jogos, falo com jogadores, sou a ponte entre jogador e treinador, treinador e presidente. Fora este cargo, estou ainda a tratar da comunicação do clube nas redes sociais, estou a tentar arranjar patrocínios para o clube, estou a tentar fazer merchandising do clube para podermos ganhar mais algum dinheiro.

São várias atividades para lá do diretor desportivo

Verdade, mas o feedback tem sido maioritariamente positivo. A maior parte das pessoas tem ajudado, os próprios patrocinadores do clube têm reagido bem ao que eu e outras pessoas temos feito com eles. As coisas estão a correr bem, mas não tem sido propriamente fácil em todas as partes. O ter de falar com clubes, com árbitros, é mais complicado. Eu mando-lhes mensagem via Facebook, eles olham para a minha fotografia e pensam: “Ah, é só um puto”. Eu apresento-me como diretor desportivo, mas há pessoas, especialmente mais velhas, que não levam tanto a sério. Eu, por um lado, percebo, porque só tenho 25 anos, mas outras pessoas, e até posso dar o exemplo do diretor desportivo do Alcochetense, têm ajudado. Ele foi a pessoa mais simpática desde que assumi funções, deixou sempre a porta aberta para mim, para me dar dicas, para me ajudar, e só posso estar muito agradecido às pessoas com que tenho cruzado caminhos até agora.

Notícias ao Minuto Roberto Júnior jogou 61 jogos na baliza do SL Olivais© Facebook Roberto Júnior

O que era mais fácil fazer: defender as redes do SL Olivais ou ser um ‘faz tudo’ no clube?

Defender as redes era mais fácil.

E o que dá mais gozo ao Roberto?

Também defender as redes.

Quando se fala de um diretor desportivo, fica sempre subentendida uma ideia para a construção do plantel, para a gestão do plantel, para o contacto com jogadores e treinador. O Roberto já tem ideias próprias que quer aplicar?

Querer aplicá-las, eu queria. Contudo, tenho de ter em conta várias coisas. A equipa técnica está no clube há mais tempo que eu, são da casa, passaram pelos juniores, estão nos seniores há vários anos, mais que aqueles que eu tenho de clube. O plantel também é um núcleo duro, muitos também estão lá há anos. Então, acaba por ser mais complicado as minhas ideias em quem conhece a casa melhor que eu. Não posso dar ordens contrárias às do treinador, mas, sem dúvida que, mais para a frente, vou tentar implementar certas coisas no clube, claro que sempre ao encontro do que a equipa técnica pretende. Já o estou a fazer em parte nas outras funções fora da direção desportiva. Estou a aplicar ideias próprias na gestão das redes sociais, nos patrocinadores que estou a tentar encontrar para o clube. Tenho conseguido mudar algumas coisas para melhor e espero que continue tudo bem.

Posso continuar a ajudar por trás, mas vou querer voltar à baliza

Quais são as pretensões do Roberto para esta época? Pode ser visto como um ano zero?

O meu objetivo é a subida de divisão. Já no ano passado estivemos perto e estivemos a lutar até à última jornada. Não depende unicamente de nós, não o conseguimos, infelizmente, mas, vendo o grupo que foi criado e os que vão chegar e acrescentar qualidade à equipa este ano, eu acredito que vamos poder lutar pela subida novamente. Mas não posso impor isso aos jogadores. E porquê? Porque somos um clube que não paga aos jogadores. Apesar de a maioria deles estar lá por amor ao clube, muitos deles até gastam o próprio dinheiro para lá estarem, eu não posso chegar ao pé deles e dizer que o objetivo é a subida. Se eles o conseguirem, eu não terei mais nada a dar-lhes que não seja um simples ‘parabéns’. Então, não posso exigir uma coisa que não vou poder devolver.

É uma das partes complicadas de ser diretor desportivo, o ter objetivos pessoais e profissionais para o clube, mas não ter uma forma de agradecer?

É, é isso mesmo. Mas eu já passei a presidente à equipa técnica a minha ideia. Na reunião de apresentação, eu vou dizer aos jogadores: “Toda a gente sabe das condições do clube, aquilo que o presidente diz todos os anos, o que a equipa técnica diz, mas este ano vai ter de ser a subida de divisão”. Já no ano passado criámos as bases para tal, este ano, ainda por cima como de fora, vou conseguir fazer mais alguma pressão à direção porque sei o que os jogadores querem para o clube, o que é preciso ser criado em termos de estrutura para podermos ser bem-sucedidos, e vou tentar criar as condições na parte de fora para os jogadores terem de pensar unicamente no futebol, não em equipamentos, bolas, material de treino.

Notícias ao Minuto Roberto Júnior passou ainda pelas balizas do Frielas e do CD Estrela© Facebook Roberto Júnior

O facto de estar dentro do clube há anos facilita essa função.

Facilita porque sei o que é necessário e pedido pelos jogadores. Acaba por facilitar o meu trabalho para poder facilitar o dos jogadores.

Um futuro como guarda-redes já está fora de questão?

Ainda não. Eu disse aos treinadores neste ano que não conseguia, mas não sei como vai ser no próximo ano. Porque não sabíamos se íamos encontrar jogadores suficientes este ano, a ideia inicial era o clube inscrever-me também como jogador para ser um guarda-redes reserva. Aparentemente, não vai ser preciso. Já arranjámos três guarda-redes, quatro não vale a pena. Mas não está completamente fora de questão, posso ter o calendário mais limpo na parte profissional e, se isso acontecer, eu posso continuar a ajudar por trás, mas vou querer voltar à baliza.

A gestão desportiva é temporária, é algo a efetivar num final de carreira ainda distante?

Não ponho nada de parte, não sei o dia de amanhã. Eu tanto posso estar a dizer que quero voltar a jogar no próximo ano e depois chegar ao final da época e dizer que não quero jogar mais. É ver como as coisas correm, o sentimento de ver o jogo de fora, que já sei como é porque na época passada fiquei lesionado por dois meses e tive de ver os jogos de lá. Não gostava nada e sei que, apesar de noutras, vai custar-me não estar lá dentro. Não quero deixar a carreira de guarda-redes para trás, até porque posso também acabar por não gostar de ser diretor desportivo, não aguentar a carga da função. Vou ver como tudo progride, não gosto de fechar portas. Mais vale deixar em ‘banho-Maria’. 

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