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New Order e Patti Smith foram senhores no Paredes de Coura

Passados alguns dias de festival, Parcels e Mitski continuam a ser nomes a reter enquanto Father John Misty é sempre bonito de admirar.

New Order e Patti Smith foram senhores no Paredes de Coura
Notícias ao Minuto

18:30 - 23/08/19 por Miguel Patinha Dias

Cultura Música

Foi em 2017 que fui pela primeira vez ao Vodafone Paredes de Coura. Na altura era dos poucos festivais de música ditos ‘mainstream’ a que me faltava comparecer, uma lacuna devido ao tempo de viagem entre Lisboa e a vila de Coura, no Minho. Ainda assim, histórias de familiares e amigos sobre o festival – na altura na sua 25.ª edição – mostravam-se demasiado tentadoras para ignorar.

A experiência foi única e de uma qualidade muito acima da que podia desejar, seja ao nível de bandas e artistas como do próprio espaço, incólume e bem integrado em torno de uma clareira cheia de luz. Não é difícil ficar impressionado com o espaço do palco principal do Vodafone Paredes de Coura e, sem surpresa, voltei a ficar assim que voltei ao festival neste ano de 2019, na sua 27.ª edição.

Tudo estava tal e qual como me lembrava. O palco, perto das margens da praia fluvial do Taboão, encontra-se no início de um anfiteatro natural que significa que todos conseguem ver o palco. Sim, mesmo os festivaleiros mais baixos têm a (rara) capacidade de ver as suas bandas preferidas sem ser por via de ecrãs. Se quiserem, podem até ficar sentados e assistir a todo o concerto sem ninguém a saltar ao lado. A euforia fica reservada para um terreno plano, junto ao palco, onde a poeira acompanha os saltos desenfreados de quem assiste a bandas que provavelmente escapam ao conhecimento dos apreciadores de música mais casuais.

Fiel à tradição, o Vodafone Paredes de Coura voltou este ano a apostar em bandas que – pouco conhecidas ou nem tanto – continuam a ser garantias de qualidade e de um tempo bem passado. Parcels e Mitski, por exemplo, podem ser artistas quase em início de carreira mas mostraram-se à altura. No caso da banda australiana, foi surpreendente assistir a um palco principal cheio a assistir a temas tão alegres como ‘Tieduprightnow’ ou ‘Overnight’. O entusiasmo de Parcels foi contagiante e não me surpreenderia se esta atuação no Vodafone Paredes de Coura não fosse o início da consagração em território português.

Já no caso de Mitski, a artista atuou enquanto desempenhava uma dança interpretativa hipnotizante. Acompanhada da sua banda, Mitski teve uma atuação insólita enquanto cantava os temas do seu mais recente álbum e dançava, gesticulava e se contorcia, exibindo ‘camadas’ nos seus temas que poucos teriam considerado. Esta exuberância solitária de Mitski não deixou ninguém indiferente e, se uns estavam atentos a admirar a atuação da cantora norte-americana, outros ficaram de boca aberta sem conseguir conter a surpresa.

Duas notas positivas que certamente estarão de volta a Portugal, quem sabe a futuros festivais de música para dar novas alegrias.

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A hora dos colossos

Se Parcels e Mitski deram aos presentes no Vodafone Paredes de Coura bons motivos para estarem atentos e manterem-se entusiasmados quanto ao futuro, houve duas bandas veteranas que fizeram questão de estar à altura das altas expetativas: New Order e Patti Smith.

Começando por New Order, que atuaram no dia 15, seria difícil encontrar alguém que não estivesse expetante relativamente ao alinhamento do concerto. A banda, formada pelos restantes membros dos Joy Division, provavelmente sempre soube que teria de tocar alguns dos maiores clássicos e, felizmente para quem esteve presente, a banda não procurou desligar-se desse ‘fardo’. O resultado? Uma hora de oportunidade de ouvir ao vivo temas tão icónicos como ‘She's Lost Control’ ou ‘Love Will Tear Us Apart’, que encerrou a musculada atuação acompanhada de imagens do falecido Ian Curtis.

Estes temas do Joy Division surgiram de forma pontual no concerto dos New Order, eles próprios com o seu lote de músicas eletrizantes como ‘True Faith’ e ‘Blue Monday’. Uma atuação que ficará certamente na história como um dos momentos memoráveis da história do Paredes de Coura.

Para este sentimento contribuiu também a presença de Patti Smith. Enquanto os New Order impuseram a sua presença na clareira do Vodafone Paredes Coura, Patti Smith surgiu com uma serenidade como se quase pertencesse ao espaço, à natureza que a rodeava. Porém, ficaram certamente surpreendidos os que julgavam que estariam prestes a assistir a um concerto com pouca energia. Bastou a Smith um primeiro acesso de revolta para fazer saber que veio a este pacato festival a Norte para se fazer ouvir, para lembrar que somos livres, para apelar à união entre todos os presentes. Qualquer outro teria dificuldade em fazer passar a mensagem mas, no caso de Smith, era possível sentir a gravidade do pedido que estava a ser feito e, sem exceção, todos engoliram em seco.

Mas não se falou só de revolta. Os amigos de outrora, que já foram, também tiveram o seu espaço na atuação de Patti Smith, que nem conseguiu conter as lágrimas quando o público entoou o seu nome consagrando-a como um nome que será sempre bem vindo a Paredes de Coura.

O ambiente e experiência proporcionados por Patti Smith foram parcialmente responsáveis pela impressão deixada pela atuação seguinte, com Freddie Gibbs e Madlib. O rapper e o produtor apresentarem-se em palco, com o primeiro a desatar a lançar versos pertencentes aos temas do seu mais recente álbum, ‘Bandana’. Até aqui tudo bem, não fosse a insistência de Gibbs em soltar uns frequentes “F**k police”, a afirmar-se inebriado (seja por bebida, seja por drogas) e a questionar o público se alguma vez havia cometido algum crime.

Enquanto apreciador de rap e hip-hop, a atuação de Freddie Gibbs e Madlib era uma das que me suscitava maior expetativa mas, enquanto concerto que se seguiu a Patti Smith, a mensagem dificilmente podia ser mais antagónica. Sim, estou consciente do caso que, em 2016, fez com que Gibbs fosse preso em Viena, Áustria, sob acusações de abuso sexual (das quais foi considerado inocente) e que o rapper apenas se expressou em palco. Ainda assim, e falando meramente do espetáculo proporcionado, não teve o ambiente ou a força que se esperava e, infelizmente, ficou abaixo das expetativas.

Estiveram também menos impactantes do que o esperado os The National. Os ‘hits’ funcionaram como tinham de funcionar mas a introdução do mais recente álbum - ‘I Am Easy to Find’ – no alinhamento não teve o efeito que seria de desejar entre o público do Paredes de Coura. Recorde-se que a banda de Matt Berninger tem concerto marcado para dezembro em Portugal, no Coliseu de Lisboa. Esperemos que até lá se preparem um pouco melhor.

Por outro lado, não conseguimos deixar de mencionar Father John Misty como um ponto positivo. Mr. Tillman apresentou novas canções que se mostraram especialmente eficazes, com a habitual cadência brincalhona ainda que com uma postura menos dramática que no passado. Mesmo assim, é raro que um único artista consiga ‘agarrar’ tão eficazmente o público de um festival como o Paredes de Coura mas Josh Tillman mostrou-se mais que capaz na tarefa.

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E de resto, como foi?

Se nos primeiros dias parece ter havido um maior cuidado, algum eventual atraso ou planeamento menos bem cuidado fez com que alguns concertos dos dois palcos coincidissem. Foi apenas por alguns minutos, mas foi o suficiente para quem estava no palco principal estar a ouvir pedaços soltos do espetáculo que estava a ter lugar no secundário.

De resto, o tempo colaborou e proporcionou bons momentos aos festivaleiros, sobretudo aos que se encontravam a acampar. Esta área, como sempre, mostrou-se atolada de tendas e o Taboão um anfitrião hospitaleiro nos dias de calor. As bandas passam, o público aumenta mas Paredes de Coura continua tão capaz de surpreender como da primeira vez.

Deitar na relva, ao pôr do sol, enquanto se ouve Jonathan Wilson e Spiritualized a tocar ao fundo, é um daqueles ambientes que dificilmente esquecerá e o motivo porque Paredes de Coura continua a ser um dos festivais mais marcantes no nosso país. Resta agora esperar pelo cartaz de 2020.

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