'Contrafação', uma edição de autor que chega hoje em versão digital e CD, é o resultado de um "processo de simplificação em curso" de disco para disco, disse Luís Varatojo à Lusa, recorrendo a uma expressão conhecida (Processo Revolucionário em Curso), "mas neste caso adulterada".
O álbum hoje editado é o terceiro do projeto Luta Livre e o primeiro "mesmo a solo", em que Luís Varatojo toca guitarra acústica e sintetizadores e a sua voz é a única que se ouve.
O músico recordou que no primeiro álbum, 'Técnicas de Combate' (2021), experimentou várias coisas, "sobretudo na área da samplagem, samplando discos de jazz".
"E as músicas foram sendo construídas assim aos bocados. Cada uma é muito diferente das outras, porque resultaram desses sons que fui gravando, que fui captando. E acabei por convidar uma série de pessoas para darem voz a alguns dos temas, por isso chamei-lhe 'Técnicas de combate', porque há ali várias técnicas diferentes de abordagem", contou.
No segundo, "Defesa Pessoal" (2023), pegou na guitarra elétrica, mais ligada ao seu histórico enquanto músico, convidou instrumentistas -- percussionistas, um acordeonista -- e o coro Gospel Collective. "Fizemos arranjos escritos para uma série de músicas. E já houve alguma simplificação e uma diferença em relação ao outro disco", afirmou.
Os três álbuns "têm esse percurso em comum". "Começam complicados e depois a tendência é chegar ao final mais simples. Esse é o objetivo sempre, porque menos é mais e a simplicidade acaba sempre por sintetizar melhor as ideias e permitir uma melhor comunicação".
Além de ter havido em cada um dos álbuns o mesmo processo de simplificação, Luís Varatojo considera que o mesmo acontece na passagem de uns para os outros.
"[Em 'Contrafação'] cheguei a um disco muito mais simples e com muito menos arranjos, com menos instrumentos, e em que gostei do resultado. Podia ter posto guitarras portuguesas, que também toco, coros, outros instrumentos, porque há músicas que até eventualmente pedem isso, mas depois achei que devia mantê-lo cru como ele surgiu".
O resultado são três álbuns "bastante diferentes, precisamente porque foram processos de composição diferentes, bastante diferentes".
A decisão de fazer um álbum inteiramente com guitarra acústica, à qual juntou alguns sintetizadores, surgiu naturalmente na sequência de dois concertos que fez a convite do Festival Política, em Lisboa e em Coimbra.
"O festival não tinha nem palco nem verba para a banda completa, e desafiaram-me a fazer um 'set' mais acústico. Acabei por pegar nas músicas dos outros discos e fiz uma série de arranjos com guitarra acústica e sintetizadores. Como gostei do resultado, quando comecei a pegar no que tinha escrito para começar a fazer música, peguei na guitarra acústica e comecei a construi-las assim", contou.
Luís Varatojo partilhou que até já tinha começado duas canções no mesmo formato do álbum anterior, mas depois dos concertos no festival, acabou por apagá-las, e revertê-las para o formato final de "Contrafação", mantendo as letras.
"As coisas funcionam assim, vão acontecendo. O que interessa é que quando me sento ou começo a trabalhar encontre alguma sonoridade que me faça avançar, que me dê gozo, que me dê prazer. Por isso não gosto de fazer dois discos iguais".
No novo álbum, composto por dez canções, Luís Varatojo canta mais sobre "comportamentos, do que questões se calhar mais diretas como no disco anterior", no qual canta, por exemplo, que "os preços aumentam e ninguém aguenta", ou que "o trabalhador é explorado", e "da ideia nova, que já não é nova, de que toda a gente pode subir no elevador social".
De letras com temas "muito mais ligados à política pura e dura", Luís Varatojo passou para outras escritas a partir do que vai observando na rua, nos contactos com os outros.
"Este disco tem mais que ver com comportamentos, com aquilo que nós somos, e com Portugal. Com o que já fomos e com o que somos neste momento. Obviamente são histórias com as quais contactei, tem que ver comigo, mas acaba por ter que ver com todos nós. É uma visão, é um retrato, uma 'Polaroid' daquilo que eu observo", disse.
Essa visão ganhou 'vida' graças a um apoio da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), sem o qual teria sido mais complicado "Contrafação" ser editado.
"Gravar seria possível, eu tenho um pequeno estúdio, mas tudo o resto era mais difícil - mistura, masterização, grafismo, alguma promoção. O apoio da SPA é muito importante, e permite que eu e outras pessoas continuemos a trabalhar e a pôr o trabalho no mercado", afirmou.
Desta vez, além do formato digital, o álbum do projeto Luta Livre chega apenas em CD e a razão é simples: "A moda do vinil fez com que o preço dos vinis inflacionasse brutalmente".
"Neste momento o preço de um vinil não é popular, por isso decidi não alinhar nessa ideia. Não acho que seja popular e a música é popular", afirmou.
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