Este é o primeiro ciclo da programação dedicada a Beethoven, este ano, que também vai contar com a interpretação integral das Sinfonias, na Casa da Música, no Porto, a partir de 1 de fevereiro.
Os dois ciclos contemplam os dois núcleos que atravessaram todo o percurso de Beethoven e que são apresentados pela investigação musicológica como um "corpo singular", pelo caminho que abriram na história da música, reformulando padrões e redefinindo a expressão.
O Festival Quartetos de Cordas, que a Gulbenkian anuncia para hoje e domingo, reúne os 16 Quartetos, mais a 'Grande Fuga op. 133', originalmente composta como último andamento do Quarteto Op.130, mas que ganhou autonomia, pela sua dimensão, e que o próprio compositor disse ter composto para "o tempo que há de vir".
Escritos em três períodos distintos -- 1798/1800, 1806/1810, já depois de declarada a surdez, e em 1822/1826, os últimos anos de vida -, os quartetos "são unanimemente considerados uma das expressões máximas do génio criativo" de Beethoven, como escreve a Gulbenkian, na apresentação do festival.
O musicólogo francês Francois-René Tranchefort, no 'Guia de Música de Câmara', destaca em particular os cinco últimos Quartetos (op. 127, 130, 131, 132, 135) e a 'Grande Fuga', como "ponto extremo das pesquisas" do compositor e de "todas as audácias de invenção".
Em Lisboa, os Quartetos vão ser interpretados numa 'maratona' que mantém o Grande Auditório ocupado a partir das 15:00 até ao final da noite (perto das 24:00, hoje; cerca das 21:00, no domingo), por "seis dos melhores agrupamentos de câmara da atualidade", segundo a Fundação: os quartetos Mettis, Castalian, Schumann, Van Kuijk, Novus e Meccore, em colaboração com a Bienal dos Quartetos de Cordas da Philharmonie de Paris.
Beethoven regressará à programação da Gulbenkian nos dias 29 e 30 de janeiro, com o pianista russo Alexei Volodin, que interpretará o 5.º e último Concerto para piano, "Imperador", com a Orquestra e o maestro Jaime Martín.
Em fevereiro, no dia 08, o pianista russo Mikhail Pletnev interpretará em Lisboa as duas últimas Sonatas de Beethoven: n.º 31, op. 110, e n.º 32, op. 111.
Maria João Pires escolheu igualmente Beethoven para o seu terceiro e último recital na presente Temporada Gulbenkian, no dia 21 de março, com a Sonata em Dó menor, op. 13, "Patética", e a derradeira, op. 111, que representa "o culminar da reinvenção do género sonata", constituindo "a mais elevada manifestação do génio" do compositor, como afirmou o maestro Hans von Bülow, histórico da Filarmónica de Berlim.
A Casa da Música, por seu lado, que programa a integral das Sinfonias, prometeu "evitar a todo o custo a interpretação rotineira" de Beethoven, como escreve o diretor artístico, António Jorge Pacheco, no 'site' da instituição.
Assim, as nove Sinfonias serão programadas "com uma série de obras sinfónicas escritas por compositores do nosso tempo, sob o fascínio que continua a exercer o Mestre de Bona", garante o diretor da Casa da Música, enumerando "John Adams, Michael Gordon, Brett Dean, Louis Andriessen, Simon Steen-Andersen, Rodion Shchedrin, Friedrich Cerha ou Erkki-Sven Tüür (...), todos com obras que, tendo Beethoven como declarada referência, são estreias em Portugal".
O percurso começa no dia 01 de fevereiro, com a 1.ª Sinfonia e o 1.º Concerto para piano de Beethoven, vindos da viragem para o século XIX, pela Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, com Ryan Wigglesworth, na direção e em piano, que se cruzam com a estreia nacional de "Frieze", do britânico Mark-Anthony Turnage.
No 'site' da Casa da Música, António Jorge Pacheco afirma que a Orquestra Sinfónica, o Remix Ensemble e o Coro "estarão focados numa renovada perspetiva 'beethoveniana'", e dá como exemplo "um festival que dará a conhecer obras contemporâneas escritas a partir de originais de Beethoven", e que tem como centro obras como "o Triplo Concerto, a Quinta e a Nona Sinfonias e a Fantasia Coral" do compositor alemão.
Beethoven nasceu em Bona, em dezembro de 1770. Teve as primeiras lições com o pai, que procurava nele um prodígio do piano, descobriu a tradição musical alemã, foi organista assistente da corte, violetista na ópera da cidade, e acabou por se fixar em Viena, no início da década de 1790.
Músico independente, sem lugar fixo, contrariando a tendência da época, sobreviveu de lições e encomendas, embora tivesse tido protetores e amigos entre a burguesia e a nobreza. Foi, porém, a surdez que constituiu o seu drama.
"Como me seria possível revelar a debilidade de um sentido que, em mim, deveria ser mais perfeito do que nos demais?", escreveu na carta aos irmãos, datada de 6 de outubro de 1802, conhecida como 'Testamento de Heiligenstadt'. "Se [a morte] chega antes que tenha tido tempo de desenvolver todas as minhas capacidades, apesar do meu destino, então chegará demasiado cedo", acrescentou.
Nas duas décadas que se seguiram, a um mundo que passa a apreender em silêncio, Beethoven sobrepôs um pensamento musical cada vez mais forte, como destacou François-René Tranchefort, no 'Guia da Música Sinfónica'.
Até à morte, em 26 de março de 1827, e na completa surdez, "desenvolveu, transfigurou, provocou a rutura, a viragem da História, a passagem a uma nova era, (...) a algo extraordinariamente novo, que tomou forma em música, e apenas possível na lógica de um pensamento livre".