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"Caceteiro? Quem percebe sabe que fui um jogador duro, mas nunca maldoso"

Em exclusivo ao Desporto ao Minuto, Fernando Aguiar recorda os momentos mais marcantes de uma extensa carreira que chegou ao fim em 2014, quando, já com 42 anos, regressou aos relvados para representar o Pedrouços.

"Caceteiro? Quem percebe sabe que fui um jogador duro, mas nunca maldoso"

Nasceu em Chaves, a 18 de março de 1972, mas bem cedo emigrou para o Canadá, onde, antes do futebol, deu uma ‘perninha’ no hóquei no gelo. Por insistência do pai, insistiu no desporto-rei, até que, em 1994, regressou a Portugal, para representar o Marítimo, pela mão de… Joe Berardo.

Se há homem que pode dizer que a vida lhe reservou reviravoltas inesperadas, é Fernando Aguiar, atualmente com 47 anos, que abre o livro numa extensa entrevista concedida em exclusivo ao Desporto ao Minuto.

Das palavras de José Antonio Camacho na Luz ao regresso ao futebol em 2013, para representar o Pedrouços, da Divisão de Honra da Associação de Futebol do Porto, o antigo médio-defensivo passa a pente fino uma carreira repleta de peripécias.

Os jogadores de hóquei no gelo aprendem outro tipo de cultura. São duros, mas leais, e isso ajudou-me

Quando vai na rua ainda lhe chamam Robocop?

É mais na Internet, nas redes sociais, que as pessoas se lembram. Mas sim, há pessoas que ainda me chamam. Vou na rua e dizem 'Eh, vai ali o Robocop'.

De onde é que veio essa alcunha?

Foi um treino no Beira-Mar em que estava ligado no joelho e o Carlos Oliveira, jornalista do Record, começou a chamar-me Robocop e ficou.

O Fernando é recordado como um jogador muito duro. Há até quem diga que passava do limite...

Quem percebe mesmo de futebol sabe que eu era uma pessoa dura, mas leal. Quem gosta de me meter no pacote dos jogadores caceteiros, fala disso. Mas, no fundo, quem percebe sabe que sempre fui um jogador duro, mas nunca maldoso.

Nunca teve problemas com ninguém por causa disso?

Não... Se calhar também por causa do meu tamanho e da minha dureza nunca tive muitos problemas.

Quando começou a jogar quem eram as suas referências?

Quando era miúdo olhava muito para o Zico. A minha mãe e os meus amigos chamavam-me isso quando ia jogar. Em adulto, como eu estava em transição de avançado para médio, vi o Mundial de 1986 e olhava para o Maradona. Não era bem uma referência, mas era quem dava nas vistas.

Como é que se deu essa mudança de avançado para médio?

Eu era uma pessoa muito frágil, muito fininha quando era miúdo. Era mais baixinho e era rápido, então metiam-me a bola na frente e eu ganhava nos sprints a toda a gente. A partir dos 14/15 anos, entrei na fase daquele crescimento. Comecei a ficar mais pesado, não tão rápido, então um treinador meteu-me a meio-campo. Não resultou... Comecei a ir para o banco e a trocar de equipas. Ia para uma equipa, para outra equipa, até que finalmente achei uma à minha altura, e foi aí que fui campeão da província de Ontario e de sub-18 do Canadá.

E neste momento, há algum jogador em quem se reveja?

Houve um jogador que passou pelo Benfica, o Javi Garcia. Há quem faça essa comparação. O Fejsa também, pelo tipo de estilo a destruir jogo.

Antes do futebol, o Fernando também deu uma 'perninha' no hóquei no gelo...

No Canadá, como praticávamos muitos desportos ao mesmo tempo, jogava futebol, basebol, hóquei... Houve vários anos em que experimentei hóquei no gelo. Só que é um desporto que, com o crescimento, fica caro. Tínhamos que estar sempre a trocar, tornou-se um desporto muito caro para continuar, por isso fui para o futebol, que era um desporto mais barato.

Houve alguma coisa que tenha aprendido no hóquei que tenha levado para o futebol?

O aspeto físico foi importante, a lealdade também. Os jogadores de hóquei no gelo aprendem outro tipo de cultura. São duros, mas leais, e isso ajudou-me.

O Joe Berard estava em Toronto com um amigo que conhecia o meu pai. Lá falaram e fui para o Marítimo

Em 1994 deixa os Toronto Blizzard e assina pelo Marítimo. Como se deu essa oportunidade?

Bem, temos aqui uma polémica com a Caixa Geral de Depósitos... E foi o Joe Berardo que na altura me trouxe para Portugal. Eu estava nos Toronto Blizzard e o meu pai começou a pensar 'Se calhar o melhor é ele ir para Portugal, para jogar'. O Joe Berardo estava em Toronto com um amigo, que conhecia o meu pai. Lá falaram e fui para o Marítimo à experiência... através do Joe Berardo. Fiquei no hotel dele, o Savoy. Foi buscar-me ao aeroporto, mostrou-me a fábrica dele... Já conheço o Joe Berardo há muitos anos.

O Fernando passou de um país de grandes dimensões, como é o Canadá, e depois esteve três anos na ilha da Madeira. Não lhe fez confusão na altura?

Portugal está muito mais evoluído agora. Na altura, em 1994, notava-se uma grande diferença. Quando cheguei à Madeira, aquilo era um atraso de vida para mim. Estive lá no fim de semana e queriam assinar contrato comigo, mas apanhei o avião e fui para o Canadá outra vez.

O que é que o levou a voltar?

O meu pai começou a insistir 'Tens que ser jogador da bola, tens jeito para isto'... Então fui para Lisboa, uma cidade com mais população e mais evoluída, e estive à experiência no Belenenses. Aí, a minha mãe recebeu uma chamada do Joe Berardo a dizer que o Marítimo ainda estava interessado. Foi nessa altura que decidi ficar no Marítimo.

Em 1997, deixou o Nacional, que estava na II B, e foi para o Maia, que estava na II Liga. Notou muita diferença?

Acho que até foi positivo para mim. Na Madeira, naquela altura, estando sozinho, sem a família... Eu era um rapaz solteiro e havia mais tentações. Foi positivo ir para o Norte, porque tinha mais equipas e era muito mais competitivo. Era melhor, havia mais gente a ver os jogos. Foi muito positivo para mim.

Em 2000 ajuda o Beira-Mar a subir e estreia-se na I Liga...

Todo o meu percurso tem sido complicado neste aspeto. Na II Liga joguei sempre a titular e depois comecei a época no banco. No início não calhou bem. Não estava a correr bem para mim nem para a equipa, mas depois entrei e até foi mais fácil, porque sentia aquela raiva de não ser titular. Comecei a ser titular e as coisas começaram a correr bem para o Beira-Mar.

Quando cheguei, o Benfica estava a passar por algumas dificuldades, era uma casa a arder

Foi então que apareceu o Benfica. Chegou a meio da época mas ainda fez 13 jogos. Achava que ia ser tudo tão rápido?

Na altura não estava com muitas esperanças de dar o salto. Estava mais à procura de equipas como Sporting de Braga, Vitória SC... Tinha 29 anos, quase a fazer 30, e sabia que ia ser muito complicado dar o salto. Entretanto jogámos em casa com o Benfica, a minha filha mais velha tinha nascido nessa noite, e empatámos 3-3. O Toni chegou à minha beira e disse que tinha passado ao lado de uma grande carreira. Pensei 'OK, acabou aqui'. Só que em janeiro lá apareceu o Benfica interessado e dei o salto.

Foi o ponto alto da sua carreira?

Sim, sem dúvida. Quando cheguei, o Benfica estava a passar por algumas dificuldades, era uma casa a arder. Estava a fazer a limpeza que tinha que fazer. Não foi fácil, porque os adeptos do Benfica eram muito exigentes com jogadores como eu. Esperavam jogadores mais tecnicistas. Foi complicado. Entretanto fui emprestado ao União de Leiria, regressei e as coisas correram bem.

Estava à espera de ser emprestado?

Sim... Ainda fiz alguns jogos, mas na pré-época notei que estava a ser afastado. Entretanto apareceu o União de Leiria e mais sete ou oito equipas interessadas, mas optei pelo União de Leiria. Tinha as melhores condições que havia na altura.

Fez 32 jogos em Leiria. Foi importante para depois se impor no Benfica?

Acho que o Benfica também contratou o treinador certo. Com o Camacho, a casa começou a ficar limpa. Ele disse que fiz uma boa época, dava-me como exemplo nalguns lances, como nos cantos. Quando me abordou na pré-época, disse-me que contava comigo mais três jogadores. Disse que ia ter oportunidade de jogar e perguntou-me se eu queria ficar, e eu disse que sim. Em termos de homem, foi cinco estrelas.

Foi um treinador que o marcou.

Sim. Acho que em termos táticos, de treino, se calhar não foi o melhor que apanhei. Mas enquanto homem, que para mim é muito importante, conseguiu ter o balneário na mão e isso ajudou a equipa a evoluir bastante.

Foi uma época turbulenta, mas o Benfica ainda conseguiu conquistar a Taça de Portugal contra o FC Porto de Mourinho.

Claro que houve altos e baixos, mas fizemos uma boa época. Normalmente, com 74 pontos já dava para lutar mais perto pelo título. O FC Porto fez uma grande época, fez 82 pontos. Ganhámos a final da Taça quando o Benfica não ganhava nada há oito anos, por isso foi muito importante.

Passei de 12.º jogador do Benfica para, duas épocas depois, estar no Gondomar

Seguiu-se uma temporada na Suécia. Como é que correu?

Eu já ia lesionado no menisco. Cheguei lá mais forte, e um jogador como eu tem que estar bem fisicamente, se não não dá nada. Entretanto entrou um treinador novo e eu também já não queria estar lá, por isso chegámos a acordo e voltei para Portugal, para o Penafiel.

Foi fácil o regresso a Portugal?

Ainda não estava bem fisicamente. Uma situação que me afetou bastante foi não ter ficado no Benfica. Tinha sido o 12.º jogador mais utilizado, fui uma peça fundamental nessa época, e não renovarem contrato afetou-me um pouco psicologicamente. Não foi fácil essa transição.

Como é que lidou com isso?

É uma história que conto bastante. Passei de 12.º jogador do Benfica para, duas épocas depois, estar no Gondomar. Não foi nada fácil gerir essa situação.

Notou uma grande diferença quando regressou aos escalões inferiores?

Notei bastante diferença. Não sei se hoje em dia é tanto, porque os treinadores estão muito mais evoluídos, já toda a gente treina da mesma forma, uns com mais e outros com menos dinheiro... Notei que era fácil demais, principalmente nas duas primeiras épocas. Era muito fácil para mim.

Nunca surgiu a oportunidade de regressar à I Liga?

Não, o que surgiram foram oportunidades em equipas como Estoril, Feirense... Que queriam subir de divisão. Mas como eu morava na Maia, estava mais perto de casa, optei sempre pelo Gondomar. Queria ficar por perto.

O Fernando retirou-se em 2009, mas regressou aos relvados quatro anos depois para jogar no Pedrouços. Como é que isso aconteceu?

Estava na Maia, ia a passar por um café, e vi um dirigente do Maia que disse 'Estás em forma, não queres vir para cá jogar?'. Entretanto comecei a treinar com o Maia, mas eles nunca mais se decidiam. Ia à noite treinar com eles, divertia-me um bocado... Depois ligaram-me do Pedrouços, a dizer que estavam interessados que fosse para lá. Fiz a viagem de cinco minutos para lá, conversei com eles e assinei.

Como é que foi voltar a jogar futebol?

Como o Pedrouços na altura tinha relvado e eu tinha sido operado ao joelho, dava para jogar. O sintético dificultou sempre um bocadinho. Mas foi uma boa experiência, há bons jogadores nos distritais, não é assim tão mau como as pessoas dizem. Foi bom porque marquei um hat-trick, foi uma boa experiência.

Houve algum episódio que o tenha marcado?

Logo no primeiro jogo, fomos a Sanfins e aquilo era pelado. Ainda não estava bem fisicamente, e ainda por cima a jogar no pelado, com aquela bola... Cheguei ao intervalo e pedi para sair, porque já não aguentava mais.

Como é que os adversários olhavam para si?

É como tudo. Tive mais prazer a jogar com uns, mas havia outros que eram mais ranhosos... Tentavam sempre fazer frente. Eu depois era mais agressivo e eles diziam 'Ei, olha que tenho que ir trabalhar amanhã'. E eu dizia 'Está bem, mas se estamos aqui a jogar é para jogar...'. Apanhei muitas reações assim.

Lembra-se do que sentiu no último jogo?

A minha decisão já estava tomada. Nós não fazemos aquilo por dinheiro, não é? Se está dinheiro a entrar, é sempre bom. Mas aquilo era pouquinho dinheiro, quase só para as viagens e para comer qualquer coisa... Decidi que não ia continuar. O presidente do Pedrouços queria que ficasse, mas decidi não continuar.

Fiz tudo por mérito, se calhar é um defeito meu, não sei

Continuar no futebol, mas noutras funções, não lhe passou pela cabeça?

Sim, ainda tirei o primeiro nível, ia para o segundo, mas depois quis passar mais tempo com as minhas filhas. Não sou daqueles que dão para treinador principal, não tenho caraterísticas para isso. Em termos de adjunto podia ser, só que o futebol está minado. Temos que estar vivos, atentos e sentar à mesa com pessoas de que não gostamos. Para mim isso torna-se um bocado complicado porque tenho outro tipo de cultura. Fui criado no Canadá e a minha cultura é por mérito. Por vezes aqui isso não acontece.

Essa diferença de cultura impediu-o de fazer outras coisas no futebol?

Sim... Impediu-me de ficar no Benfica, porque tive oportunidade. Houve gente que disse 'Mas não queres renovar? Nós falámos com o presidente'... Dava-me bem com muitos jogadores que tinham bons empresários. Podia falar com eles e pedir para arranjar isto ou aquilo, mas não. Fiz tudo por mérito, se calhar é um defeito meu, não sei.

O que é que tem feito desde que deixou de jogar?

Na altura, antes de acabar a carreira, comecei com uns investimentos no Canadá, a nível do imobiliário, e aqui também. Tenho passado os dias na Maia. Entretanto a minha vida familiar não correu bem, divorciei-me... Os maus pais vieram do Canadá para Chaves. Nos últimos sete ou oito meses decidi vir para Chaves, estou aqui a viver agora. Para já, estou à procura de um projeto novo. Tenho aqui um terreno para ver se consigo fazer alguma coisa. Foi bom sair do meu ambiente para pôr as ideias em dia.

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