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"A comunicação pública tem uma probabilidade de erro bastante grande"

Nelson Costa Ribeiro, diretor da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, analisa a importância da comunicação na sociedade atual, sublinhando a urgência de preparar o cidadão para a sua compreensão.

"A comunicação pública tem uma probabilidade de erro bastante grande"
Notícias ao Minuto

11/03/21 por Anabela Sousa Dantas

País Nelson Costa Ribeiro

"Lamentamos, foi um erro de comunicação". A expressão é familiar e, regra geral, sucede a um episódio em que algo que foi dito não se traduziu da melhor forma no público a que era destinado. Uma palavra, uma expressão ou contexto mal calculado são, agora, numa altura em que os média sociais tornaram as vozes públicas democráticas e imediatas, o risco colateral da comunicação de uma instituição, de uma organização ou de uma marca.

Ao falar em comunicação de crise a associação imediata será a crise pandémica, que, no último ano, colocou renovados desafios à comunicação por parte das administrações públicas de todos os países: como apelar ao cumprimento de medidas pouco populares a curto prazo num contexto que as requeria a longo prazo? Esse desafio, porém, não está limitado à saúde pública, fazendo antes parte de uma onda de mudança na malha da sociedade, ainda em processo de adaptação ao avanço das novas tecnologias e aos novos meios de comunicar.

Nelson Costa Ribeiro, diretor da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, falou com o Notícias ao Minuto sobre o tema, no âmbito da reformulação da licenciatura em Comunicação Social e Cultural, num passo dado pela instituição de ensino no sentido de melhor preparar os comunicadores de amanhã para os desafios em constante mutação do presente.

Ao misturar dois tipos de discurso, o risco que corremos é criar no cidadão a perceção de que o discurso científico, afinal, está ao mesmo nível do discurso político e podemos todos ter uma opinião sobre isso

No último ano, em Portugal, assim como em quase todos os países - ressalvando-se as devidas diferenças de impacto -, pelo menos três grandes universos de comunicação foram levados a uma mesclagem forçada: a política, a ciência e a saúde pública. Este foi o primeiro grande erro na gestão da pandemia?

Houve países que adotaram estratégias diferentes. O facto de muitos de nós não termos memória de uma grande pandemia fez com que, perante esta nova realidade, entrássemos numa lógica de crise, por um lado, e de comunicação de crise, por outro. 

Há algo que é inevitável ter em conta: a forma como a comunicação pública acontece, a forma como nós temos a capacidade de chegar aos cidadãos e de os convencer a adotar determinado tipo de comportamentos é fundamental nas sociedades em que vivemos, para tudo. Quer seja para as opções políticas quer seja, neste caso, para nos salvaguardarmos em termos de saúde.

Aquilo que os países fizeram foi, de facto, bastante diferente. Alguns, em que Portugal se inclui, uma das coisas que começaram por fazer foi juntar, nos mesmos momentos, a ciência/saúde pública com o discurso político. Isso, do ponto de vista de como é percecionado pelos cidadãos, sobretudo a longo prazo, não é normalmente muito benéfico.

Porquê?

Porque, normalmente, as decisões políticas implicam escolhas que obedecem a critérios políticos e uma parte desses critérios políticos é movida pela ideologia. Portanto, ou olhamos para a realidade mais de uma maneira ou de outra, posicionados mais à direita ou mais à esquerda. Vemos a realidade de forma diferenciada e propomos soluções diferentes.

A ciência não se guia por esses princípios. A ciência dá-nos soluções baseadas nas melhores evidências que existem num determinado momento. Ao misturar estes dois tipos de discurso, o risco que corremos é criar no cidadão a perceção de que o discurso científico, afinal, está ao mesmo nível do discurso político e podemos todos ter uma opinião sobre isso. Uns acham que sim, que se deve usar máscara, outros acham que não. Julgo que onde se separa mais a esfera política da esfera científica, ajuda a manter uma maior credibilidade junto dos agentes de saúde.

De que forma é que pode haver essa separação, de forma prática, entre política e ciência, colocando ambos ao serviço da saúde pública?

Nós queremos criar uma separação ao nível da comunicação porque estes dois agentes, da política e da ciência, têm de se articular. Os decisores políticos precisam da ciência para tomar decisões, como é evidente. Parece-me é que é mais útil para os decisores políticos ouvirem os cientistas de forma ponderada para, realmente, sustentarem as suas decisões políticas, do que propriamente trazerem os cientistas para a primeira linha - como às vezes vemos acontecer - e dizer ‘bem, os cientistas é que são responsáveis pelas decisões que vamos tomar’. Porque isso é, no fundo, querer passar aos cientistas decisões que, obviamente, é bom que estejam sustentadas em dados científicos, mas são decisões que têm de ser políticas. Até por uma razão: obviamente, os cientistas são especialistas numa determinada área muito específica, a análise que eles fazem é de uma parcela da realidade - sobre a transmissibilidade do vírus, formas de contágio, etc.

Um decisor político, quando toma decisões no contexto de uma pandemia, tem de atender a muitas outras realidades, como, por exemplo, a capacidade de resposta do SNS, os impactos sociais, o impacto na saúde mental, efeitos nas novas gerações escolares, a ver a sua aprendizagem limitada, etc.

Portanto, querer tomar uma decisão que é muito complexa com base em especialistas apenas de uma área, efetivamente, também não me parece uma boa forma de agir. Nem estou a dizer que o Governo faz isso, porque ouve especialistas de todas as áreas, mas gosta de dar grande visibilidade a estas reuniões, como a que aconteceu hoje [segunda-feira, no Infarmed].

Ou seja, num contexto de crise, é difícil assegurar uma comunicação eficaz sem coragem política.

É difícil. Os decisores políticos, efetivamente, têm que dar a cara e assumir as decisões que tomam. E não estou a dizer que isso não tem sido feito, mas é muito importante que isso seja assumido. A decisão tem de ser de quem tem a capacidade de a tomar. Os cientistas têm o papel de aconselhar, mas alguém tem de assumir as decisões, que são decisões políticas.

Aquilo que alguns países fizeram, para responder à pergunta inicial, foi fazer uma comunicação científica sobre o vírus, sobre as boas práticas que as pessoas devem ter, mas depois, as medidas que são tomadas, fez mais parte da esfera da decisão política. Perguntou-me como é que isto se separa. Obviamente, as duas coisas estão interligadas, mas há forma de as diferenciar. 

Aquilo que é mais novidade não é existirem teorias da conspiração - que existem desde sempre. É as pessoas mais facilmente serem levadas de forma inconsciente a serem parte dessa desinformação

Como é que engloba nesta temática o ressurgimento - porque não são novas - das teorias da conspiração?

Não são novas, de facto. As teorias da conspiração sempre existiram, têm um grande efeito em termos de comunicação junto da opinião pública. Há um grande ressurgimento, diria, das teorias da conspiração no ambiente digital. Portanto, os média sociais vieram potenciar muito este tipo de grupos.

Vou dar um exemplo, ainda antes da pandemia: a questão dos movimentos anti-vacinas, que estavam a crescer imenso até à pandemia e muito alimentados por um discurso em ambiente digital. Muito alimentados pela propaganda participativa, que é uma certa inovação. A propaganda participativa é o facto de muitos cidadãos participarem ativamente na disseminação de propaganda, mesmo sem terem consciência de que o estão a fazer. Ou seja, recebem um conteúdo numa determinada rede social e partilham, sem sequer ter lido com grande atenção. Viram uma imagem e partilharam, sendo que tudo aquilo pode ser mentira e falso. As pessoas, na verdade, participam nesse processo de propaganda e desinformação. Aquilo que, para mim, é mais novidade não é existirem teorias da conspiração - que existem desde sempre. É hoje em dia as pessoas mais facilmente serem levadas de forma inconsciente a serem parte dessa desinformação.

Agora a propósito da pandemia, veja o que aconteceu até na Europa. Uma das teorias mais propagadas foi a teoria de que as torres de 5G propagavam o coronavírus e houve várias dezenas de torres 5G que foram destruídas em vários países europeus, nomeadamente no Reino Unido. Portanto, houve pessoas que receberam esta informação e acreditaram. Há uma parte que talvez eu não saiba responder, que é: porque é que isto existe? Por norma, há sempre alguém que ganha com isto.

O único antídoto que podemos ter para estes fenómenos de desinformação é trabalhar do lado da receção

Isto será a million dollar question, mas existe uma fórmula, em termos de comunicação, para combater a proliferação de populismo, com notícias falsas e teorias da conspiração? As duas coisas estão muito ligadas...


Estão totalmente ligadas. Aquilo que o populismo faz, também, é alimentar-se da desinformação. A desinformação é um conceito algo complexo, porque pode não ser necessariamente baseada em dados falsos. A desinformação que é mais eficaz é feita com a utilização de um dado que até é real, mas depois é utilizado num contexto completamente diferente e leva as pessoas a pensar de uma determinada forma.

O populismo vive muito disso. O populismo não é uma ideologia política, é sobretudo uma forma de comunicação política, uma forma de chegar às pessoas dizendo-lhes aquilo que elas querem ouvir. Vem sempre atrás o conceito de anti-elite, porque a elite é sempre um conceito abstrato que simboliza aqueles que são os maus, enquanto que os movimentos populistas são as pessoas puras, as ‘pessoas de bem’ que querem romper com esta sociedade. Utiliza artifícios de comunicação que são eficazes.

A sua pergunta é, de facto, a million dollar question, mas eu, se me permito arriscar uma resposta, é que o único antídoto que podemos ter para estes fenómenos de desinformação é, de facto, trabalhar do lado da receção. Ou seja, tentar que as pessoas que recebem a informação tenham mais conhecimento sobre a origem da mesma. Que percebam que é importante, antes de partilhar, pensar cinco segundos sobre aquilo que estão a fazer. Aquilo que podemos chamar de literacia mediática e digital, que acho que hoje em dia é fundamental. E aí, parece-me que o ensino desempenha um papel muito importante e é um papel onde acho que as coisas também não têm corrido muito bem.

Em que aspeto?

Acho que precisamos de ter um plano de literacia mediática e digital para que as novas gerações fiquem mais familiarizadas com este novo ecossistema mediático em que estamos a viver. É normal que determinados movimentos - vamos dar o populismo como exemplo - utilizem, sobretudo, estratégias alicerçadas em novos meios, porque, por norma, são aqueles que a sociedade menos domina. Mais facilmente as pessoas se deixam manipular.

Um exemplo muito clássico: os grandes populistas dos anos 30 do século passado utilizavam a rádio, porque era um meio absolutamente novo, que entrava na casa das pessoas e elas nem sequer imaginavam que muitas das coisas que eram ditas eram completamente falsas. Hoje em dia, esses novos meios são sobretudo digitais.

Falta preparação nessas áreas, mas universidades, aqui, também têm um papel. É bom que esse papel não fique relegado para os cursos de comunicação. Precisamos que toda a sociedade seja conhecedora destes processos de como é que a informação é produzida e circula. Obviamente, também diria que isto vem mostrar uma outra dimensão: o quão fundamental é termos pessoas capacitadas e formadas na área da comunicação. Nesta conversa, já falamos de pandemia e populismo e percebemos que a comunicação é fundamental em todas estas áreas.

Não é por acaso que nós assistimos a uma procura cada vez maior de pessoas formadas em comunicação. Antigamente essas pessoas eram procuradas, sobretudo, para o jornalismo e para os meios de comunicação - continuam a ser, claro - mas hoje o que nós vemos é todo o tipo de organizações a precisar de pessoas que são especializadas em compreender como é que determinadas mensagens chegam à opinião pública.

A comunicação pública é uma área que está em constante reformulação. Nós precisamos de acompanhar essa mudança

O rápido evoluir da sociedade torna o esforço de comunicação mais desafiante. Vemos frequentemente notícias a lamentar “erros de comunicação” referentes a várias questões sociais, em que organizações - públicas ou privadas - comunicaram de forma pouco preparada. Acha que há algum atraso ou impreparação em relação à melhor forma de comunicar face ao evoluir da sociedade?

Deixe-me dizer-lhe algo, talvez, um pouco desconcertante. A comunicação pública é de facto um fenómeno bastante complexo, é uma atividade em que a probabilidade de erro é sempre bastante grande. Agora, parece-me que alguns erros que são cometidos acontecem porque quem produz determinadas mensagens não tem consciência ou noção do contexto em que vão ser recebidas. E esse é o papel dos especialistas de comunicação. Isto não quer dizer que um bom especialista em comunicação nunca vá, também, produzir uma mensagem que possa ser mal recebida. Os contextos são diversos e estão sempre em transformação, especialmente, agora. Uma determinada palavra que tinha uma conotação há uns tempos, hoje tem uma conotação completamente diferente.

Por um lado, é preciso estarmos atentos a esse contexto, por outro, é preciso as pessoas e as organizações estarem bem conscientes do seu próprio posicionamento. Não temos de viver numa sociedade em que todos temos de pensar da mesma maneira e utilizar os mesmos conceitos. A questão é: quando decidimos comunicar de uma determinada forma, temos de estar conscientes daquilo que estamos a fazer. Isso exige, de facto, pessoas especializadas e daí a crescente procura de pessoas nesta área.

Foi daí que partiu a decisão de reformular o curso de comunicação?

Sim. O nosso curso veio muito no sentido da conversa que estamos a ter. Basta olharmos à volta e verificar que o cenário político, o cenário pandémico, o debate que vai existindo em determinadas áreas, digamos assim, exige que adaptemos a estas novas realidades também os nossos futuros diplomados, neste caso, na licenciatura em Comunicação Social e Cultural. A reformulação que estamos a fazer procura dar resposta a isso, tendo em conta as novas tendências que existem em termos de comunicação pública. Porque, obviamente, a comunicação pública é uma área que está em constante reformulação. Nós precisamos de acompanhar essa mudança, quer seja para formar alunos que venham a trabalhar na área dos média e do jornalismo, quer seja para formar alunos que vão para as áreas de marketing e relações públicas.

Há um conjunto de ferramentas que eles têm de dominar e, mais do que isso, a forma de ver mundo e de compreender a realidade em que nós estamos é muito importante. É muito importante que os alunos saiam da universidade com capacidade de pensar criticamente e de analisar por si próprios a realidade. Não os podemos formar para saber trabalhar com as ferramentas do futuro, mas podemos formá-los para perceberem bem os mecanismos de funcionamento da opinião pública e conseguirem analisar a realidade, pensar criticamente e inovar.

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