Numa conversa com jornalistas, enquanto no interior do teatro o seu nome era afixado na sala principal, Ricardo Pais confessou-se "comovido" com a distinção, que encara com humor.
"Devia ter umas bananas e uma Carmen Miranda ao lado, vai ter um ar de Las Vegas terrível", ironizou o encenador, acrescentando que "ninguém pode desejar melhor do que ter o seu nome numa sala" de teatro.
A cerimónia oficial realiza-se em 16 de outubro, no âmbito do programa "RP 80", que também inclui a reposição das suas peças emblemáticas "Turismo Infinito" e "al mada nada", espetáculos que o criador considera representar "uma homenagem pré-póstuma" que lhe dá "alguma alegria", por traduzirem o melhor da sua criação.
"Há espetáculos que não morrem", afirmou, realçando a longevidade de "Turismo Infinito", obra criada há 18 anos e apresentada com êxito em Portugal, França, Alemanha e Brasil.
"Há espetadores que já viram 'Turismo Infinito' quatro vezes e vão vê-lo pela quinta", disse, considerando que os dois trabalhos são "uma boa amostra" do seu percurso.
"Se é que eu valho alguma coisa no meio desta coisa toda, que já começo a duvidar", comentou com ironia.
Sobre "Turismo Infinito" disse tratar-se de "uma das coisas mais depuradas" que fez, síntese da sua forma de ligar "histórias pelos sentidos".
Já "al mada nada", inspirado num conto de Almada Negreiros, é para Ricardo Pais "cheio de vitalidade histriónica", revelando uma "catarse" perante a memória das guerras.
O encenador salientou que a escolha das obras teve razões práticas, já que "não havia tempo para ensaiar nada novo", e elogiou o "esforço muito grande da administração" do TNSJ.
"São espetáculos que toda a gente adora ver e tem pena de não poder rever", afirmou.
Questionado sobre a atual cultura teatral, Ricardo Pais confessou não ser "muito otimista" por não ter uma visão clara, mas espera que o futuro do teatro se centre na sua especificidade, defendendo que a arte dramática deve ser pensada pelo que a distingue.
O programa "RP 80" decorre entre 16 e 19 de outubro, com várias atividades que incluem, além das reposições, o lançamento do livro "Despesas de Representação -- Ditos e Escritos (1975-2025)", uma reflexão sobre meio século da sua carreira.
O ponto alto do programa ocorre a 16 de outubro, com uma sessão solene às 18:00, altura em que a sala principal do TNSJ passa oficialmente a chamar-se Sala Ricardo Pais.
Este momento é seguido da reposição de dois dos seus espetáculos mais emblemáticos - "Turismo Infinito", às 19:00, e "al mada nada", às 21:30.
O TNSJ sublinha que o programa "RP 80" "excede a lógica da homenagem ou da celebração pessoal", funcionando antes como "um exercício de atenção" a uma das figuras centrais do teatro português contemporâneo e à sua permanente reinvenção da memória, da arte e da cena.
Natural de Leiria, onde nasceu em 1945, Ricardo Pais é um dos mais influentes encenadores portugueses do pós-25 de Abril.
Formou-se como encenador no Drama Centre, em Londres, regressando a Portugal nos anos 1970, período em que se afirmou como um dos nomes centrais da renovação estética e institucional do teatro português.
Ao longo de mais de cinco décadas de atividade, assinou encenações que cruzam literatura, música e performance, explorando uma linguagem teatral que alia rigor formal e inquietação poética.
Encenou grandes clássicos da dramaturgia universal, entre os quais a peça de Molière "D. João" (2006), criou "Turismo Infinito" (2007), a partir de Fernando Pessoa, e "al mada nada" (2014), um diálogo teatral com o universo de Almada Negreiros, todos no TNSJ.
"Ninguém -- Frei Luís de Sousa", a partir de Garrett, "O Despertar da Primavera", de Frank Wedekind, "Fausto, Fernando, Fragmentos", sobre Pessoa, "Minetti", de Thomas Bernhard, "A Mandrágora", de Maquiavel, "Clamor", de Luísa Costa Gomes, a partir de sermões de Padre António Vieira, estão entre as peças que marcam a sua carreira e o teatro em Portugal.
Num percurso que conta com autores como William Shakespeare, Arthur Schnitzler, Federico García Lorca, Eugene O'Neill, Joe Orton, Alfred Jarry, Rainer Werner Fassbinder, há também "A tragicomédia de Dom Duardos", de Gil Vicente, "A Salvação de Veneza", de Thomas Otway, "As Lições", conjugando Eugene Ionesco, Georges Feydeau, Ramalho Ortigão, Ernesto Sampaio, e "Madame", de Maria Velho da Costa.
Em "Teatro de enormidades apenas críveis à luz eléctrica", que concebeu, trabalhou com Olga Roriz, e em "Sondai-me, Sondheim - Musical inzignificantia", que pôs em cena no TNSJ, no Porto, e no Teatro Nacional D. Maria II (TNDM), em Lisboa, também recuperou o seu lado de ator - o mesmo que o tinha levado ao cinema de Manoel de Oliveira ("Amor de Perdição"), Luís Galvão Teles ("A Confederação") e António-Pedro Vasconcelos ("O Lugar do Morto"), e a recriar o presidente do governo deposto, Marcello Caetano, em "Capitães de Abril", de Maria de Medeiros.
Ricardo Pais assumiu, por duas vezes, a liderança do TNSJ, depois de já ter dirigido o TNDM (1989-1990): primeiro entre 1996 e 2000, e, depois, de 2002 a 2009, período em que concebeu a estrutura e o ideário que reinventaram o modelo de teatro nacional.
Sob a sua direção, o TNSJ promoveu um repertório de autores portugueses e estrangeiros, modernizou a sua estrutura e reforçou o papel do teatro público na vida cultural da cidade do Porto.
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