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Mastiksoul: Há um nome e uma história por trás do homem da 'Gasosa'

Fernando Figueira. Provavelmente não sabe de quem estamos a falar, mas e se dissermos Mastiksoul? São muitos os que associam este nome a um artista internacional, mas a verdade é que Mastiksoul é português e uma referência no mundo da música eletrónica. Conheça a história por trás do DJ e produtor musical.

Mastiksoul: Há um nome e uma história por trás do homem da 'Gasosa'
Notícias ao Minuto

09:40 - 03/04/20 por Catarina Carvalho Ferreira

Cultura Mastiksoul

Foi o Breakdance que o despertou para aquela que viria a tornar-se a sua grande paixão: a música. Esteve na primeira rave feita em Portugal e aí nasceu o 'bichinho'. Anos depois resolveu deixar tudo para trás para procurar em Inglaterra ferramentas que o viriam a tornar uma referência no mundo da música eletrónica.

O enorme sacrifício de estar longe da família deu-lhe a oportunidade de aprender com os melhores. No regresso a Portugal trouxe consigo uma bagagem repleta de aprendizagem e um nome artístico capaz de correr o mundo: Mastiksoul

Em entrevista ao Notícias ao Minuto damos-lhe a conhecer a história por detrás do DJ e produtor musical de hits como 'Gasosa', 'Tou na moda' e 'Dança do Bumbum'. 

A música é a tua grande paixão, de que forma é que ela entrou na tua vida?

Lembras-te quando foi a explosão do Breakdance nos anos 80? A minha cena começa aí. Os meus irmãos tinham um grupo de Breakdance, que até era um grupo bastante conhecido e fazia imensos espetáculos, e eu cheguei a fazer parte do grupo em miúdo. Comecei como dançarino de Breakdance. Claro que isso depois passou, mas a vontade de continuar na música não.

E os dotes de bailarino ainda duram até hoje?

Vou ser sincero, prefiro não me envergonhar, manter uma postura mais coesa, estar quieto e dedicar-me à musica. Embora digam que eu fui um grande dançarino... acredito que sim, mas foram outros tempos. Hoje não o faria, não me ia envergonhar [risos].

Depois dessa fase em que deste cartas como bailarino, como é que entras no mundo da música como DJ?

Tudo começou depois de ter ido pela primeira vez a uma rave, logo no início dos anos 90. Foi a primeira rave em Portugal, nunca tinha visto nada assim. Aquilo foi algo estrondoso para mim. Um miúdo vindo dos anos 80, onde não havia grande informação, e de repente estamos no meio de uma rave de techno a ouvir música eletrónica, com 40 mil watts de som, até ao meio dia, num pavilhão. Foi uma experiência única, hoje em dia pode parecer banal, mas naquela altura...

E foi daí que veio o 'bichinho'?

Aí o bicho nasceu. Aquilo foi uma emoção muito forte, não foi fácil viver aquilo.

Pensaste logo: É isto que eu quero fazer o resto da vida?

Não, não. Aliás, eu quando sai dali jurei nunca mais ouvir música eletrónica. Nunca tinha ouvido 'boom, boom, boom' durante tanto tempo. Confesso que saí dali e disse: nunca mais me meto nisto. Ao fim de três dias já sentia saudades, foi um bocado estanho, mas depois quis fazer parte daquilo e não voltei atrás. Mas é fácil perceber, eu vinha da dança...

Além de DJ, quiseste ser produtor. Tinhas esse objetivo desde o início da tua carreira?

Achei logo desde muito cedo que ser só DJ não era suficiente. Percebi logo que não podia ser, tive aquela necessidade de fazer a minha música. Se queria que as pessoas na China conhecessem a minha música, não era por ser apenas DJ que isso ia acontecer e iam ouvir falar de mim. A única forma de eu chegar à China era ser produtor e a música chegar lá por si só. Foi aí que eu decidi ir para Londres, porque é a capital da música, formar-me e começar a produzir. E foi aí que as coisas mudaram de figura. Depois comecei a fazer música, a lançar a minha própria música e as coisas cresceram naturalmente.

Todos te conhecem como Mastiksoul, mas o teu nome verdadeiro é Fernando Figueira...

É verdade, o meu nome é Fernando Figueira, tenho um nome bastante comum. Até há quem diga: fogo, mas onde é que este gajo foi buscar este nome… Mastiksoul é um nome tão internacional.

Considero-me músico, produtor e por último DJ. O ser DJ, no meu caso, é um bocado o fim da linhaE como é que surge esse nome artístico?

Estava a tirar um curso em Londres e os meus colegas eram israelitas, estavam em Inglaterra a estudar como eu. O que acontece é que eles tinham um estilo de música muito reto e eu tinha um estilo já muito africanizado, muito afro, com muitas batucadas, muito groove, latino, e eles gozavam-me imenso. Estavam-me sempre a gozar, até que um dia ouvi o nome Mastik ali pelo meio. Eles traduziram o que estavam a dizer em hebraico e explicaram que me estavam a chamar 'funky chewing-gum', que é pastilha elástica. E eu disse: epa, eu sou mesmo isso. Sou uma pastilha elástica muito funky. Iniciei apenas como Mastik, foi o meu primeiro disco. Mas depois achei o nome demasiado curto e sem imponência suficiente, então acrescentei o soul - que vem da alma.

Tal como disseste, os teus ritmos são muito africanizados. Acreditas que esses ritmos de que falas são uma forma de espelhares as tuas raízes na música que fazes? 

Em miúdo ouvi muito Bonga, acho que toda a gente ouviu, e aquele groove e aquela vibe transcendeu-me. Sem dúvida alguma que a minha infância foi muito ritmada, até porque venho de uma época em que o rock era muito predominante. Era a música mais forte e aquela que mais se consumia, mas não era uma coisa que me agradava. Não era algo com que me identificasse muito. As alternativas que tinha era ouvir Bonga e coisas do género. Isso eu adorava, amava aquilo. E sem dúvida alguma que essa influência em mim hoje nota-se perfeitamente, é marcante.

Se tivesses de te definir enquanto DJ produtor, como é que o farias?

Acima de tudo defino-me como músico. Considero-me músico, produtor e por último DJ. O ser DJ, no meu caso, é um bocado o fim da linha. Já estou um pouco distante depois de tanto trabalho. A minha vida como músico produtor já é tão extensa que acho que já nem sequer é justo, até para os DJ's.

 'Epa, ele não deve ser português', normalmente, quando a malta diz isto é porque tem qualidadeHá uma grande diferença entre a carreira de um DJ e a de um DJ que também trabalha como produtor?

Quando és produtor e fazes a tua própria música, quando vais tocar, tens um cunho musical completamente distinto porque tu fazes a tua própria música. Consegues que as pessoas se identifiquem mais com a tua música do que quando só tocas as músicas de outras pessoas. Não quer dizer que ser DJ é pior, não é isso que está em questão. É diferente. Como produtor consegues, musicalmente falando, ter uma identidade mais marcante quando vai tocar e isso permite que tenhas mais reconhecimento e mais fãs a seguir-te. As pessoas vão porque sabem que tu tens aquele género de música, mas não quer dizer que um DJ que não seja produtor seja mau, de todo.

Na altura em que inicias a tua carreira não havia ainda muitos DJ's produtores em Portugal.

E ainda não há muitos…

Tendo em conta esse facto e o de muitas vezes os artistas nacionais terem dificuldades em ser reconhecidos, foi fácil chegares ao público português?

Não foi fácil, até porque eu vim de fora. A minha capacidade como produtor era distinta entre os DJ's, já produzia há muito tempo, já tinha hits e músicas que rolavam a nível internacional. Não foi assim muito fácil. Mas por outro lado, o público em si creio que até me abraçou com alguma facilidade. A malta gosta muito do meu género de música, é algo mais latino, africano. Portugal é um país de músicas quentes. O público abraçou com alguma rapidez a minha música, talvez tenha é demorado algum tempo a associarem a música ao personagem. Isso é que demorou algum tempo, sim.

Eu trabalhava com os produtores da Kylie Minogue. Cheguei a Portugal e reparei que vinha de uma realidade diferente, vinha de uma escola diferenteAliás, até há algumas pessoas que ficam surpreendidas ao saber que és português. Há quem continue a acreditar que Mastiksoul é um músico internacional. 

Eu percebo isso e até considero um elogio. 'Epa, ele não deve ser português', normalmente, quando a malta diz isto é porque tem qualidade. É porque tem alguma qualidade internacional, por isso é que a malta não consegue logo à partida assumir que seja português. Até porque a minha escola em termos de música, como produtor, começou lá fora. Talvez se note também um pouco esse cunho nas minhas produções.

Há uma grande diferença na tua música pelo facto de teres estudado fora?

Muito grande, é uma diferença muito grande mesmo. Inglaterra é dos países do mundo onde estão provavelmente os melhores engenheiros, se não mesmo os melhores do mundo. Estive rodeado deles durante alguns anos e aprendi muita coisa. Notei uma diferença muito grande, principalmente quando cheguei a Portugal. Notei diferença naquilo que a malta fazia. Eu trabalhava com os produtores da Kylie Minogue. A malta com que me dava na altura, e com quem trabalhava também, alguns eram produtores das músicas do primeiro filme de 'Matrix'. Produzimos, por exemplo, Massive Attack. Estamos a falar de coisas de outra dimensão. Cheguei a Portugal e reparei que vinha de uma realidade diferente, vinha de uma escola diferente.

Passei Natais sozinho, sem ninguém... muitos aniversários sozinho. Não foi fácil.Ainda há pouco disseste que ainda não há muitos DJ's produtores a trabalhar em Portugal, porque é que achas que isso acontece?

Acho que é acima de tudo uma questão económica. Para se ter um bom estúdio ou até um estúdio mais ou menos requer algum dinheiro, não é fácil. Nos Países Baixos, por exemplo, o governo dá uma ajuda aos produtoes que inclui o pagamento dos estúdios. É incrível e o resultado está à vista, hoje em dia o top 10 de DJ's do mundo, pelo menos em termos financeiros, são holandeses. Isso depois tem uma repercussão económica bem grande e notória. O problema de Portugal passa por aí, é uma questão económica. A malta tem de perder muitas horas e algum dinheiro para ter um bom equipamento, isso não é fácil. Eu tive de emigrar para conseguir.

Tiveste no fundo de fazer um grande esforço para conseguires realizar este teu grande desejo?

Estive anos longe da minha mãe, da minha família. Passei Natais sozinho, sem ninguém... muitos aniversários sozinho. Não foi fácil, tive de fazer sacrifícios que muita gente, se calhar, não faria e não estaria preparada para fazer.

Olhando agora para o teu percurso, achas que compensou o esforço?

Acho. Aliás, voltaria a fazê-lo se tivesse possibilidade. Não me arrependo de nada, muito pelo contrário. Acho que não fiz o suficiente, podia ter ficado mais uns dois anos lá [risos].

Apesar de não existir uma grande cultura e DJ's produtores em Portugal, a verdade é que houve a certa altura em que estava na moda ser DJ.

Isso sim, sem dúvida. Lembro-me perfeitamente dessa altura. Ser DJ é que era bom, era top, e toda a gente era DJ. Pessoalmente, nessas coisas sou bastante tranquilo. Não sou nada critico e até acho saudável isso acontecer, quer dizer que o mercado estava com força. Havia muitas pessoas a criticar, mas eu não.

O que mudou no mundo da música electrónica, no teu género de música, deste que começaste até agora?

As coisas não mudam, as coisas amadurecem. Como tudo a vida, as coisas têm um ciclo. As pessoas querem ouvir algo e depois ao fim de um tempo querem ouvir uma evolução daquilo ou já não querem ouvir aquilo e procuram coisas bastantes diferentes. Não estranho isso, muito pelo contrário. Aliás, se não fosse assim é que não seria normal.

Estás agora a apostar no regresso de um projeto antigo, mas com novas atualizações, neste caso novas músicas. Para quem não conhece, como é que tu apresentarias o projeto 'Mastikbeats'?

Mastikbeats é um tipo de música muito própria minha, foi algo que cultivei ao longo dos anos como produtor e que me identificou a mim e à minha carreira. A malta ouvia uma música minha e eu nem precisava de estar na sala para saberem que era minha. Isso ajudou imenso a criar o meu nome e o meu estatuto como artista. Basicamente, criei o meu nome através dessa vibe, de um estilo de música muito próprio. Agora decidi voltar aos Mastikbeats mas com uma velocidade mais lenta.

São ritmos mais calmos, certo?

Exatamente, a malta estava habituada a Mastikbeats com muito mais velocidade… diria até alguma agressividade.

E porque essa transição para ritmos mais calmos?

Porque gosto. Acho que é importante, artisticamente falando, teres a possibilidade de fazeres o que gostas. Se sabes fazer e gostas, porque não? Eu gosto imenso e são artistas com quem adoro trabalhar, como o caso do Anselmo Ralph. Para mim fazer uma coisa dentro daquele género é quase uma obrigação, no fundo. E já devia ter feito, até jà vou atrasado, mas pronto nunca é tarde. A música não tem prazo.

Além do Anselmo Ralph, nestas músicas tu trabalhas com outros artistas e a verdade é que todos eles são muito distintos entre si.

Sim, é verdade. Mas neste caso são quase todos de uma onda mais calma. O Anselmo Ralph, a Josslyn, cantora de Kizombas românticas, o Stape é um artista novo, um luso venezuelano. No fundo, esta malta toda enquadrasse dentro deste género, se não eu também não conseguia trabalhar com eles. Era impossível.

Além destes artistas, já trabalhaste com muitos outros e todos de géneros musicais distintos. Achas que o estilo de música que fazes se adapta a qualquer artista?

Acho que sim... quer dizer, mais ou menos. Acho que Xutos e Pontapés não se ia adaptar no meu género de música, ia ser difícil. Qualquer artista não é bem assim, seria uma falácia dizer isso, mas acredito que num todo sim. A minha música é bastaste acessível. Aliás, já trabalhei com artistas que vão desde Shaggy, Pit Bull ou Mariza

Há alguma parceria que ainda não tenhas concretizado e que gostasses mesmo de fazer?

Muitas, o mundo tem muito artistas e há muitos com os quais eu gostaria de trabalhar. Talvez a Ana Moura, gostaria muito de trabalhar com ela.

Continuas a achar que é perfeitamente possível misturar fado com musica eletrónica?

Fiz isso com a Mariza, não é? Portanto, acho que não será muito difícil.

Vou lançar um livro, conto que o meu livro saia brevementeTendo em conta essa diversidade de artistas que admiras, qual a playlist de eleição do Fernando Figueira?

Gosto de ouvir R&B dos anos 90, aquela música sexy mas calma. O hip-hop dos anos 90, um Tupac, adoro muito o rock dos anos 80, música pop dos anos 80. Normalmente a minha playlist é essa. Mas também gosto muito de música africana, mornas…

Há uns anos dizias que não dormias muitas horas, não tiravas férias e trabalhavas quase 24 horas por dia. Continuas a viver desta forma?

Não porque neste momento sou pai, tenho filhos e não é possível. Não é humanamente possível fazer isso hoje em dia, embora eu tenha dias em que estou realmente mesmo muitas horas sem dormir.

Além das novas músicas que vais lançar em breve, há mais novidades para o futuro?

Tenho pelo menos mais dois temas assim deste género, Mastikbeats, que vou lançar para finalizar este capítulo, depois logo se vê como é que as coisas vão correr e se faço mais ou não. Vou também lançar um livro, conto que o meu livro saia brevemente.

Esse livro vai ser sobre o quê?

Conta muito sobre a minha história desde o início até agora. Tudo o que eu vivi e construí. Esse é um dos grandes projetos que tenho para este ano.

Enquanto artista, o que é que ainda te falta fazer?

A melhor música do mundo.

Estás a trabalhar para conseguir essa música?

Trabalho para ela todos os dias, o que acontece é que sempre que nós fazemos uma música achamos que ainda não é essa. O objetivo é trabalhar sempre para fazer aquela música que daqui a 10 anos as pessoas continuam a ouvir. Se calhar já fiz, não faço ideia, mas eu não tenho essa percepção. Mas é isso, o meu grande objetivo é ter uma música que perdure décadas ou gerações. Imagina os meus filhos já serem 'cotas' e dizerem: o meu velho ainda hoje bate. Acho que isto era top.

Leia também: "O 'Bo Tem Mel' foi muito importante para a viragem na cultura musical"

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