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Animador português trabalhou com realizador vencedor de quatro Óscares

Emanuel Nevado está em Portugal com Nick Park, realizador de 'A Fuga das Galinhas' e, mais recentemente, 'A Idade da Pedra', que estreia esta semana. O animador é o único português a trabalhar na equipa do prestigiado realizador de filmes de animação em 'stop motion'.

Animador português trabalhou com realizador vencedor de quatro Óscares
Notícias ao Minuto

13:25 - 08/03/18 por Anabela de Sousa Dantas

Cultura A Idade da Pedra

Emanuel Nevado nasceu em Leiria mas hoje em dia vive e trabalha em Bristol, no Reino Unido. O animador especializado em 'stop motion' foi um dos colaboradores de Nick Park na rodagem do filme 'A Idade da Pedra', que estreia em Portugal já esta quinta-feira.

Nick Park, recorde-se, é o prestigiado realizador de filmes como 'A Fuga das Galinhas' (2000), o filme de animação em stop motion mais lucrativo de sempre. Ganhou  três Óscares de Melhor Curta de Animação por 'Creature Conforts' (1989), 'The Wrong Trousers' (1993) e 'A Close Shave' (1995), e um Óscar de Melhor Filme de Animação por 'Wallace & Gromit: A Maldição do Coelhomem' (2005). Todos estes filmes foram produzidos pelos Estúdios Aardman, codirigidos por Park, de onde também saiu 'A Ovelha Choné' (2015).

Emanuel Nevado é licenciado em Musicologia e tem um Master em Animação e Direção de Stop Motion, tirado em Barcelona, e certificação em Character Animation atribuída pela NFTS-Aardman, em Bristol. Tem trabalhado nos últimos anos para a Aardman Animations e também para a Disney.

O animador falou com o Notícias ao Minuto, a propósito da antestreia de 'A Idade da Pedra' no festival MONSTRA, em Lisboa, onde falou sobre o futuro sua profissão e sobre a pressão de trabalhar com um dos seus ídolos.

As pessoas estão habituadas a um tipo de cinema de alta definição, em que as coisas são todas muito limpas e já não se sabe o que é texturaPodemos começar por falar um pouco sobre o filme ‘A Idade da Pedra’.

É o novo filme do Nick Park, que não fazia um filme desde 2005 se não me engano. Começou a escrever a história em 2010 e é mais um filme ao estilo da Aardman no sentido em que são estes personagens com um ‘look’ que se identifica imediatamente. Com o Nick Park, especificamente, é a plasticina.

Qual é a diferença de trabalhar com plasticina, porquê essa preferência? Há quem dê a designação de ‘clay animation’, como se fosse uma técnica específica.

Há quem diga ‘claymation’, ‘clay animation’… Não consideraria um subgénero da animação, mas realmente é essa a expressão. Porque é que é feito em plasticina? É feito em plasticina simplesmente porque a plasticina tem infinitas possibilidades de escultura o que significa que tem infinitas possibilidades de expressividade. É só por isso que é usada a plasticina. Mesmo hoje em dia, com as técnicas digitais que outras empresas usam, em que é possível usar outros materiais que são pré-feitos, acaba por haver mais empatia das pessoas que estão a ver, mesmo que inconscientemente, as pessoas sabem que aquilo foi tocado por mãos humanas.

Notícias ao MinutoExemplos de personagens do filme 'A Idade da Pedra', trazidos por Emanuel Nevado e Nick Park a Portugal© Notícias ao Minuto

É o facto de serem moldáveis?

É o facto de serem moldáveis e é o 'look' que isso dá. Sempre foi assim, mas hoje em dia é mais relevante ainda, porque as pessoas estão habituadas a um tipo de cinema de alta definição, em que as coisas são todas muito limpas e já não se sabe o que é textura, o que é uma coisa artesanal. E estes filmes, apesar de serem filmados com as melhores câmaras que existem, são também de alta definição, a plasticina dá-lhe uma textura que impossível de conseguir de qualquer outra forma.

Qual é exatamente a sua função como animador?

A função de um animador é conseguir fazer o plano, tão simples como isto. Existe o realizador ou os diretores de animação que nos dão um briefing, que dizem ‘este plano que vais fazer agora é um plano que vem a seguir a este e antes daquele’. Pode ser um plano de dois segundos, de meio segundo ou de trinta segundos, mas dizem-te que estes personagens, nesta altura, estão a sentir isto e vão precisar de fazer isto fisicamente para chegar deste ponto aquele ponto. Normalmente faz-se um LAV ('live action video'), ou seja, nós grava-mo-nos a nós próprios, a fingir que somos o personagem e isso vai servir de referência.

Notícias ao MinutoEmanuel Nevado© Divulgação

É um ‘storyboard’ [ilustração em sequência de uma cena a ser filmada] ao vivo?

É um ‘storyboard’ ao vivo, sim. Normalmente há o ‘storyboard’ e depois há a animática, que já é o ‘storyboard’ montado em sequência. Depois o que pode acontecer é fazerem-se vários LAV’s que ajudam o animador. Por exemplo, nós podemos estar centrados na cara do personagem mas há ali um movimento com o dedo mindinho que nos escapa e o LAV ajuda com isso e também com o ‘timing’.

Numa produção destas, que é uma longa-metragem, o que o animador faz é pegar nesse LAV e naquilo que lhe foi dito e fazer um bloco, que é um ensaio. Em vez de se fazer todas as fotografias, todos os fotogramas que são precisos para o plano, o animador faz ele próprio algumas poses-chave para serem vistas pelos diretores, que retifica e aprova ou não o trabalho.

E a partir daí grava-se a sequência completa?

A partir daí o animador começa a filmar e a partir do primeiro fotograma até ao último fotograma ele tem de ir linearmente.

O filme tem cerca de uma hora e meia. Quanto tempo demorou a rodagem do filme?

Oficialmente o Nick Park começou a desenvolver a ideia do filme em 2010. O produção no geral começou, mais ou menos, há dois anos e meio, a produção em termos de rodagem do filme deve ter durado mais de um ano e meio.

Sabe dizer quantas fotografias é que foram necessárias para filmar tudo?

Não, mas é só fazer as contas. [risos] Muitos, muitos milhares.

Ou deixa de haver ‘stop motion’ ou então dá-se o processo inverso, que é chegar a um ponto em que há gerações que nunca chegaram a ver filmes feitos em plasticinaComo é que se trabalha a relação com as vozes? Os atores dobram apenas quando o filme já está pronto ou durante a rodagem?

Esta produção foi bastante típica, acho que é o que se faz normalmente. Quando se está na fase em que se está a fazer ainda a ‘storyboard’ usa-se o que se chama de ‘scratch dialogue’, ou seja, qualquer pessoa da produção pode chegar e faz a voz do personagem. Isso já ajuda a ter uma ideia. E às vezes encontram-se grandes talentos aí. [risos] A partir do momento em que se fecha aquela sequência, então sim, grava-se a voz. 99% das vezes a voz grava-se antes do animador fazer o plano final. Se o animador fizer o plano com uma voz que depois não é a final acaba por ser ingrato depois para o ator, tem que representar a partir de uma imagem já feita.

O uso de efeitos especiais está cada vez mais desenvolvido, mas realizadores como Tim Burton ou Wes Anderson continuam a trabalhar com animação. Qual acredita ser o futuro da stop motion?

Vou só dizer que qualquer um desses exemplos que deu têm também muitos efeitos especiais. Hoje em dia, nenhum realizador de ‘stop motion’ se pode abstrair completamente. É impossível. Este filme em específico tem bastante 3D, se calhar é dos filmes que tem mais 3D da Aardman: multidão atrás, fogo e fumo… Podia ter sido feito em ‘stop motion’ mas não foi neste caso.

Sobre o futuro da ‘stop motion’... Eu não sou otimista por natureza, mas neste caso sou bastante otimista, no sentido em que só há duas coisas que podem acontecer: ou deixa de haver ‘stop motion’ ou então dá-se o processo inverso, que é chegar a um ponto em que há gerações que nunca chegaram a ver filmes feitos em plasticina. E isso vai acontecer ainda mais no futuro. Gerações que se calhar até já vêm filmes no iPad e nunca foram ao cinema. Que se desabituaram de ver uma profundidade de textura e de expressão. E essa geração vai chegar a um ponto em que vai olhar para a ‘stop motion’ como a grande novidade. Vai haver um ‘boom’ outra vez. É nisso que eu acredito mas eu vivo disto. [risos]

Notícias ao MinutoPersonagem de 'A Idade da Pedra'© Notícias ao Minuto

É fator de pressão ou de absoluto entusiasmo, trabalhar com um realizador tão premiado?

É realmente as duas coisas. Não posso dizer que não haja pressão, há uma pressão muito grande todos os dias. Ele é uma pessoa extraordinária, pessoal e profissionalmente. É uma simpatia, é muito exigente mas é incapaz de falar mal com alguém. Há esse entusiasmo que vem do facto de ser um dos meus ídolos, de quando comecei a fazer ‘stop motion’ e há ao mesmo tempo a questão da pressão de saber que, de repente, estou a fazer aquilo que há uns anos atrás estava a ver no cinema. De repente, sem me dar conta, passei para o outro lado.

O Emanuel vai dar uma masterclass, na sexta-feira, destinada exclusivamente alunos e professores com projetos de ‘stop motion’. Como é que surgiu esta oportunidade?

Ao falar com a NOS e com a Monstra, eles sugeriram várias coisas, uma delas foi a masterclass e eu achei uma boa ideia. Propus que se fizesse especificamente uma aula prática porque faz muita falta, no caso da ‘stop motion’. Aquilo que eu sugeri foi que, ao invés de estar a fazer uma masterclass em que me punha a mostrar slides, que fosse uma virada para alunos que têm dúvidas, que estão a fazer os seus próprios projetos e que eu possa falar individualmente com cada um deles, dar feedback.

Quais são os seus projetos para o futuro?

Em termos especificamente de animação, o que seria um grande sonho era conseguir manter-me a viver disto e a manter o entusiasmo de fazer aquilo que faço. E não é fácil.

Porquê?

Quando vemos a animação não temos ideia do que está por trás. Além daquele gozo que nós todos, como animadores, temos durante os planos, diariamente há aquela sensação de que há sempre alguma coisa que não correu bem. Um animador quando olha para o seu plano pergunta sempre ‘porque é que não fiz aquele frame assim’. Torna-se muito desgastante ao longo dos anos, e há muita gente que depois de 30 anos na profissão se dedicaram a outras coisas.

Pensa em voltar para Portugal?

Gostava, eu gosto imenso de Portugal, não sei quando vou voltar.

Era boa ideia voltar para ensinar ‘stop motion’?

Era e [há] alguns planos que eu tenho falado com algumas pessoas em Portugal… talvez no final do ano haja novidade, não sei.

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