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A 'insularidade lusófona' de Aline Frazão veio a Portugal  

Encanta os palcos com a sua voz oriunda de Angola, mas os seus álbuns misturam culturas de várias partes do mundo. Em entrevista ao Notícias ao Minuto, a cantora Aline Frazão falou, sem medo, sobre os direitos humanos em Angola, não escondeu um gosto especial pelo cinema e contou-nos o que podemos esperar dos seus concertos, agora que está de passagem por Portugal.

A 'insularidade lusófona' de Aline Frazão veio a Portugal

 
Notícias ao Minuto

07:47 - 15/10/16 por Inês Esparteiro Araújo

Cultura Entrevista

É conhecida pelos seus tons melódicos, sobretudo de raiz angolana, mas Aline Frazão é muito mais do que a sua voz. Nascida em Luanda, além de cantora, produtora e compositora, escreve regularmente para um jornal angolano, tem sido um dos nomes jovens ligados à defesa dos direitos humanos e da liberdade em Angola e mostra-se muito crítica do governo de José Eduardo dos Santos.

Numa entrevista exclusiva ao Notícias ao Minuto, horas antes de entrar no palco lisboeta do Tivoli, revelou que a música já está presente na sua vida “desde criança”, mas não escondeu uma paixão acesa pelas restantes artes, como o “cinema ou a literatura”. Com três álbuns já lançados, sendo o mais recente ‘Insular’, gravado numa ilha, a cantora continuará em tour até novembro, ao mesmo tempo que consegue tocar em todos aqueles que a ouvem.

Como é que começou tudo? De onde nasceu este sonho pela música?

Comecei a cantar muita nova, em criança. Fazia participações em festas da escola. Ouvíamos muita música em casa também e isso foi formando os meus gostos musicais. Entre essas pequenas apresentações em Luanda, comecei a aprender a tocar guitarra entre amigos e já escrevia diários e poemas – coisas típicas de adolescentes. Depois juntei as duas coisas e fui fazendo as minhas primeiras canções. Mas, profissionalmente, foi em 2010. Um ano importante, de viragem com a participação num festival dedicado à musica lusófona. Foi isso que me fez no ano seguinte gravar o meu primeiro disco e começar assim uma carreira mais séria.

Como explicaria, a quem ainda não conhece o seu trabalho, aquilo que reflete a sua música?

Não sei se sou a melhor pessoa para explicar isso [risos]. São canções escritas por mim, são canções onde a palavra tem um peso importante, onde existe a influência de músicas de vários lugares, desde a angolana à brasileira. É um mundo difícil de catalogar.

O que diferencia cada um dos três álbuns? Noto que no terceiro há uma viragem, que rompe com os anteriores.

É verdade. O ‘Insular’ acabou por ser um disco de viragem, pela introdução dos novos elementos musicais que não havia nos anteriores. Nomeadamente o rock, com as guitarras elétricas, e o facto de também ter sido gravado numa ilha escocesa com músicos britânicos. Todos os músicos foram lá para gravar o disco. Todo o álbum foi uma busca de um ponto de encontro entre todos nós. E acho que isso foi conseguido. É realmente um álbum diferente de todos os outros, apesar de preservar uma espécie de cordão umbilical. Desde a primeira música que as pessoas notam a diferença.

Há letras que parecem realçar a força da mulher...

Acho que sim. Não só pelo facto de ser uma mulher a escrever, que é logo um ponto de vista diferente da maior parte das canções que ouvimos na rádio, mas também porque algumas podem refletir ideias políticas ou preocupações sociais, um tipo de canção mais política  que também está ligado ao feminismo. Tento passar esse tipo de mensagem em algumas canções, mas tudo de uma maneira muito poética. Não é um discurso tão direto. Se tivesse de falar sobre os assuntos seria de uma forma muito mais direta do que o que faço nas canções.

São vários os artistas com quem já colaborou, entre eles a portuguesa Capicua. Quais os artistas nacionais e internacionais com quem gostaria muito de trabalhar?

É tão difícil, porque são tantos e tão bons. Nacionais... Sérgio Godinho. O Zambujo felizmente já tive a oportunidade de cantar com ele e, por isso, já é um sonho realizado. Outro, a Paula Oliveira, uma cantora de jazz portuguesa que eu adoro. Lá fora escolho o Jose James e a Mayra Andrade.

Alguma vez pensou em enveredar por algum projeto multidisciplinar, que cruzasse a música com outras artes, como o cinema?

Sim, já pensei nisso e gostava de ter algum tempo para desenvolver mais esse tipo de projetos. Talvez até mais ligado à literatura... Desenvolver a parte da escrita. Mas, por enquanto, com os discos, é mais complicado. Não consigo desdobrar-me em tantos projetos. No próximo ano vou ter mais tempo e pode ser uma oportunidade para qualquer coisa. Eu gosto muito de cinema e seria bom encontrar uma oportunidade para desenvolver música para cinema ou até mesmo escrita para cinema. Fiz um curso de guionismo e também gosto muito disso. Acho muito interessante esse cruzamento de linguagens. E se me surgissem essas propostas, aceitaria.

Atualmente escreve para um jornal angolano. O que a levou a abandonar o jornalismo?

Quando entrei para a faculdade era para ser jornalista. Mas depois ao longo do curso fui-me direcionando mais para o audiovisual. O que me fez mesmo abandonar, foi a música. Mas entretanto acho que aplico muitos dos conhecimentos que aprendi. Hoje em dia um cantor tem de saber muitas coisas e estar envolvido em vários projetos diferentes, desde a produção dos concertos até à parte das entrevistas, o site, as redes sociais, tudo. Há uma data de conhecimentos que é preciso ter para conseguir mover a carreira. Acabou por ser uma mais valia para mim.

Assume-se como uma clara defensora dos direitos humanos. Sendo natural de Angola, como olha para a situação que o país está a viver? Nomeadamente, em relação aos ativistas que estiveram presos.

O ano passado foi um tema presente. Acompanhámos tudo com atenção, mas obviamente que Angola é um país que precisa de muita dedicação dos seus cidadãos para se conseguir exigir mais liberdade e mais direitos que estão consagrados na Constituição, mas que depois na prática não são concretizados e muitas vezes atropelam-se de forma bastante desrespeituosa. É um trabalho que está nas nossas mãos. Continuar a pressionar os governos e tentar construir um debate plural e participativo, com direito a diferentes opiniões e onde as liberdades e os direitos fundamentais estejam assegurados. Onde os cidadãos tenham voz e não um governo que os anule. O futuro de Angola passa por isso. Por haver mais diálogo com as pessoas e pela diferença de opinião, porque nunca vamos pensar todos da mesma maneira. Isso seria terrível. Tem de haver espaço para isso e temos de o tentar conquistar através das manifestações pacíficas e da participação.

Se pudesse mudar alguma coisa de imediato na sociedade angolana, o que mudaria?

Obviamente que seria a grande assimetria que existe. A distribuição da riqueza é muito precária. Há gente muito rica e gente muito pobre. Se eu pudesse mudar alguma coisa assim do dia para noite, o que seria uma quimera, seria as condições de vida básicas das pessoas. A habitação, saúde, alimentação, educação. O mais básico. Essa é a grande prioridade do país e é nisto que o governo deveria estar a apostar.

Numa entrevista que deu há algum tempo, afirmou "que não existe a lusofonia". O que quis dizer com isso?

A nível institucional, este projeto da CPLP está muito longe de se concretizar. Continua a haver uma disputa entre o Brasil e Portugal, sendo que este último país é um bocado como o país originário da língua, quando na verdade a língua vem da Galiza e do norte de Portugal e a Galiza nem é chamada para o negócio da lusofonia. Sem a Galiza não faz sentido. Por outro lado, acho que só vai funcionar quando houver um real conhecimento das nossas culturas, das nossas diferenças e do nosso passado histórico que não tem só episódios bonitos. Na verdade, é caracterizado por episódios não bonitos, ligados à colonização e às guerras e tudo isto tem de ser trazido para cima da mesa. Muitas vezes sinto que há coisas do passado, que é um passado recente, que não estão bem resolvidas, como questões entre Portugal e os países africanos de língua portuguesa. E tudo isto tem consequências nos dias de hoje, nas pessoas, nas questões de racismo, nos desentendimentos culturais. É preciso haver mais diálogo e ter uma palavra a dizer neste projeto. Para mim, enquanto for assim, não me seduz. Claro, sem tirar o peso dos laços afetivos que existem, assim como os culturais. Mas queremos mais.

Se tivesse de escolher um álbum de música preferido, qual seria?

Ui! Posso dizer um recente, deste ano, que se chama ‘A Mulher do Fim do Mundo’. É de uma cantora brasileira chamada Elza Soares.

E se tivesse de escolher uma música sua, de todos os seus álbuns, qual aquela pela qual tem um carinho mais especial?

Isso também é muito difícil! Se tivesse de dizer a alguém para ouvir uma música minha, talvez dissesse o ‘Tanto’, do segundo álbum. 

O que é que os portugueses podem esperar destes seus concertos?

Foram feitos com muito trabalho, muita dedicação, todos os detalhes foram pensados. Acho que foram os concertos que mais exigiram de mim nesse sentido e eu só espero estar à altura. O mais importante e que também disse aos músicos, é que se divirtam e que consigamos tocar nas pessoas que estão na sala de alguma maneira. Dar algum tipo de emoção. Proporcionar um ambiente especial para todos. Gostamos muito do que fazemos e esperamos que as pessoas também gostem. 

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