No seu discurso, Marcelo Rebelo de Sousa considerou o homenageado como "um dos encenadores decisivos do Portugal democrático", despedindo-se a lançar-lhe o repto de se manter em funções mais uma década, argumentando que "faz falta querer mais. No mundo tal como está agora, faz falta querer mais".
A cerimónia oficial, no âmbito do programa 'RP 80', incluiu a reposição das peças emblemáticas de Ricardo Pais 'Turismo Infinito' e 'al mada nada', espetáculos que o criador considera representar "uma homenagem pré-póstuma" que lhe dá "alguma alegria", por traduzirem o melhor da sua criação.
Considerando o antigo encenador "um exemplo de liberdade" e reforçando "é um exemplo com toques geniais de liberdade", o chefe de Estado considerou que Ricardo Pais está "para durar" e que "a homenagem aos 80 anos peca talvez por excesso", brincou.
Na sua intervenção, a ministra da Cultura, Juventude e Desporto elogiou a decisão de atribuir o nome de Ricardo Pais à principal sala do teatro, considerando-o "um gesto simples, mas de profundo significado".
Sobre o encenador destacou o seu "olhar singular" durante "mais de cinco décadas", terminando a saudar o Teatro Nacional São João pela decisão, considerando que ao fazê-lo "não perdeu a sua identidade".
Em declarações aos jornalistas no final da cerimónia, Ricardo Pais agradeceu o desafio do Presidente da República, mas recusou, assegurando que isso "não está, sequer, em questão".
"Tenho imenso que fazer, muita coisa para fazer. Não vou fazer nada propriamente público, mas no privado há imensa coisa que se pode fazer, não é?", respondeu o antigo encenador.
Natural de Leiria, onde nasceu em 1945, Ricardo Pais é um dos mais influentes encenadores portugueses do pós-25 de Abril.
Formou-se como encenador no Drama Centre, em Londres, regressando a Portugal nos anos 1970, período em que se afirmou como um dos nomes centrais da renovação estética e institucional do teatro português.
Ao longo de mais de cinco décadas de atividade, assinou encenações que cruzam literatura, música e performance, explorando uma linguagem teatral que alia rigor formal e inquietação poética.
Encenou grandes clássicos da dramaturgia universal, entre os quais a peça de Molière 'D. João' (2006), criou 'Turismo Infinito' (2007), a partir de Fernando Pessoa, e 'al mada nada' (2014), um diálogo teatral com o universo de Almada Negreiros, todos no TNSJ.
'Ninguém - Frei Luís de Sousa', a partir de Garrett, 'O Despertar da Primavera', de Frank Wedekind, 'Fausto, Fernando, Fragmentos', sobre Pessoa, 'Minetti', de Thomas Bernhard, 'A Mandrágora', de Maquiavel, 'Clamor', de Luísa Costa Gomes, a partir de sermões de Padre António Vieira, estão entre as peças que marcam a sua carreira e o teatro em Portugal.
Num percurso que conta com autores como William Shakespeare, Arthur Schnitzler, Federico García Lorca, Eugene O'Neill, Joe Orton, Alfred Jarry, Rainer Werner Fassbinder, há também 'A tragicomédia de Dom Duardos', de Gil Vicente, 'A Salvação de Veneza', de Thomas Otway, 'As Lições', conjugando Eugene Ionesco, Georges Feydeau, Ramalho Ortigão, Ernesto Sampaio, e 'Madame', de Maria Velho da Costa.
Em 'Teatro de enormidades apenas críveis à luz eléctrica', que concebeu, trabalhou com Olga Roriz, e em 'Sondai-me, Sondheim - Musical inzignificantia', que pôs em cena no TNSJ, no Porto, e no Teatro Nacional D. Maria II (TNDM), em Lisboa, também recuperou o seu lado de ator - o mesmo que o tinha levado ao cinema de Manoel de Oliveira ('Amor de Perdição'), Luís Galvão Teles ('A Confederação') e António-Pedro Vasconcelos ('O Lugar do Morto'), e a recriar o presidente do governo deposto, Marcello Caetano, em 'Capitães de Abril', de Maria de Medeiros.
Ricardo Pais assumiu, por duas vezes, a liderança do TNSJ, depois de já ter dirigido o TNDM (1989-1990): primeiro entre 1996 e 2000, e, depois, de 2002 a 2009, período em que concebeu a estrutura e o ideário que reinventaram o modelo de teatro nacional.
Sob a sua direção, o TNSJ promoveu um repertório de autores portugueses e estrangeiros, modernizou a sua estrutura e reforçou o papel do teatro público na vida cultural da cidade do Porto.
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