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'Silêncio' trata um "ato de compaixão" e Scorsese fá-lo "com grande arte"

Estreia esta quinta-feira o filme 'Silêncio', realizado por Martin Scorsese, sobre a odisseia de dois padres jesuítas portugueses no Japão do século XVII. O Padre José Maria Brito, da Companhia de Jesus, falou ao Notícias ao Minuto sobre o filme que retrata esta "página menos vistosa" da história de Portugal.

'Silêncio' trata um "ato de compaixão" e Scorsese fá-lo "com grande arte"
Notícias ao Minuto

08:08 - 19/01/17 por Anabela de Sousa Dantas

Cultura Companhia

�Silêncio’, a nova longa-metragem de Martin Scorsese, que estreia esta quinta-feira, dia 19, nas salas portuguesas, relata a viagem de dois missionários jesuítas portugueses do século XVII para o Japão, para procurar o seu mentor, que acreditam ter sido obrigado a cometer apostasia. Baseado no livro homónimo do japonês Shúsaku Endô (1966), o filme toca uma parte da história de Portugal.

Este filme obriga-nos a olhar para um momento muito particular da nossa história como portugueses. O nosso contacto com o Japão. Contacto de que até hoje se guardam marcas e que ficou registado na memória do povo japonês. No caso da Companhia de Jesus (Jesuítas) é também um desafio a aprender a acolher uma página menos vistosa da nossa história e a experimentar na nossa própria pele o drama de um de nós”, afirmou ao Notícias ao Minuto o padre José Maria Brito, da Companhia de Jesus.

No filme, Sebastião Rodrigues (interpretado por Andrew Garfield) e Francisco Garupe (interpretado por Adam Driver) assumem como missão descobrir o paradeiro de Cristóvão Ferreira (interpretado por Liam Neeson), de quem se diz ter cometido o derradeiro pecado – abjuração, a renúncia a Deus.

“No caso do protagonista do filme o que realmente acontece não é a fuga à tortura infligida sobre ele mas sim a necessidade de proteger os cristãos que continuariam a ser violentamente torturados enquanto ele não negasse – pelo menos aparentemente - a fé. O que o filme nos mostra não é o desejo de preservar a vida própria, mas a daqueles por quem aquele jesuíta se sentia responsável. Foi um profundo ato de compaixão”, sublinha o padre José Maria.

O jesuíta explica que “nenhuma fé é inabalável” e que “toda a história de fé se faz sendo tocado pela vida, provocado pelos encontros e pelos acontecimentos”. A passagem pela dúvida e a integração do fracasso são, portanto, “parte do caminho”.

O filme tem esse mérito: mostra-nos que a fé não é uma aventura épica… implica passar pela derrota e pelo fracasso, aceitar muitas vezes e renunciar à sua própria honra e prestígio descobrindo que o grande sacrilégio é pisar a imagem de Deus que se manifesta no rosto de cada pessoa.

No filme, uma das provas feitas pelos inquisidores japoneses aos camponeses suspeitos de seguirem a fé cristã era o ato de pisar uma imagem de Jesus.

Mais do que um retrato histórico, a longa-metragem de Scorsese permite (e convida) à discussão sobre a fé. Quando questionado sobre o desenvolvimento da relação de Sebastião Rodrigues com Jesus, sobre as dúvidas e a reação ao silêncio de Deus, o Padre José Maria dá a sua visão.

“O modo como o filme retrata a relação do Padre Sebastião Rodrigues com Jesus está muito marcado pelos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus. Trata-se de um guia para orientar uma experiência de retiro em silêncio através do qual a pessoa se vai identificando com Jesus. Nesse livro há um grande apelo à nossa capacidade de nos imaginarmos dentro das cenas do Evangelho, de nos imaginarmos a falar com Jesus e a ouvir o que Ele nos quer dizer. (…) Nesse sentido, percebe-se que houve um grande cuidado na preparação do filme para que as personagens fossem fiéis ao modo de sentir, pensar e rezar dos jesuítas”, esclarece.

Para mim o filme é um convite muito sério a aceitar o que não é óbvio no caminho da fé, a questionar-me sobre a necessidade de em cada momento procurar qual é verdadeiramente a vontade de Deus, por onde passa a fidelidade”, frisa.

O jesuíta acredita que o maior dos desafios está na compreensão de que a fé “vive no meia da incerteza”.

Martin Scorsese capta esta dimensão da fé com grande arte. É um filme muito bom. Que inquieta, que nos deixa em silêncio. E depois desse silêncio inicial vão saltando perguntas... Uma atrás da outra. Quem for para o filme à espera de respostas se calhar ficará desiludido.

Pode ler mais sobre o filme aqui.

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