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"Fui à baliza e chorei. Depois quando cheguei ao Benfica foi diferente"

Maria Vieira tem apenas 22 anos e quase tantos títulos no Benfica como a sua idade (21). O seu grande sonho no hóquei feminino é ser campeã do mundo. A frequentar o 5.º ano do curso de medicina, a jovem jogadora não abdica dos estudos, porque como a própria indica, "a vida de atleta é curta".

"Fui à baliza e chorei. Depois quando cheguei ao Benfica foi diferente"
Notícias ao Minuto

08:28 - 22/11/19 por Ruben Valente

Desporto Maria Vieira

Foi antes do grande embate da equipa feminina de hóquei em patins do Benfica, frente à atual campeã europeia, as espanholas do Voltregà, que conversámos com Maria Vieira - a guarda-redes da formação encarnada.

Ansiosa por demonstrar com o resto das companheiras o seu valor na pista, a jovem atleta de 22 anos contou-nos que existe um pequeno sentimento de “vingança” após a eliminação na Liga Europeia, na época passada.

Em declarações exclusivas ao Desporto ao Minuto, Maria Vieira contou-nos também como foi o seu percurso até chegar ao Benfica, quais são as dificuldades de uma hoquista no nosso país e... algumas curiosidades. Até porque hoje conta com 35 internacionalizações por Portugal, mas tudo podia ter sido diferente depois de ter considerado que ser guarda-redes era “horrível”.

Tens 22 anos, jogas hóquei desde os 4 e estás no Benfica desde os 11. Por isso, começo por te perguntar: O amor pelo hóquei cresceu de igual forma ao amor pelo Benfica?

Sou benfiquista desde pequenina e toda a minha família é do Benfica. Foi-me incutida a mística do Benfica desde muito pequena. Tenho quatro anos de formação aqui e mais oito anos nos séniores. É um total de 12 épocas de águia ao peito. É uma sorte enorme e um orgulho imenso. Nada melhor para um benfiquista do que poder vestir esta camisola. Faço questão de apoiar o futebol e outras modalidades. É sofrer como benfiquista, mas também como atleta.

Explica-nos um pouco quem é a Maria Vieira e como se desenvolveu esta paixão pelo hóquei.

Comecei com quatro anos no meu colégio, nos Salesianos do Estoril. Nas horas de almoço havia a patinagem para as raparigas e o hóquei em patins mais para os rapazes. Há cerca de 15 anos havia muito este estereótipo. Os rapazes iam para o hóquei e as raparigas para a patinagem. Um dia fiquei a ver o treino do hóquei e uma senhora que lá estava, a Clarisse, perguntou-me se eu queria experimentar e aceitei, até porque já sabia patinar. Curiosamente, comecei por ser avançada. Experimentei uma vez ir à baliza e detestei. Chorei e disse que nunca mais queria ser guarda-redes na vida (risos). Aquilo fazia muito calor e pesava muito. Era péssimo, horrível. Mudei de clube, joguei no Paço de Arcos como avançada, mas depois quando cheguei ao Benfica voltaram a meter-me à baliza e aí foi uma sensação diferente. Foi um encontrar-me.

E por que razão passaste a ser guarda-redes?

Eu jogava com rapazes, tínhamos uma boa equipa e eu não era muito uma opção. Eles também não me passavam muito a bola (risos). Foi numa de ‘vou voltar a experimentar para ver se dá mesmo ou não’. E um dos meus treinadores aqui desta casa, o Luís Rolão, apostou em mim. Tive treinos de guarda-redes… e foi assim que comecei como guarda-redes aqui no Benfica.

É como se costuma dizer entre os jogos de miúdos: ‘Olha não há mais ninguém, vais tu à baliza’?

Não foi tanto por não haver ninguém, mas foi mais por não me enquadrar na posição em que me queriam, que era avançada. Cheguei a marcar alguns golos, mas tenho a certeza que, se hoje continuasse a ser avançada, possivelmente não estaria aqui nesta casa e não tinha chegado nem de perto à seleção. Era apenas mais uma praticante.

Notícias ao MinutoMaria Vieira a equipar-se antes do treino de preparação para o jogo com o Voltregà© Notícias ao Minuto

Como é ser jogadora de hóquei em patins em Portugal?

A modalidade está a voltar às bocas do mundo. Mas o hóquei em patins passou por uma fase um pouco apagada. Os media não falavam muito… Agora, desde há cinco anos, parece que houve assim um ‘boom’, também graças aos clubes grandes, não só o Benfica, mas por exemplo a Oliveirense, que também investe imenso no hóquei em patins. Quando os clubes investem e se preocupam em apostar no hóquei em patins, sabemos que é um desporto muito querido pelos portugueses. É talvez das modalidades que mais troféus dá a Portugal. Particularmente sobre o hóquei em patins feminino…

Se me perguntares se é o mesmo de há oito anos atrás, não é. E isso deve-se a um único clube: o Sport Lisboa e Benfica. Capacidade de divulgação, capacidade de nos colocar na televisão, nos cartazes do estádio, redes sociais, que têm feito um trabalho impecável não só com o hóquei feminino, mas com o futsal feminino, com o andebol feminino, o voleibol feminino… O Benfica está muito forte nas modalidades femininas e nota-se que há um domínio total. Se não fosse o Benfica, o desporto feminino não estaria tanto na moda como está agora. Sentimos um crescimento e isso é muito importante. Às vezes, vais tomar um café e pedem uma foto. Sim, isso já acontece. É curioso porque dás por ti a pensar: ‘Afinal, as pessoas conhecem-me’. Nós não temos noção do impacto que as redes sociais do nosso clube têm na população em geral.

Como disseste, há mais visibilidade. Mas é fácil ser jogadora? Quanto ganha uma jogadora de hóquei, trabalha ou não trabalha? Explica-nos um pouco…

Na nossa equipa se houver duas jogadoras em onze que não trabalham é muito. Não digo que não dê para viver, mas a longo prazo tu vais sempre ter de optar por outra escolha. A vida de atleta é curta, o Benfica permite-nos uma carreira confortável, que outros clube não conseguem oferecer. Se perguntares quantas atletas recebem para jogar hóquei em patins feminino, se calhar só nesta casa e noutra. Mais nenhuma… E mesmo dentro da nossa equipa há pessoas que não são remuneradas. Estamos a falar de um contexto nem amador, nem profissional. É um semi-profissional. Não parte só dos clubes, parte também de nós, atletas. Nós temos de levar as coisas a sério e isso é algo que se vê no Benfica. Nós temos atletas que chegaram agora e dizem: ‘vocês aqui trabalham como ninguém’. Nós somos pagas e isto é um trabalho, mas também te digo uma coisa. 90% da minha equipa, se não recebesse um tostão para estar aqui, vinha com a mesma atitude, o mesmo empenho, porque no desporto feminino há muito amor à camisola. Joguei aqui três anos sem ser remunerada, mas para mim desde que comecei a receber… mudou ‘bola’.

Começaste desde muito cedo no hóquei. Nunca te despertou interesse para outro desporto?

Pratiquei muitos outros desportos escolares. Basquetebol, voleibol, ténis de mesa… mas o meu primeiro desporto até foi o ténis. O meu pai jogou durante muitos anos, federado, esteve no top cinco nacional e eu comecei desde pequenina, com dois ou três anos, com uma raquete de ténis, mas como sabes o ténis é um desporto em que precisas, não só de muito treino e dedicação, mas também suporte financeiro enorme, que os meus pais não podiam dar. Falo por mim, mas acontece muito com as minhas colegas, nós gostamos muito de vários desportos, mas o hóquei tem aquele sabor especial. O que é que é um desporto só de rapazes? (risos) Para mim, isso nunca me fez muito sentidoFalaste que, no colégio que frequentaste, havia aquela separação entre rapazes e raparigas, onde as raparigas iam para a patinagem, ao invés do hóquei. Alguma vez sentiste ao longo do teu crescimento que eras olhada de lado só porque praticavas hóquei em patins?

Posso dizer-te que no ano passado, estava na seleção, e quando vamos à seleção vai também uma seleção mais jovem. E elas contavam histórias com os colegas de equipa e eu dizias-lhes: ‘vocês têm muita sorte’. Porque no meu tempo não era fácil [estar] numa equipa em que eras a única rapariga. Chamavam-te Maria rapaz, não era fácil… Na escola perguntavam como é que gostas de praticar um desporto que só os rapazes é que jogam ou porque é que jogas um desporto que é de rapazes. O que é que é um desporto só de rapazes? (risos) Para mim, isso nunca me fez muito sentido.

Não digo que perguntassem por mal ou que gozassem comigo, mas havia sempre o comentário de que era Maria rapaz e que gostava do que os rapazes gostavam. E no fundo eu só gostava de uma coisa, que era de desporto. Posso estar enganada, mas tenho a percepção que nos dias de hoje é muito mais fácil uma rapariga estar numa equipa só de rapazes, do que era há 15 ou 20 anos. Se calhar até porque já não há só uma rapariga, há duas, três ou quatro. Mas na minha altura ainda me lembro de entrar em pavilhões e dizerem: ‘olha, uma rapariga’. Nesse sentido, a Federação também tem feito um trabalho notável. Agora, uma rapariga já pode fazer formação [em equipas masculinas] até aos seniores B. Antes, sabes como era? Uma rapariga com 12, 13 ou 14 anos ia para a equipa sénior feminina. Depois vias uma miúda desta idade a jogar com jogadoras de 29 e 30 anos. Não fazia qualquer sentido. E para chegares ao topo, tens de jogar com rapazes.

Porquê?

Eles têm uma capacidade diferente. Isso é fisiológico, não é dizer que as mulheres são mais nem menos, atenção. Os homens têm umas características e nós temos outras. Nós podemos ser mais inteligentes, e se calhar se perguntares a um treinador que já tenha treinado masculino e feminino, ele pode dizer-te isso. Mas o homem é muito mais físico. Por isso é que é bom o treino misto, porque eles podem treinar certos aspetos, e nós outros.

Em relação ao jogo de grande importância deste sábado, frente ao Voltregà, a contar para a fase de grupos da Liga Europeia. Elas são as campeãs europeias em título e eliminaram-vos no ano passado. O que esperas do jogo?

Queremos muito jogar este jogo. O que aconteceu em Voltregà [na época passada], estar a ganhar uma eliminatória por 2-0 e depois em três minutos ficares de fora de uma final four… é duro. Até pela forma como foi, que não convenceu ninguém. Estamos contentes por nos ter calhado o Voltregà no grupo, porque não há melhor local do que a pista para provarmos o nosso valor.

Notícias ao MinutoMaria Vieira a defender a baliza do Benfica© SL Benfica

Há aquele sentimento de vingança pela eliminatória do ano passado?

Não diria vingança, mas sim a prova de que nós merecemos. Porque andámos lá perto, mas falta sempre qualquer coisa. Sermos retiradas de uma final four, numa competição que é um dos teus objetivos, em três minutos… é muito duro. A nossa equipa teve uma dificuldade grande em digerir a eliminação. Deu-nos mais força e mais raiva para reagir. Elas não precisam de apresentações. São um monstro no hóquei em patins feminino e deve ser a equipa que mais Ligas Europeias ganhou. Mas isso não nos afeta, porque nós somos o Benfica e elas têm essa noção. Aqui na Luz nunca nos ganharam. Espero um jogo muito intenso, sofrido emocionalmente e decidido nos pormenores. Temos uma grande vontade de ganhar.

Nas aspirações para esta Liga Europeia, recordando a vossa conquista em 2015, quando olhas para a tua equipa vês um plantel que pode voltar a conquistar o título?

Sem dúvida. Temos caras novas, caras que não são novas mas que cresceram, que ganharam experiência, a melhor jogadora do mundial, tricampeãs do mundo, vice-campeãs do mundo… Temos de tudo. Temos uma equipa equilibrada, jovem, mas com muita experiência. Treinador igual. Muitas de nós já conhecem o Paulo [Almeida] e há uma boa comunicação entre equipa e treinador. Temos todas as condições reunidas. É esperar que chegue o apito inicial e dar tudo.

Estás no teu oitavo ano na equipa de hóquei feminino do Benfica e já ganhaste sete campeonatos nacionais, seis Taças de Portugal, sete Supertaças… Há alguém capaz de vos parar em Portugal?

Eu acho que não… A final do torneio de abertura também acho que não deixou dúvidas. Para mim, o Benfica tem uma equipa monstruosa e em Portugal não vejo uma equipa capaz de tirar esta hegemonia ao Benfica, se tudo estiver a 100%. Não digo que há impossíveis porque no desporto isso não existe. Eu própria já defrontei a Espanha com Portugal e ganhámos mesmo não tendo o melhor plantel. E elas são um monstro do hóquei feminino. Não quer dizer que o melhor plantel ganhe sempre, mas a maneira que o Benfica trabalha e como investe, não há em mais lado nenhum. Em condições normais, não há equipa que tire essa hegemonia.

Falando novamente nos títulos, juntando aqui a Liga Europeia que venceste em 2015, o que te falta ganhar?

Falta a Seleção Nacional. Estivemos muito perto em 2016 e perdemos em golo de ouro frente à Espanha. Em 2018 perdemos contra a Espanha na final do Campeonato da Europa (pausa…). O meu sonho é ser campeã do Mundo. Já ganhei tudo no Benfica. Quase tudo, agora há a Taça Intercontinental, mas sinto que já conquistei praticamente tudo a nível de clube. Ser campeã da Europa também seria um sonho, mas acima de tudo ser campeã do Mundo.

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