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"Inglaterra era a loucura. Era calçar as sapatilhas e correr até vomitar"

Não escolheu o Benfica porque já tinha dado a sua palavra ao Sporting. Mais tarde rumou ao FC Porto, antes de fazer as malas e viajar para Inglaterra. As coisas não correram bem, voltou a Portugal, mas também não foi um regresso fácil. Hoje tenta a sorte na Lituânia e já fiz mira aos jogos da Liga Europa. Conheça a história de Rafael Floro.

"Inglaterra era a loucura. Era calçar as sapatilhas e correr até vomitar"
Notícias ao Minuto

08:07 - 23/03/21 por Ruben Valente

Desporto Rafael Floro

Rafael Floro, lateral-esquerdo de 27 anos, pode ser desconhecido para muitos, mas já pisou relvados de dois dos maiores clubes portugueses. Formado nas escolas de Sporting e FC Porto, o jovem que chegou a representar as seleções mais jovens de Portugal mudou-se de malas e bagagens para a Lituânia, onde procura a sorte que não conseguiu conquistar até aqui.

Ao serviço do Panevezys, clube que vai disputar as eliminatórias da Liga Europa na próxima temporada, Floro acredita que ainda vai a tempo de encontrar um projeto clubístico com o qual sempre sonhou.

De 'trambolhão' em 'trambolhão', Rafael Floro nem sempre fez as melhores escolhas na carreira. Também nem sempre foi aconselhado da melhor maneira. Saiu muito cedo de Portugal, para jogar no Championship de Inglaterra, mas acabou mais tarde por ter de tentar a sorte no Campeonato de Portugal. O futebolista, no entanto, nunca baixou os braços e nunca virou à cara à luta. Foi um dos laterais mais promissores em Portugal, mas, por vezes, a qualidade e o potencial não chegam para construir uma carreira de sucesso.

Aos 27 anos, Floro quer demonstrar ao mundo que aquele jovem menino esquerdino, de técnica apurada, que alinhou com nomes como Bruno Fernandes, Sérgio Oliveira, Bruma ou João Mário, ainda pode oferecer muito ao futebol.

O Benfica ainda ligou à minha mãe a querer que eu fosse para lá, mas como sou de palavra fiquei no Sporting

Como é que está a ser a aventura aí pela Lituânia?

É a minha segunda vez, que já cá tinha estado ao serviço do Stumbras durante dois meses. Quando pensei vir, tinha receio. Era uma mudança grande, um país diferente, mas gostei. O clube para onde vi tinha muitos portugueses, e isso ajudou na adaptação. Estava com um pé atrás, mas o país é desenvolvido e gostei muito. Logo no primeiro mês fui considerado o melhor lateral-esquerdo do mês, rapidamente começaram a valorizar-me. Depois, voltei a Portugal, e mais tarde tive uma proposta do Panevezys. Avaliei a situação, eu precisava de jogar, havia a perspetiva de ir à Liga Europa, os prémios de jogo eram bons em relação aos de Portugal, o ordenado era mais elevado… decidi arriscar. O Panevezys é um clube maior do que era o Stumbras, e a cidade é uma das maiores do país. Infelizmente, com a Covid-19, não dá para conhecer muito a cidade porque tem estado tudo fechado desde novembro.

Em termos desportivos, como é o futebol no país?

A época começa sempre em março e só acaba em novembro. A Liga este ano tem 10 equipas, até é mais do que o ano passado, mas é menos do que na realidade portuguesa. Não há muitos clubes com dinheiro cá. O futebol não é tão valorizado cá, é mais o basquetebol. Ainda assim, o campeonato está a evoluir, este ano há mais um patrocinador e está melhor organizado. Nós temos um treinador português, o João Martins, e isso é muito bom. Veio ajudar-nos bastante com os ensinamentos e profissionalismo português, em termos táticos, até com a alimentação… Não é nada que eu não saiba, mas para os lituanos isso é sempre algo que se tem de acrescentar. Mal o mister chegou, começámos a ter resultados, ganhámos a Taça, qualificámo-nos para a Liga Europa e este ano, supostamente, estamos a construir uma equipa para fazer história. O futebol está a evoluir aos poucos cá na Lituânia, mas já noto melhorias ao nível do aspeto tático. Os treinadores e jogadores estrangeiros que chegam ajudam a essa evolução.

E tu és o único português na equipa…

Nascido em Portugal, sim (risos). Temos vários jogadores nascidos no Brasil com passaporte português. Somos vários a falar português, sou eu, os dois treinadores da equipa técnica, mais cinco brasileiros e mais um colombiano, que também entende bem português. Temos um bom grupo, mas eu não sou pessoa de muita timidez, se tiver de falar em inglês e brincar com os lituanos, não deixo de o fazer.

A primeira vez que te mudaste de malas e bagagens para a Lituânia foi em 2018. Como foi essa mudança na tua vida?

Estava no Cova da Piedade, na II Liga, e não queria ir para uma liga amadora. Tentei procurar algo no estrangeiro e, depois de estar dois meses sem jogar, apareceu a hipótese de vir para a Lituânia. Não tenho medo de me aventurar, até porque quem não arrisca não petisca. Só joguei dois meses pelo Stumbras, mas correu bem e entrei logo para a equipa do mês na Liga. As pessoas do clube gostaram muito de mim e correu bem. No entanto, o clube não tinha muita estabilidade financeira e até já acabou. Fiquei um pouco de pé atrás e regressei de novo a Portugal. Aqui no Panevezys agora é diferente. Estou super feliz por estar aqui e em agosto vamos jogar a pré-eliminatória da Liga Europa.

Recuando ao passado, e às tuas origens, como é que passaste do Quarteirense, o clube onde deste os primeiros passos, para o Sporting?

No Quarteirense fazia 60 ou 70 golos por época, fomos campeões, na altura era capitão de equipa e até era número 10. Dei nas vistas e o Benfica e o Sporting queriam que fosse para lá. Primeiro fui fazer um teste ao Benfica e disseram-me: ‘olha para a semana vens cá e nós assinamos contigo’. Só que a meio da semana fui convidado pelo Sporting para lá ir treinar. Fui, éramos uns 30 e tal miúdos, e eles disseram-me que já não saía dali sem assinar. Lembro-me que fui o único a assinar. Depois, o Benfica ainda ligou à minha mãe, a querer que eu fosse para lá, mas como sou de palavra fiquei no Sporting. Fiquei lá dois anos, foram anos de muita aprendizagem.

O Bruma era incrível... fintava todos e fazia cinco e seis golos por jogoJogaste com João Mário, Bruma, Carlos Mané, Eric Dier… Como é que foram esses tempos?

Na altura, já se sentia que havia ali alguns jogadores pelos quais os treinadores puxavam mais, mas acho que todos sentíamos que o nível era muito elevado. A nossa equipa de iniciados era muito forte e chegámos a ganhar 6-2 ao Benfica, que tinha o Cancelo, o Bernardo Silva, o Varela na baliza e esses jogadores todos. Nós tínhamos o Mané, o Bruma, o Iuri Medeiros, o Tobias Figueiredo, o Eric Dier… Mas mesmo quando eles saíam, entravam outros 11 e goleávamos na mesma os adversários. Acabámos por não ser campeões, mas a qualidade era muita. Eu, que na altura era extremo, fazia golos, jogava o Iuri fazia golos, jogava o Fred [Frederic Maciel] fazia golos. O Bruma então… era incrível. Fintava todos e fazia cinco e seis golos.

Quando nos vemos, fazemos sempre uma grande festa. Tínhamos muito boa ligação em miúdos. Eu partilhava quarto com o Tobias [Figueiredo], com o Eric [Dier] e com o Iuri [Medeiros]. O Mané também era da minha turma. Mais tarde, mesmo na seleção também nos continuamos a dar.

Já referiste que começaste como número 10, passaste para extremo, mas agora és lateral-esquerdo. Quando é que te colocaram na tua posição atual?

No Inter de Almancil, o treinador colocou-me a lateral e fui evoluindo. Foi o jogador que fez mais minutos nessa temporada e o FC Porto foi buscar-me no final do ano. Estive lá à experiência e acabei por ficar.

Notícias ao Minuto Rafael Floro ao serviço da seleção sub-20 de Portugal© Getty Images  

Exatamente. Depois de dois anos em Alcochete saíste, foste para Académica, passaste ainda pelo Louletano, Inter de Almancil, até chegar ao FC Porto. Sentias que era no Dragão que ias dar os primeiros passos como sénior?

Comecei à experiência durante um mês, fui a torneios com os juniores de 2.º ano, eles tinham muita qualidade… Às vezes, mesmo que as coisas corressem muito bem, havia sempre receio de ter um dia menos bom e as coisas não resultarem, depois era a questão de haver muita qualidade. Sempre dei o meu melhor, e, se surgisse oportunidade, surgia, senão sabia que tinha de procurar noutro sítio. Acabou por ser o caminho que fiz. Mas ainda cheguei a ir treinar à equipa A no meu primeiro ano. No segundo ano, troquei de agente e o tratamento já não foi o mesmo.

Sentiste que algumas portas se fecharam, foi isso?

Fui sempre bem tratado, atenção, mas no primeiro ano foi tudo às mil maravilhas. No segundo já não joguei tanto, mas por vezes o futebol é assim.

Seguiu-se Inglaterra. Como foi viver fora de Portugal tão novo?

Quando cheguei lá não falava nada de inglês. Tive de aprender aos poucos, mas o José Semedo, que era português e era muito respeitado no clube, ajudou-me bastante nos primeiros tempos. Era um futebol completamente diferente. Os treinos eram só correr! Em Portugal. havia muito mais bola, eram treinos mais táticos. Em Inglaterra, era colocar as sapatilhas e correr, quase até vomitar (risos). Era uma loucura mesmo… O futebol era muito direto, não tinha a ver com aquilo a que eu estava habituado no FC Porto. Eu também era miúdo, senti algumas dificuldades. Foi uma aprendizagem e hoje em dia, se calhar, teria tido mais paciência e não tinha saído de Inglaterra.

Virei-me para o Semedo: ‘Oh Semedo, isto em Inglaterra não há intervalo? (risos) Era outro ritmo e eu com 19 aninhosE jogar em Inglaterra, como é que foi essa experiência?

Saí do FC Porto, com excelentes condições, fui para Inglaterra e boas condições tinha. Eu, com 19 anos, pensei que era assim em todo o lado (risos). O meu primeiro jogo pelo clube foi à porta fechada, mas o segundo até foi contra uma equipa da League Two, ou seja da quarta divisão de Inglaterra, no centro de estágio da seleção inglesa. Umas condições… uma relva espetacular, um balneário gigante. Antes disso, no autocarro cheio de televisões, vidros fumados, lembro-me como se fosse hoje. Estava ao lado do Semedo, começo a ver os pubs todos cheios com camisolas do clube e ainda faltavam para aí duas horas para o jogo. Fiquei maluco com aquilo. Já no aquecimento, vi as bancadas todas cheias e o estádio nem era muito grande. Levava umas 10 ou 15 mil pessoas, mas eu estava habituado a jogar com 500 ou 600 pessoas no máximo. Estava um ‘bafo’, um calor… Fartei-me de correr, só ‘piques’, ‘piques, ‘piques’, e eu virei-me para o Semedo: ‘Oh Semedo, isto em Inglaterra não há intervalo? (risos) Era outro ritmo e eu com 19 aninhos.

Notícias ao Minuto Rafael Floro, com a camisola 24 do Sheffield Wednesday, num jogo contra o Burnley© Getty Images  

Ainda te lembras do teu primeiro jogo no Championship?

O meu primeiro jogo foi dos que teve mais adeptos em casa nesse ano, frente ao Burnley, que subiu à Premier League. Fui um pouco lançado aos leões. Ainda assim, acho que estive bem, apesar de terem havido dois cruzamentos do meu lado em que disseram que a culpa era minha. Na altura, não falava bem inglês e os meus colegas caíram todos em cima de mim. O Semedo até me defendeu. Alguns já eram raposas velhas, até se mexiam pouco… mas, eu entendo. Era mais fácil mandar a pressão para mim, que era um miúdo. Acabei por sair de Inglaterra depois, mas hoje teria feito as coisas de forma diferente.

Se calhar se, depois do jogo com o Burnley, o treinador pensasse ‘bem, agora vou meter o miúdo contra uma equipa mais acessível’, eu teria feito um grande jogo e o caminho tinha sido outroEm 2015 regressas a Portugal, para jogar no Belenenses, mas as coisas não correram muito bem pois não?

Tomei muitas decisões erradas durante três ou quatro anos. Quando cheguei ao Belenenses, inscreveram-me, o Sá Pinto contava comigo, mas acabaram por ir buscar mais jogadores. O plantel teve excesso de jogadores e eu fui um dos escolhidos para não ser inscrito. Até fiquei: ‘fogo, vim de Inglaterra para aqui, o presidente do Belenenses disse que ia jogar e agora estão a fazer-me isto?’. Falei com o meu empresário na altura, que me disse que o clube ia pagar-me na mesma, mas fiquei seis meses sem jogar porque isto aconteceu mesmo no último dia do mercado.

Em janeiro, disseram-me que me iam inscrever, que o Sá Pinto ia contar comigo, e disseram-me para fazer uns jogos no Casa Pia até lá. Só que o Sá Pinto, passado uns jogos despediu-se. Enfim… o tempo foi passando e, nestes casos, os jogadores é que se vão queimando.

Notícias ao Minuto Rafael Floro teve uma breve passagem pelo Cova da Piedade© Global Imagens  

Depois desse momento menos bom, seguiram-se várias passagens fugazes por clubes como o Almacilense, Louletano, Cova da Piedade, Felgueiras… e nunca ficaste mais de um ano. Achas que isso foi prejudicial para a evolução da tua carreira?

Quando vim para o Almacilense ainda tinha contrato com o Belenenses, só que depois o Belenenses quis rescindir. O meu empresário disse-me que ia arranjar clubes do nível do Belenenses, mas não arranjou nada e acabei por ir para perto de casa, para o Louletano. Fiz meia época boa e consegui em janeiro ir para o Gil Vicente, que já tinha mostrado interesse em mim desde os tempos do Sheffield. Cheguei a Barcelos, fiz alguns jogos e lesionei-me. O que nunca tinha acontecido… Voltei, tinha mais um ano de contrato, mas apareceu o Cova da Piedade com uma proposta melhor. Quando cheguei avisaram-me que não ia ser fácil porque o Evaldo era o titular. Acabou mesmo por jogar os jogos quase todos, ainda fiz alguns encontros como extremo, mas a minha posição era lateral. Foi muita coisa a acontecer sempre umas atrás das outras. Sempre que pensei dar o salto para um projeto melhor, parecia que acontecia sempre algo a demonstrar que não era o passo correto. No entanto, nunca desisti.

Achas que és um bom exemplo de que, por vezes, apenas a qualidade não chega para vingar no futebol?

Cheguei a ir à seleção sub-20 e ao torneio de Toulon com o Rúben Vezo, o Rúben Semedo, o Tobias Figueiredo, o Cancelo, o Bruno Fernandes… Eu estava ao nível deles, e eles já me conheciam de Sporting e FC Porto. Na altura, estava eu em Inglaterra e eles a jogar nas equipas B, acabava por estar numa liga superior. O treinador tem de apostar e insistir. Se o treinador gosta, tem de meter o jogador a jogar. Se calhar se em Inglaterra, depois do jogo com o Burnley, o treinador pensasse ‘bem, agora vou meter o miúdo contra uma equipa mais acessível’, se calhar eu teria feito um grande jogo e o caminho tinha sido outro. É só um exemplo, mas o futebol é viver o dia-a-dia e dar o máximo em qualquer que seja a situação.

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