Ao partir deste clássico do dramaturgo russo, 'Só mais uma gaivota' torna-se a primeira peça "de repertório" da companhia fundada por Inês Barahona e Miguel Fragata, que a encena e interpreta, como disse à imprensa Inês Barahona.
Num cenário próprio de um Museu de História Natural, onde pontificam 13 gaivotas embalsamadas, tantas quantas as personagens da peça do escritor russo, Miguel Fragata interpreta o texto que escreveu com Inês Barahona, no qual faz um retrato da sua geração enquanto finalista do curso de teatro, no Porto, há 20 anos, cerzindo elementos do percurso seguido por cada um deles, num diálogo constante com o texto original do dramaturgo russo e as suas 13 personagens.
Realizado a partir de uma pesquisa e de entrevistas que deram origem a objetos artísticos paralelos, leva Miguel Fragata a palco com o mesmo texto que a turma de 2005, da qual fazia parte, fez o exercício final de curso na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo (ESMAE), no Porto.
Em 'Só mais uma gaivota', são exploradas as expectativas que aqueles alunos tinham há vinte anos face ao futuro e à realidade atual, descreveu.
"No momento em que me confrontei com esta peça, eu e os meus colegas, há 20 anos, foi, de facto, muito transformadora", acrescentou à imprensa Miguel Fragata, no final de um ensaio ainda realizado sem toda a cenografia nem figurino.
Nessa altura, acrescentou, o ator ficou "com a sensação de que, afinal, havia uma possibilidade de o teatro dialogar diretamente com a vida", em particular com a vida daqueles jovens de 20 anos.
Fazer 'A gaivota', de Tchekhov, "naquele momento -- fim de curso, final da escola e em confronto com o futuro" foi "muito particular, porque havia ecos muito evidentes", acrescentou o autor e intérprete.
Como ao longo de 20 anos, o texto de Tchekhov se "tornou sempre uma grande referência, uma peça de grande amor também", um texto que também o foi "acompanhando enquanto espectador", Miguel Fragata decidiu voltar a ele, até porque "tinha mesmo decidido fazê-lo este ano", sublinhou.
A peça que aparecerá no palco do Pequeno Auditório do CCB só surgiu quando começaram a pensar "sobre que ângulo" fariam o texto de Tchekhov.
"De repente, tornou-se de facto muito mais premente e importante ir revisitar este momento [inicial], a relação pessoal com o texto e pensar em mergulhar no clássico 'A gaivota' agora num futuro próximo", afirmou.
O 'mergulho' começou precisamente por aproveitarem "o facto de se estarem a perfazer 20 anos", desde que Miguel Fragata e os colegas de 2005 terminaram o curso. E também pelo sentido encontrado nessa relação com os dias de hoje, argumentou.
Pensar de que forma esta geração "é um espelho da história do mundo e da história recente do mundo", sendo também das "mais impactadas pelas grandes e áridas mudanças" ocorridas, entre crises, guerras e até desmembramento de países, foi a forma encontrada para saberem, "de uma forma muito particular, "o que eram os sonhos desta geração em relação ao seu futuro".
A peça a ver no CCB resulta também de "um périplo de encontros e entrevistas" com os 13 finalistas do curso, permitindo o retrato do percurso de cada um, o que para Miguel Fragata "é muito importante de ver".
"Por um lado, de que forma mais ou menos irónica, às vezes, ou de que forma absolutamente inesperada, se cruzam os destinos imaginados por cada um com aquilo que realmente se passou ao longo destes 20 anos". Por outro, "ver esta amostra de pessoas e aquilo que elas fazem profissionalmente, pessoalmente, a maneira como as vidas se foram desenrolando. É assim uma espécie de amostra da diversidade da espécie humana do presente", sustentou.
Atualmente os então finalistas do curso da ESMAE têm atividades profissionais que vão do turismo, ao setor imobiliário, e há também "trabalhadores em constante mudança de percurso", disse Miguel Fragata.
Desse grupo, só Fragata e mais duas pessoas são profissionais de teatro.
"É nesse encontro e desencontro entre os sonhos de há vinte anos e a realidade, que de facto se têm jogado estes 20 anos e se joga a peça", e sem que haja "propriamente uma dimensão melancólica em relação a isso".
Fragata admite que haja um caso ou outro em que havia uma grande expectativa e uma grande certeza de que o futuro profissional passaria pelo teatro. Mas há "também um certo apaziguamento" por tal não ter acontecido - um apaziguamento, "se calhar, próprio dos 40 anos [com que os então finalistas estão agora], sobre aquilo que foi e o que [desde então] aconteceu".
O espetáculo tem ainda, entre os 'objetos paralelos', uma exposição - 'Diverse Laridae' -, que resultou de um convite a cinco jovens artistas visuais para mergulharem conjuntamente com os autores da peça no original de Tchekhov, pondo-o em diálogo com o mundo atual.
A exposição é inaugurada no dia da estreia, 18 de setembro, no Foyer e corredores dos pisos 0 e 1 do Pequeno Auditório, e estará aberta ao público sempre que houver espetáculo, uma hora antes das récitas.
O outro objeto é o documentário 'Gaivotas em terra', composto pelo conjunto de entrevistas filmadas aos atores que participaram no elenco da produção final daquele curso da ESMAE, em 2005, a exibir no dia 27, pelas 17:00, no CCB.
No final de 2026, a versão francesa do espetáculo, 'Encore une mouette', estrear-se-á no Théâtre du Point du Jour, em Lyon, em data ainda por definir, acrescentou.
Com texto de Inês Barahona e Miguel Fragata, que encena e interpreta, "Só mais uma gaivota" tem excertos da dramaturgia original na tradução de Fiama Hasse Pais Brandão.
O espetáculo tem figurinos de José António Tenente, cenografia de Fernando Ribeiro e música de Hélder Gonçalves.
No desenho de luz e de som estão Rui Monteiro e Nelson Gonçalves, respetivamente.
A peça tem récitas nos dias 19, 25 e 26, às 20:00, nos dias 20 e 27, às 19:00, e nos dias 21 e 28, às 17:00.
As sessões de dias 19, 21, 25 e 27 têm interpretação em Língua Gestual Portuguesa.
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