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'A Gaivota' é a história de uma mulher que nasce duas vezes

'A Gaivota', nova peça da Companhia João Garcia Miguel, é "a história de uma mulher que nasce duas vezes", cruzando o texto original de Tchekhov com um caso verídico de mudança de género, e estreia-se em Lisboa, no sábado.

'A Gaivota' é a história de uma mulher que nasce duas vezes
Notícias ao Minuto

19:32 - 17/06/21 por Lusa

Cultura Teatro

Baseada no texto de Anton Tchekhov 'A Gaivota', este espetáculo aborda questões como a transexualidade, expressão, corpo, interioridade e, principalmente, o problema da procura de uma identidade.

"Se tivesse de reduzir a uma única frase, é a história de uma mulher que nasce duas vezes", disse à Lusa João Garcia Miguel.

Inicialmente, o encenador pensou em trabalhar sobre o texto de Tchekhov, mas o trabalho que faz é sempre uma reescrita, seja a partir de um romance, poemas ou textos teatrais.

"Tinha essa intenção de pegar no texto. Há uma parte que gosto bastante que é o conflito de Treplev [personagem principal de "A Gaivota"] com a mãe e com o facto de ele querer ser artista e de isso se tornar uma espécie de obsessão".

Aconteceu também que João Garcia Miguel foi contactado por um aluno de mestrado que lhe pediu para o acompanhar no processo de mudança de sexo, o que aceitou e, na altura, pediu-lhe para ir escrevendo uma espécie de diário, "alguns dos medos que achava que fossem importantes, significativos, tanto a ver com as suas angústias, como as novas perspetivas que ia encontrando neste processo".

"A certa altura intuí que seria possível cruzar a mudança, de nascimento de uma segunda vez em vida, e a narrativa da vida de Treplev (que no fundo pretende ter também uma outra vida), fazer esse cruzamento e escrever um texto que é baseado nesta experiência de um caso real, de uma pessoa que é um artista, mas que quis mudar de género e tem uma série de questões sociais, de difícil integração, como é natural numa situação destas", contou.

Para desenvolver a ideia, o encenador fez entrevistas à família do jovem e ao próprio, e com o material todo, acabou por construir um texto que é alegórico, uma metáfora dos "tempos difíceis para a nova geração que desponta para encontrar o seu lugar no mundo e as dificuldades de relação com o corpo, com a família, com o social, com os sonhos que se vão demonstrando e com que se vão confrontando".

"A parti daí, construí uma peça - quis manter o mesmo nome - que é entrelaçada entre o texto de 'A Gaivota' e a morte da gaivota, e uma certa dimensão simbólica, o processo de vida de Águeda Plácido [como agora se chama] e o Treplev do texto de Tchekhov. Há um entrançado de narrativas e de problemáticas que me ajudaram a construir a peça, e que acho que é uma peça que toca as pessoas, mais ainda do que se fosse só um texto clássico, porque é uma peça que fala de uma coisa muito próxima com que estamos a ser confrontados, postos face a face, com muitos dos nossos jovens quererem mudar de género e terem problemas de identidade", considerou.

É, pois, um "problema da procura de uma identidade" que subjaz a estas duas personagens -- a real, Águeda, e a ficcional, Treplev -, "da não satisfação, não aceitação da identidade que lhe está reservada ou a ser imposta por uma questão social, familiar, subjetiva, com a própria dimensão do ego de cada um, a expectativa que cada um tem para si e a relação consigo e com o seu corpo, a sua identidade, o que lhe foi reservado pela natureza e pelo nascimento".

Resumindo a história, João Garcia Miguel diz que é "como se fosse um raio-X da anatomia de um processo", no sentido em que se propõe um trabalho com mais outras três atrizes e a própria Águeda em palco a partilharem momentos: "é quase uma historia de um nascimento, com momentos biográficos e momentos ficcionais, é como se biografia e ficção se misturassem entre história verdadeira e história da peça, e de alguma maneira fossemos vivendo um pouco no lugar do outro, desta pessoa que precisa de nascer outra vez".

"É uma alegoria entre criação artística, a vida de 4 mulheres, a vida de Treplev e a vida de Águeda, do nascimento tradicional a um novo nascimento provocado por um desejo de se recriar. São dois nascimentos".

'A Gaivota' foi feita em coprodução com o Teatro das Figuras, com atrizes todas elas do Algarve, explicou João Garcia Miguel, sublinhando que esta foi uma das condições que impuseram, porque o trabalho foi feito todo no Algarve.

"Essa relação foi muito importante, permitiu trabalhar com um contexto diferente, com artistas a viver fora dos grandes centros, que têm muita qualidade e expectativa de carreira, e este é um bom trabalho que o Teatro das Figuras está a fazer, para criar uma rede de trabalho para os artistas no Algarve e, neste caso em particular, em Faro".

Para dar vida às personagens da obra, estão em palco Águeda Plácido, Sofia Brito, Beatriz Gonçalves e Adriana Xavier.

A peça esteve em exibição no Teatro das Figuras, nos dias 5 e 6 de junho, e sobe ao palco do Teatro Ibérico, em Lisboa, no dia 19, mantendo-se em cena até dia 20 e, depois, entre 22 e 27 de junho.

Antes disso, passa por Torres Novas, na próxima sexta-feira, dia 18, para uma apresentação no Teatro Virgínia.

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