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"Costa é hábil, mas está entalado. Não é fácil fazer ginástica olímpica"

Em entrevista exclusiva ao Notícias ao Minuto, Bagão Félix olha para o estado do país, aponta erros e dá sugestões, faz elogios e não deixa as críticas por fazer. Um olhar pelas Finanças de um Portugal que não se dissocia da Europa e de um Governo em constante “exercício de equilíbrio”.

"Costa é hábil, mas está entalado. Não é fácil fazer ginástica olímpica"
Notícias ao Minuto

06/12/16 por Goreti Pera

Política Bagão Félix

Convicto de que, para a economia crescer, é necessário mais investimento, Bagão Félix tece elogios a António Costa e elege Vieira da Silva como o ministro mais sabedor. Mas admite que o primeiro-ministro “está entalado” e que pratica um difícil exercício que se assemelha a “ginástica olímpica”.

Sobre a Caixa Geral de Depósitos, o antigo ministro das Finanças elogia a escolha de Paulo Macedo, mas critica o Governo por se ter "portado mal" com António Domingues e por "não ter convivido bem com a verdade".

Terminou o primeiro ano de governação do PS, suportado pelos partidos à sua Esquerda, e um segundo ainda está no início. A economia do país está melhor ou o alívio sentido na carteira dos portugueses é apenas uma ilusão?

As medidas de reversão tomadas pelo Governo, que aumentaram o rendimento disponível das famílias, em princípio, estimulariam o consumo. Mas pode não ser assim: quando as famílias aumentam o seu rendimento, e já que estão muito endividadas, podem acelerar o pagamento de dívidas ou podem poupar. Creio que no início verificámos uma aceleração da compra de bens duradouros, bens de investimento como eletrodomésticos e automóveis. Passado esse efeito, a economia não avançou porque, além de as exportações não evoluírem como era desejável, falta um elemento essencial: o investimento. Uma economia só cresce quando há investimento e para isso é preciso ter poupanças. Ora, a nossa taxa de poupança nunca esteve tão baixa e o nosso investimento está a decrescer. Se associarmos à dívida pública tão elevada um crescimento tão anémico, a situação é delicada.

Não se produzindo no país riqueza suficiente para crescer, o Executivo optou, no Orçamento do Estado para 2017, por ir buscar receita aos impostos indiretos. Esta é uma boa alternativa?

Se aumentássemos mais a riqueza, evidentemente que teríamos mais receita fiscal, porque haveria mais património e mais consumo. Acontece que o crescimento continua a ser relativamente modesto. No domínio fiscal, o que o Governo faz é aumentar os impostos indiretos, que são regressivos, injustos, porque atingem pessoas com altos e baixos rendimentos. Curiosamente, essa é a lógica da Direita, mas a ideologia já não é o que era e há uma inversão de papeis. O pragmatismo político e a dependência dos devedores leva-nos a agir de maneira diferente daquela que pensávamos antes.

Há que ter em conta, ainda, que os novos impostos indiretos são definitivos, ao contrário do que acontecia com a sobretaxa de IRS, o imposto direto que o Executivo prometeu eliminar em janeiro de 2017 e afinal só vai eliminar progressivamente ao longo do ano.

António Costa é um político bastante hábil, mas está entalado. Este é um exercício de equilíbrio que, mesmo em ginástica olímpica, não é fácil de fazer

É um sinal de que o primeiro-ministro está refém da Europa?

António Costa é um político bastante hábil, com grande capacidade negocial, mas está entalado. De um lado tem o tratado orçamental e do outro lado os partidos que suportam o Governo no Parlamento, que querem medidas contrárias àquelas que a União Europeia (UE) exige. Este é um exercício de equilíbrio que, mesmo em ginástica olímpica, não é fácil de fazer.

O que acha da escolha de Paulo Macedo para presidir a Caixa Geral de Depósitos?

Acho que foi uma escolha adequada, oportuna. É uma pessoa de absoluta competência e responsabilidade. Poderia até, porventura, ter sido a primeira escolha. É uma boa solução.

O Governo portou-se mal [com António Domingues] e não terá convivido muito bem com a verdadeComo viu a saída de António Domingues depois de toda a discussão em torno da declaração de rendimentos?

Gastou-se muito tempo e a Caixa está praticamente há um ano em gestão corrente. Desde o princípio que só havia duas hipóteses: ou a entrega da declaração de rendimentos ou a saída. Acabou por sair tarde, mas mais vale tarde do que nunca, porque a situação era insustentável.

O Governo teve um papel muito pouco adequado, porque deixou isolado o dr. António Domingues. Ninguém acredita que quer a questão da remuneração, quer a questão da declaração de rendimentos (que pelos vistos era uma condição necessária para serem administradores da Caixa) não tenham sido conversadas e acordadas previamente com o Governo, formalmente ou informalmente. O que verificámos é que, desde o primeiro dia, o Governo assobia para o lado. A alteração do estatuto de gestor público foi um diploma ao qual só faltou a fotografia (dos administradores e em particular do presidente) e depois abandonaram o fotografado. O Governo portou-se mal e não terá convivido muito bem com a verdade. Percebo o estado de espírito de António Domingues. 

O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda andam sempre em cenas de ciúmes

O acordo entre o PS e os partidos de extrema Esquerda mudou a história da democracia em Portugal. Será um reflexo do que tem acontecido no resto da Europa, onde partidos extremistas assumem ou se aproximam do poder?

Eu pessoalmente acho que não. Apesar de tudo, Portugal não tem partidos extremistas no sentido mais radical do termo. O que aconteceu foi uma situação inédita. Não é habitual o partido perdedor poder fazer uma coligação deste tipo e ela vai durar enquanto interessar a todos. O custo de rutura vai incidir sobre aquele que romper, portanto há um jogo tático bilateral muito complexo. O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda andam sempre em cenas de ciúmes. Assumindo que foi uma opção legítima, só há um ponto na formação deste Governo que eu critico: António Costa deveria ter dito durante a campanha eleitoral que, caso não tivesse maioria, tentaria um acordo de incidência parlamentar com PCP e Bloco de Esquerda. Se ele dissesse isso, não tinha os mesmos votos.

António Costa tem a tarefa mais ou menos facilitada com Marcelo Rebelo de Sousa na Presidência da República?

Vamos ver o que o futuro nos reserva. Acho que o Presidente tem tido a preocupação de ser um fator de estabilidade. Nesse sentido, pode dizer-se que casaram bem os interesses dos dois órgãos de soberania.

O ministro mais sabedor é Vieira da Silva. Já Caldeira Cabral tem a infelicidade de ser ministro da Economia

E dentro do Governo, quem acha que é o melhor e o pior ministro?

Acho que o ministro mais sabedor é Vieira da Silva [Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social]. Domina bem a pasta e é uma pessoa equilibrada, que procura conjugar todos os fatores. Já Caldeira Cabral, sendo uma pessoa muito respeitada e competente, tem a infelicidade de ser ministro da Economia, que é um cargo ingrato e pouco honorífico. O ministro da Economia não pode fazer muito pela economia. Tem a desvantagem de ser ministro de uma quase-não-pasta.

Que nota dá ao ministro das Finanças, Mário Centeno?

Acho que Mário Centeno é um homem bem preparado, uma pessoa muito bem intencionada, mas está num exercício de contorcionismo. Visto de fora, parece que não se sente muito à vontade nestas diferenças entre aos partidos que apoiam o Governo. Mas é um homem esforçado. Ser ministro das Finanças é muito difícil. Tenho respeito pelos ministros das Finanças, que são a parte da lua que é visível. Do outro lado temos os outros, que passam pelos pingos da chuva, por tutelarem áreas setoriais.

Seria mais difícil ser ministro das Finanças nos tempos que correm?

É mais difícil hoje. Temos tratado orçamental, que é um garrote brutal, há muito mais entidades a escrutinar as finanças públicas portuguesas, os mercados são mais implacáveis do que eram no meu tempo e a dívida pública é mais do dobro, para não falar dos juros.

Enquanto antigo ministro das Finanças, que conselhos daria este Governo para por a economia a crescer?

Não tenho de dar conselhos, mas posso dar a minha opinião. Em primeiro lugar, punha as principais políticas relacionadas com os investidores, quer nacionais, quer estrangeiros, no domínio de uma grande estabilidade. Os investidores não gostam de um país que está sempre a mudar as regras. Devia haver mais acordos entre os principais partidos para não andarem sempre a mudar. São disso exemplos o que foi decidido em relação à sobretaxa de IRS, ao IRC e ao IVA na restauração. Eu discordei do aumento de 13% para 23%, mas, uma vez implementada a mudança, para quê reverter? Perdem-se 350 milhões de euros por ano, que davam para aumentar as pensões. Em nome de quê, da justiça social? Se quisessem fazer uma redução do IVA do mesmo valor em nome da justiça social pegavam na eletricidade, cujo IVA passou de 6% para 23%. É que nós vamos aos restaurantes por opção, ao passo que a eletricidade é um bem obrigatório.

Parece-lhe ter sido uma medida tomada apenas com o intuito de reverter uma outra que havia sido tomada pelo governo anterior?

Sim, sim. Há duas medidas de reversão que acho que foram muito erradas. Foi esta e foi reduzir para 35 horas o horário de trabalho da Função Pública. Em primeiro lugar porque já havia passado para 40 horas e depois porque poderia ser preciso mais pessoal ou poderia aumentar a prazo a produtividade. Toda a gente diz que deve haver, nomeadamente em termos de Segurança Social, uma equiparação entre privado e público, quando aqui se ruma no caminho contrário.

*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.

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