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Jardel: "Gostava de treinar FC Porto ou Sporting. Liguem e contratem-me"

Em entrevista ao Desporto ao Minuto, o antigo avançado de dragões e leões manifestou o desejo de regressar a Portugal, sublinhando que os problemas com o álcool e as drogas fazem parte do passado.

Jardel: "Gostava de treinar FC Porto ou Sporting. Liguem e contratem-me"
Notícias ao Minuto

06/08/19 por Ricardo Santos Fernandes

Desporto Entrevista

Mário Jardel Almeida Ribeiro, conhecido no mundo do desporto como Super Mário, aceitou o convite do Desporto ao Minuto para uma conversa sem tabus.

Uma entrevista onde reconheceu o desejo de regressar a Portugal já no próximo ano. Se as "oportunidades surgirem" espera conseguir um posto de trabalho em Alvalade ou no Dragão.

Atualmente no Brasil, o antigo avançado de FC Porto e Sporting recordou a sua relação com Cristiano Ronaldo "antes de ser um fenómeno mundial" e deixou uma curiosa avaliação sobre quanto valeria o Jardel de 2002 no mercado atual: "Entre 250 a 300 milhões de euros".

Não podia começar a entrevista de outra forma. Retirou-se dos relvados há 11 anos, não tem saudades de pisar um campo de futebol?

Claro que tenho, é lógico que fica uma enorme saudade quando ligamos a televisão e vemos os jogadores em ação. A saudade está lá, mas a vida segue e nós não conseguimos vencer o tempo.

O Jardel preferiu enveredar pela política, após pendurar as chuteiras, em detrimento do futebol. Porquê é que tomou esta decisão?

Recebi um convite e aceitei. Foi uma coisa do momento e decidi aceitar naquela altura, mas não foi muito agradável essa visita ao mundo da política. Uma página que faz parte do passado e que quero esquecer. 

Está preparado então para regressar ao futebol?

Com certeza, já avaliei algumas possibilidades e quem sabe não vá trabalhar em algum clube português, como treinador de avançados. A oportunidade ainda não surgiu mas teria um enorme gosto de regressar a Portugal para treinar um clube grande como FC Porto, Sporting ou Sp. Braga.

Mas já recebeu alguma proposta formal? 

Infelizmente, não. Eles [clubes] não pensam da mesma forma que eu e não querem aproveitar este talento que está aqui parado. 

Podemos acreditar que a breve trecho vamos ter Mário Jardel a treinar um clube em Portugal ou no estrangeiro? 

Pode ser, pode ser, ... Espero que apareça essa oportunidade, para poder vencer, tal como aconteceu dentro das quatro linhas.

Muitas vezes nem tinha o que comer, hoje em dia é tudo muito fácilE qual era o clube que mais gostaria de treinar?

Primeiro tem de aparecer a proposta, depois tenho de analisar. A opção que for mais viável para mim, eu aceito. 

Recuando aos tempos em que começou a jogar futebol. Quais são as maiores dificuldades que um jogador, vindo de classes com menos recursos, enfrenta quando parte para esta aventura?

No futebol brasileiro não existem boas estruturas, por isso o jogador é forçado a trabalhar muito, apanhar dois ou três autocarros para ir para os treinos, pedir dinheiro emprestado e sacrificar-se muito para vencer. Hoje em dia, já há muitos jogadores qualificados, mas que não querem vencer na vida, porque o futebol está muito fácil. Hoje, os jogadores têm telemóveis, desde tenra idade, os pais vão levar e buscar os meninos aos treinos. Antigamente, não. Antes, os jogadores venciam por conta própria.

Como é que era no tempo do Jardel

Eu apanhava os autocarros, vários autocarros para chegar ao treino, fazia um sacrifício enorme para estar sempre presente nos jogos. Muitas vezes nem tinha o que comer, hoje em dia é tudo muito fácil e essa facilidade está a dificultar o crescimento do jogador brasileiro.

"Agora está tudo mais fácil". O jogador brasileiro perdeu qualidade por ter tudo de bandeja?

Quando se conquistam as coisas com dificuldade atribuímos maior valor às coisas. Atualmente, um jogador faz um jogo bom, faz outro bom, e já se coloca no patamar de estrela. Para ser craque, e ser um jogador de renome, é preciso tempo. Demora até ser conhecido no mundo todo. No meu caso, eu trabalhei muito para chegar onde cheguei e eu sou o exemplo vivo disso.

Neymar é um exemplo disso?

Neymar é um jogador já pronto e tem um nome muito forte, teve os seus problemas, mas espero que volte a ser o Neymar de antigamente.

O Neymar de hoje é um Neymar diferente, também por culpa das muitas regalias e benefícios que teve na juventude?

Sem dúvida nenhuma. Foi tudo muito rápido para ele. Conseguiu obter dinheiro à velocidade da luz. Indiscutivelmente ele é um talento, mas tem de o provar dentro e fora do campo. E, infelizmente, Neymar, nos últimos tempos, tem oscilado quer dentro, quer fora das quatro linhas.

Continuamos a nossa conversa pelo Brasil para falarmos agora de Jorge Jesus. O Jardel está no Brasil, neste momento, já foi jogador do Flamengo também. Como é que tem acompanhado estes primeiros meses do treinador português na sua nova aventura?

Como há muitos brasileiros lá fora, em Portugal sobretudo, quem sabe um dia a tendência se inverta e o Brasil não fique recheado de técnicos lusos. Vejo a chegada do Jorge Jesus como uma experiência nova, depois da passagem do Paulo Bento. O Jesus está num período de adaptação e está a tomar o pulso à pressão de um nome tão grande como é o Flamengo. Eu não vou dizer que vai ser fácil, vai ser muito difícil. O Flamengo é um clube de resultados. Ele tem um plantel maravilhoso nas mãos e acredito que se tiver o apoio de todos os jogadores não irá passar por dificuldades.

Tendo em conta a personalidade e as características de Jorge Jesus, acredita que o português pode contrair um 'casamento feliz' neste projeto carioca?

Os jogadores não estão muito adaptados a este tipo de proximidade. Acredito que o plantel é quase obrigado a ir na manha dele e os jogadores do Flamengo vão ter de perceber que o vocabulário, muito característico de Jesus, acaba por ser uma forma de ele puxar pelo rendimento dos seus atletas.

 Se fosse para o Benfica eu sei que ia ser campeão, como fui no FC Porto e Sporting

Vamos agora viajar até Portugal e recuar 23 anos, até à sua estreia com a camisola do FC Porto...

Ocorreu num jogo diante do Vitória de Setúbal. Guardo excelentes recordações do FC Porto. Portugal foi o meu primeiro país depois de sair do Brasil, o FC Porto o meu primeiro clube na Europa. Construí uma história grandiosa nesse clube, tenho dois filhos portugueses e deixei aí uma história absurda. Quando regresso a Portugal é uma euforia total dos adeptos. E não me esqueço de Pinto Costa, um presidente fenomenal.  Ainda hoje se trata de uma amizade de longa data.

Notícias ao Minuto[Jardel representou o FC Porto entre 1996 e 2000]© Reuters

Sai do FC Porto e vai para o Galatasaray. Sente-se arrependido por essa decisão?

Se soubesse o meu futuro não teria saído, mas eu fui para o Galatasaray, onde consegui ser melhor marcador e campeão. Não houve abertura do FC Porto para prosseguir no clube e acabei por rumar para a Turquia. Se fosse hoje tinha feito de tudo para continuar no Dragão. Todavia, nós aprendemos com os 'socos' que a vida nos dá.

Antes de ir para o Sporting assinou com o Benfica, num contrato que depois acabou por não se confirmar. Gostava de ter vestido a camisola das águias?

Não, de maneira alguma. Não fico triste por não ter vestido a camisola do Benfica. Quando as coisas não são para ser, não acontecem.

Mas não ficou um pequeno vazio por não ter conseguido jogar nos três 'grandes'?

De jeito nenhum. Se fosse para o Benfica eu sei que ia ser campeão, como fui no FC Porto e no Sporting. Sei que fui um vencedor na vida. 

Acredita então que tinha marcado 42 golos no Benfica, tal como fez no Sporting?

Isso não sei. Deus colocou-me no Sporting, porque tinha de ser do Sporting. Tinha de voltar a Portugal para vestir esta camisola. Estava escrito. 

Que relação o Jardel de 2002 mantinha com os restantes elementos do balneário do Sporting?

Sempre fui um jogador de balneário muito alegre, muito brincalhão, como vocês sabem. Eu dava-me bem com toda a gente e isso trazia uma enorme energia para o balneário, junto com o Cristiano Ronaldo, o Quaresma, o João Pinto, o Pedro Barbosa, o Paulo Bento, o André Cruz, o César Prates, o Sá Pinto, o Beto, o Niculae ... Aquele grupo era para ser campeão, não tinha como não ser.

Notícias ao Minuto[Jardel representou o Sporting entre 2001 e 2003]© Reuters

Jardel mencionou o nome de Cristiano Ronaldo. Como era trabalhar com o português nessa altura? 

Nunca pensei que ele se ia tornar no fenómeno mundial que é hoje em dia. Ele tornou-se num jogador muito trabalhador, obediente, que se soube cuidar muito bem fisicamente e foi um prazer enorme trabalhar com ele durante dois anos.

Lembra-se de algum episódio curioso que tenha vivido com Cristiano Ronaldo?

Muitas vezes eu falava para ele: 'Aprende a cabecear, vê como é que eu faço'. E acrescentava: 'Vai juvenil, aprende a fazer golos de cabeça'. Dificilmente, naquele tempo, via um jogador cabecear tão bem como eu. O Ronaldo aprendeu bem a lição [risos]. O sucesso dá muito trabalho e Ronaldo tornou-se um grande exemplo disso. Na altura, ele ainda não era um fenómeno, nem desequilibrava assim tanto, só depois, com 18/19 anos é que começou a fazer a diferença.

Disse que tinha muito boa relação com os jogadores e como era a que mantinha com Lazlo Boloni?

Era uma relação boa, sempre foi muito boa...

O treinador romeno, recentemente numa entrevista para o Desporto ao Minuto, sublinhou que o pior adversário de Jardel "não eram os defesas, mas as garrafas de whisky"...

Acho que todo o mundo passa por problemas na vida, penso que ele não precisava de ter dito isso. Também não vou estar aqui a falar da personalidade dele e acho que cada qual deve estar no seu galho. Já falaram do meu problema [com o álcool] mil vezes, mas hoje esse assunto já faz parte do passado. No lugar do Boloni nunca teria dito isso, afinal a imprensa já sabia, eu também falei sobre os meus problemas. Não é preciso os outros estarem sempre a relembrar o que passei.

Boloni apoiou-o na altura?

Sempre me apoiou e sempre me incentivou a abandonar os meus vícios. Mas eu não quero tocar mais nesse assunto...

Acredita que teria chegado a um tubarão europeu caso não tivesse passado por esses problemas?

Eu era para ter ido para um Real Madrid, um AC Milan ou um Barcelona, mas alguns empresários estragaram-me a vida. Hoje tenho a minha vida abençoada por Deus e estou em paz com o que se passou. Todos sabiam que tinha potencial para jogar nos melhores clubes do mundo, mas algumas pessoas atrapalharam o meu futuro. 

Continua a acompanhar o futebol português?

Acompanhei o título do Benfica no último ano. Um justo campeão num grande campeonato. Foi ajudado com as derrotas de FC Porto e Sporting. Um campeonato decide-se nos detalhes e o Benfica ganhou moral com os desaires dos outros.

E como se explica que um clube como o Sporting está sem ganhar um campeonato há 17 anos?

É difícil de entender. Eu gostava de regressar ao Sporting e ajuda-lo a ser campeão. Adorava trabalhar ao lado do Beto e do Hugo Viana. Trabalhar no campeonato português é um sonho. Já que fui um jogador que deu sorte, acho que podia desempenhar funções, mais uma vez, no Sporting.

E gostava de regressar como treinador?

Com certeza, gostava muito, mas também não me importava de trabalhar no balneário do Sporting, como uma força de agregação no plantel, ensinando aquilo que mais sei e a ajudar os avançados a trabalhar na grande área. Fazer parte da direção ou do staff técnico do Sporting é um sonho que tenho.

Quanto é que o Jardel de 2002 valeria hoje? Uns 300 milhões de eurosO Jardel fez 42 golos numa só época na Liga portuguesa. Mais ninguém atingiu essa cifra desde que saiu de Portugal. É uma marca inatingível?

Acho difícil, mas não é impossível. Também é preciso ter um João Pinto, um Ronaldo, um Drulovic, um Sérgio Conceição ao lado. Isso não é para qualquer equipa. Eu fazia a diferença e quem tinha Jardel ganhava títulos. É muita fruta, são muitos golos [risos] e agregado a um título ainda melhor. O Bas Dost também foi o melhor marcador, mas não foi campeão. E dessa forma não sabe ao mesmo. Eu construí uma história muito forte no Sporting. Quem sabe um dia trabalhe lá ou... até no FC Porto.

E em qual dos dois sítios preferia trabalhar?

Um ou outro, o que me convidar primeiro. A história que tenho no futebol português fala por si, pena as coisas erradas que fiz no meu passado e das quais me arrependo muito, mas hoje estou numa fase muito boa.

Sente que tem uma imagem a limpar no futebol português?

Eu quero mostrar que estou bem agora, mas para isso tenho de ter oportunidades. Tenho dois filhos portugueses, passaporte português. Adoro esse país, quero regressar e gostava de estar aí para o ano para abrir o meu escritório e ter um negócio relacionado com a gestão de carreiras de jogadores. Estou a dar tempo ao tempo para que as coisas aconteçam. Tive os meus problemas, mas hoje estou recuperado e quero mostrar isso aos portugueses.

Jardel partilhou balneário com Sérgio Conceição. Hoje ele é treinador do FC Porto. Sente um pouco de ciúme por ver onde chegou o seu antigo companheiro?

De maneira alguma. Nunca vou ter ciúme, nem inveja de ninguém, porque isso não faz parte do meu carácter. Torço muito para que o Conceição consiga concretizar os seus objetivos e um dia até possa ganhar a Champions League com o FC Porto. A minha oportunidade no Sporting ou no FC Porto vai chegar e, volto a sublinhar, quero muito trabalhar nas categorias de base de um ou outro clube. Espero que eles [dirigentes dos dois clubes] peguem no telefone e me contratem.

Hoje cometem-se verdadeiras loucuras de mercado. Quanto é que o Jardel de 2002 valeria atualmente

Uns 300 milhões de euros [risos].  Vá... entre 250 a 300 milhões de euros.

Acredita que os valores praticados hoje estão bastante acima da real qualidade dos atletas? 

É surreal, esses valores são de outro planeta. Os valores pelos quais são vendidos não correspondem à real qualidade dos jogadores. É bom para os clubes que arrecadam muito dinheiro, tornando-se uma boa oportunidade para os emblemas portugueses investirem ainda mais em jovens da formação.

Sete perguntas rápidas

Ronaldo ou Messi? Ronaldo.

Melhores companheiros que teve no ataque? Drulovic e João Pinto.

Jogador mais engraçado com quem partilhou balneário? Chaínho.

Defesa mais difícil de ultrapassar? Não houve nenhum [risos].

Treinador que mais o marcou? Primeiro o Scolari, depois António Oliveira e, por fim, Fernando Santos.

Treinador que não se vai esquecer pelas piores razões? Eu tive um, no final da minha carreira, que ganhou um terço do que eu ganhei e me quis deixar no banco. Um treinador que prefiro nem dizer o nome.

Quem é o Mário Jardel da atualidade? É um homem espiritualmente em paz, que dorme tranquilo, que faz as coisas certas para darem certas. Um homem que espera a sua oportunidade para poder triunfar ainda mais. Tenho muita saúde para ainda fazer muitas coisas boas no meu futuro.

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