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"Ser nomeado para um Emmy já é igual a ganhar. É o derradeiro prémio"

Filipe Carvalho, português na corrida a um Emmy na categoria de Melhor Genérico numa Série de Televisão, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

"Ser nomeado para um Emmy sempre foi um dos meus objetivos"

Notícias ao Minuto

07/09/18 por Fábio Nunes

Cultura Filipe Carvalho

Possivelmente já viu muitos dos trabalhos de Filipe Carvalho em algumas séries de televisão conhecidas e também em filmes muito populares. O motion designer encarregou-se do genérico de séries como 'Game of Thrones', 'The Terror' ou 'Cosmos – A Spacetime Odissey' e de filmes como 'The Amazing Spiderman 2' ou 'Alice Through the Lookin Glass'. Também trabalhou nas promos de 'Taboo' e de 'The Strain'.

O seu trabalho no genérico da série 'Counterpart' valeu-lhe uma nomeação para a 70.ª edição dos Emmy na categoria de Melhor Genérico numa Série de Televisão. A cerimónia dos prémios técnicos vai decorrer este fim de semana, mas Filipe Carvalho já se sente um vencedor, como frisou ao Notícias ao Minuto.

Falou-nos do seu percurso na exigente indústria do cinema e da televisão nos Estados Unidos, dos objetivos que já concretizou trabalhando sempre a ­partir de Portugal, e das suas ambições futuras, que contemplam a aposta na realização.

Ficou surpreendido com a nomeação para o Emmy de Melhor Genérico para uma Série? Onde estava e como soube?

Estava já à espera que saíssem os nomeados, pois era uma possibilidade. Estava no meu escritório em Carnaxide a assistir à transmissão online das nomeações e assim que surgiram no fim os resultados o meu nome estava lá. Foi um momento muito interessante e celebrei com os meus colegas de trabalho. Foi muito bom.

Ser nomeado para um Emmy nesta categoria no fundo sempre foi um dos meus objetivos. Sendo que não existe esta categoria nos Óscares, este é o derradeiro prémioImagino que tenha sido um impacto muito grande saber que estava nomeado para um dos prémios mais importantes a nível mundial na indústria do cinema e da televisão.

Sim, é difícil processar algo desta dimensão. Este é, senão o principal, um dos principais prémios desta indústria e sendo português e nunca sequer tendo ido aos Estados Unidos em trabalho - trabalhei sempre remotamente a partir de Lisboa -, conseguir ser nomeado para um Emmy dá um gozo especial. Foi um trabalho que foi feito ao longo dos anos, sabendo que era uma possibilidade, embora muito remota. Por isso foi um misto de incredulidade por ser muito difícil e de grande felicidade por estar ali o meu nome.

Era um dos seus objetivos?

Sempre tive uma ambição bastante grande por trabalhar nesta área. Sempre quis chegar mais longe. Ser nomeado para um Emmy nesta categoria no fundo sempre foi um dos meus objetivos. Sendo que não existe esta categoria nos Óscares, este é o derradeiro prémio. Não costumo ligar muito a prémios, mas este é um daqueles a que é impossível não dar muita importância. É um dos poucos com que gostava de contar um dia no meu portfólio. Mas só o facto de ser nomeado já é igual a ganhar.

Vai ser uma noite muito especial para si. Já está ansioso?

Existe alguma ansiedade pela viagem em si. Por ir a Los Angeles onde tenho amigos e colegas de trabalho, pessoas com quem nunca estive pessoalmente. Existe essa curiosidade para ir aos estúdios com que trabalhei sempre remotamente. Em relação ao evento em si e à possibilidade de ganhar o Emmy, muito sinceramente, e sem querer que pareça falsa modéstia, não é uma coisa que me preocupe muito porque só o facto de lá ir já é fantástico. Se ganharmos será muito bom em várias vertentes. Será muito bom pessoalmente, será muito bom para a minha família e para os meus amigos que estão a torcer por mim, e será muito bom em termos profissionais, obviamente.

Em que consiste o trabalho de motion design?

Essa é sempre uma pergunta complexa de responder. Acho que cada um tenta responder de várias formas. Para mim motion design, e como sou muito especializado em cinema e televisão, é transmitir a atmosfera do filme, sobre o que o filme trata, o 'feeling' que o filme tem e tentar transmiti-lo para uma sequência de títulos. No caso de uma série é exatamente a mesma coisa. Como partimos do genérico, no fundo o que os produtores de uma série pretendem é a capa do livro, que tem de alguma forma resumir toda a série, tem de ter obviamente os nomes das pessoas mas acima de tudo tem de transmitir o ‘feeling’ que a série tem, isso é o mais importante para eles. É essa a parte que tem de encaixar sempre.

As melhores sequências de título são aquelas que conseguem transmitir o 'feeling' da série antes de nós sequer termos visto a série. Quando vemos o primeiro episódio, e depois vemos o segundo e vemos outra vez a sequência há ali um momento em que percebemos porque é que o genérico é assim. Para mim isso é motion design, é uma forma de destilar os episódios de uma série, de resumi-los ao mais importante. Os grandes genéricos que têm conquistado prémios ao longo dos anos são os que conseguem fazer isso.

Para mim tinha, de ser naquele mercado [Estados Unidos] porque em Portugal praticamente não existe qualquer indústria de séries de televisão e de cinema. É muito redutoraComo surgiu o convite para trabalhar no genérico da série 'Counterpart'?

Costumo trabalhar com o estúdio que foi convidado para fazer esse genérico, o estúdio Imaginary Forces. Já trabalho com eles há cerca de seis anos em vários projetos para televisão e cinema. Fui chamado pela diretora criativa do genérico para pensar concetualmente e para fazer todo o desenho do genérico porque o meu portfólio e o meu estilo de design tem muito a ver com aquilo que acabou por ser o genérico para esta série. Por isso também foi especialmente gratificante termos sido nomeados para o Emmy neste projeto, porque não é todos os dias que, quando faço os conceitos e as propostas de look, isso seja representado exatamente como fiz no genérico final. E nesse caso isto aconteceu. Praticamente tudo o que fiz foi levado até ao fim. Até o logótipo para a série fui eu que desenhei, a letra que foi usada. É raro que isto aconteça na indústria.

Tendo em conta a temática da série, qual é que foi o processo criativo para chegar a este genérico?

No caso de 'Counterpart' o estúdio teve acesso aos cenários onde eles estavam a filmar, tiveram acesso a algumas das imagens que já tinham sido captadas durante as filmagens em Budapeste, tiveram acesso direto ao realizador e ao produtor da série e isso ajuda muito. A Karin Fong, a realizadora da Imaginary Forces, conseguiu ter uma relação muito direta com os responsáveis da série e foi até lá para capturar as próprias imagens para nós podermos trabalhar dentro do estúdio. Isso possibilitou um acesso mais especial porque normalmente o que acontece quando os estúdios são convidados para fazerem propostas para genéricos é receberem um conjunto de imagens, há um briefing, as pessoas trabalham naquilo durante umas semanas e depois apresentam uma proposta. Mas desta forma, como a Imaginary Forces conseguiu este acesso, houve uma intimidade maior com as pessoas da série, o que também ajudou-nos a perceber melhor o que seria bom para o genérico.

A Karin Fong falou comigo e disse-me o que achava que era mais interessante. Deu-me toda a informação que eles lhe deram. Eles tinham aquilo a que chamam de 'bíblia' da série. Um documento com milhares de páginas com tudo, desde descrições detalhadas dos movimentos das personagens, o posicionamento das câmaras, o tipo de luz que iam ter, fotografias detalhadas dos cenários. Depois entra o processo que é mais normal para os trabalhos que faço, que é um processo de digestão dessa informação. Sendo que para fazer uma proposta para um genérico para uma série norte-americana temos no máximo três semanas, quatro em casos especiais, para apresentar propostas. Isso significa que temos de nos mexer depressa e eu tive alguns dias para ler os 'scripts' e digerir toda a informação que me deram.

Pensei no que seria melhor para o genérico, sendo que o meu estilo é conhecido por ser mais cinematográfico, mais virado para a fotografia, para ambientes mais escuros e mais dramáticos, que encaixavam perfeitamente nesta série. Procurei depois algumas referências online, procurei referências de arquitetura, que estão muito visíveis no genérico, procurei referências de Berlim, de Budapeste, de John le Carré, que escreve muitos livros de espionagem, que tem muito a ver com a série. Depois comecei a fazer algumas imagens que achei que podiam ser referências para o que seria o longo storyboard de várias imagens sequenciais que permitem perceber qual o caminho do genérico.

Neste projeto nem foi assim tão difícil encontrar caminhos porque tem muito a ver com o que gosto de fazer e ao fim de duas semanas já tínhamos um conceito bastante definido para o quer seria o genérico. 

Notícias ao MinutoFilipe Carvalho define o seu estilo como sendo mais cinematográfico© Filipe Carvalho/Facebook

Quando é que o Filipe percebeu que podia ser o momento de trabalhar mais de perto com a indústria do cinema e da televisão, nomeadamente nos Estados Unidos?

Desde que me conheço e que comecei a trabalhar nesta área do vídeo, e passei a perceber o que se fazia tanto na Europa como nos Estados Unidos, cedo entendi que era inevitável pelo menos tentar entrar na indústria do cinema e da televisão americana. Sempre gostei muito dos filmes e séries norte-americanas e sempre tive uma atração muito grande por esse universo. Para mim, tinha de ser naquele mercado porque em Portugal praticamente não existe qualquer indústria de séries de televisão e de cinema. É muito redutora. Na própria Europa pelo menos no cinema existe mas tem uma pretensão muito diferente do que aquela que existe nos Estados Unidos, é muito menos comercial.

Nos Estados Unidos o facto de ser comercial dá espaço para fazer estes genéricos mais elaborados, há uma audiência muito maior, há mais dinheiro que pode ser atribuído a estes projetos e isso são condições que me levaram a pensar que seria mais feliz a trabalhar nesta área nos Estados Unidos. Mas na verdade a principal razão para o ter feito é o simples facto de que gosto genuinamente do cinema e da televisão americana.

Em Los Angeles é difícil perceberem porque é que devem trabalhar com alguém em Portugal quando têm 50 pessoas disponíveis todos os diasComo é que se proporcionou a entrada nesta indústria nos Estados Unidos?

Em 2008, 2009 comecei a aprender sozinho como é que se trabalhava em motion design. Comecei a construir um portfólio pessoal muito dele feito de trabalhos fictícios, porque na verdade não tinha clientes em Portugal que me permitissem mostrar que sabia fazer estas coisas. Publiquei esses trabalhos online e enviei um e-mail para o estúdio que na altura fazia os grandes genéricos da televisão americana, isto em 2009 ou 2010. O e-mail incluía o meu portfólio e eu disse-lhes que gostava de ajudar e trabalhar com eles. Eles responderam no espaço de duas semanas a dizer que gostavam do meu trabalho e que gostavam de contar comigo no projeto que tinham em mãos. Comecei com esse projeto e nunca mais parei.

Trabalhou em séries e filmes muito conhecidos. Qual é que foi o projeto em que mais gostou de trabalhar até agora?

O 'Counterpart' foi um dos que me deu mais gozo fazer. Foi muito bom fazê-lo e depois ver como ficou no fim. Mas ainda assim o projeto que me deu mais gozo foi um projeto pessoal chamado 'The Architect', em que fiz tudo. Filmei, editei, fiz pré-produção, pós-produção, fiz tudo menos o áudio. Foi um amigo que fez a música. Esse projeto era uma sequência de títulos e houve duas razões para o fazer. Primeiro, queria provar a mim mesmo que conseguia fazer um genérico de uma ponta à outra cumprindo com todas as funções de produção. O meu segundo objetivo era entrar no mercado de Los Angeles onde estão os principais estúdios e as principais séries e filmes. O mercado de Los Angeles é conhecido por ser muito grande e estar repleto de estúdios e de freelancers e por isso é muito difícil entrar. É difícil para eles perceberem porque é que devem trabalhar com alguém em Portugal quando têm 50 pessoas disponíveis todos os dias.

Percebi que uma das formas de tentar quebrar essa dificuldade era fazer um projeto pessoal que mostrasse que era capaz. Uma das coisas engraçadas desse projeto foi que o editor do David Fincher viu o 'The Architect'. Enviou-me um e-mail a dizer que tinha achado piada e que tinha gostado e que o Fincher também viu parte do 'The Architect' e que se riu porque os nomes dos atores e da equipa que eu escolhi pôr nessa sequência fictícia eram de algumas pessoas que até já tinham morrido e as outras nunca iriam trabalhar todas juntas porque seria um projeto com um orçamento louco! Mas consegui a atenção deles que era o objetivo e ainda hoje sou chamado para projetos com base no ‘look’ do ‘The Architect’. Curiosamente, essa até foi uma das razões para a Karin Fong me convidar para trabalhar no 'Counterpart'. Achou que havia ali muita coisa que era parecida com o que depois veio a ser o genérico do 'Counterpart'.

É uma vitória pessoal que, trabalhando a partir de Portugal, os grandes estúdios continuem a convidá-lo para os seus projetos e a valorizaram o seu trabalho?

Sim, mas isso também tem uma razão de ser que é muito específica. O meu estilo de trabalho é quase um nicho de mercado. Sou muito cinematográfico, trabalho muito à base de fotografia, tenho um ‘look’ definido e não há muitas pessoas nos Estados Unidos que tenham este estilo tão característico e eles chamam-me muito por causa disso. Ainda assim há algumas pessoas com esse estilo e eles optam por me chamar a mim e isso é uma vitória ao fim de já quase 10 anos a trabalhar como freelancer para os Estados Unidos.

Há cerca de um ano e meio que já tem o seu estúdio próprio, o Foreign Affairs. Ter um estúdio próprio era um desejo antigo?

De há uns anos para cá que pensava que podia ser um caminho de futuro ter o meu próprio estúdio, até porque isso depois foi acelerado por algo que me surpreendeu muito que foi os clientes finais, não os estúdios com quem trabalho, a HBO, o FX, a Netflix, até mesmo a Apple recentemente, terem-me contactado diretamente para fazer projetos e para fazer tudo. Não só o conceito e o design, mas também a animação, as filmagens e a entrega final do projeto. Quando isso aconteceu eu era só o Filipe Carvalho, que trabalhava no meu estúdio em casa. Não podia responder que sim porque não tinha capacidade de produção. Mas foi aí que comecei a perceber que se calhar seria boa ideia criar um estúdio e rodear-me de pessoas, criar aqui alguma estrutura que pudesse suportar estes pedidos porque se eles acreditavam em mim e queriam dar-me o trabalho diretamente, então devia capitalizar essa confiança e aproveitar esses contactos e começar a trabalhar com um estúdio próprio.

Abri a Foreign Affairs em conjunto com a Até ao Fim do Mundo. Estou fisicamente no edifício da Até ao Fim do Mundo em Carnaxide, mas tenho o meu escritório Foreign Affairs. Quando aparecem projetos, lidero como diretor, realizador e faço também trabalho de design e depois chamo freelancers, alguns portugueses mas a maioria são norte-americanos com quem trabalhei ao longo dos anos. E depois quando ganhamos os projetos, a produção é dividida. Estou rodeado de uma estrutura bastante grande e sólida que me permite responder ao contacto de uma HBO ou de uma Apple.

O cinema está a atravessar um deserto, com muita pena minhaTem apostado na realização nos últimos anos. A médio-longo prazo pretende dedicar-se a isso a tempo inteiro?

Esse é um caminho que faço paralelamente. É algo que faço há cerca de dois anos e que distingo de alguma forma de tudo o resto. É um caminho como realizador que procuro fazer com projetos muitos deles de televisão. Agora estamos a tratar do projeto que será apresentado no início do ano que vem e para o qual ganhámos o apoio do Instituto do Cinema e Audiovisual. A única coisa que posso revelar neste momento é que é um projeto no qual sou realizador, produzido pela Até ao Fim do Mundo e é sobre fotojornalistas de guerra. Estamos neste momento em pré-produção e já a começar alguma produção. O projeto chama-se 'Viewfinder' e é uma série que é uma ideia minha, um conceito meu. Será a minha primeira obra como realizador porque tudo o que fiz como realizador até agora foram projetos mais pequenos.

Como analisa o atual panorama na indústria marcado pelas megaproduções, os filmes de super-heróis, a proliferação de séries de televisão e a existência de plataformas como a Netflix, por exemplo, que compram os direitos de filmes e estreiam-nos ali?

A Netflix veio alterar todo o panorama e agora os outros canais têm de correr atrás, o que quer dizer que a produção de séries originais e de compra de direitos de séries a nível global aumentou imenso. Isso tem um lado bom e um lado mau. O lado mau é que há muitas séries que não prestam porque eles têm de preencher um determinado número e é mais pela quantidade e menos pela qualidade. Mas para alguém como eu, que trabalha em motion design, existe muito trabalho. Isso significa que há mais estúdios a aparecer, há mais emprego na área, mais possibilidades de fazer bons projetos e de ganhar mais prémios. Todos podem ter oportunidade de se exprimir. Nos Estados Unidos com mais força, mas também a nível global.

No cinema isso acaba por funcionar ao contrário. O cinema está a sofrer bastante porque os filmes de super-heróis são praticamente os únicos com mais sucesso de bilheteira, e mesmo assim não têm muito porque as pessoas não estão a ir ao cinema. Os orçamentos são canalizados para as chamadas apostas seguras, como os filmes de super-heróis e as suas sequelas. O que quer dizer que os filmes que víamos mais antes, os dramas policiais, os thrillers políticos, praticamente desapareceram. Resistem apenas alguns filmes de terror e algumas comédias, mas mesmo essas não têm tido sucesso. O panorama de filmes que tem saído é francamente mau. Em termos de motion design feito para esses filmes, os únicos que ainda têm esse trabalho são os filmes para super-heróis e não são assim tantos ao ponto de se poder falar numa indústria.

No global é bom, nomeadamente no que toca às séries. Já o cinema está a atravessar um deserto, com muita pena minha. Espero que volte em breve porque ir ao cinema ver o filme e depois ver uma sequência de títulos como eu vi quando saiu o 'Seven', do David Fincher, para sempre alterou aquilo que todos achavam ser possível fazer para um genérico. Hoje em dia quem começa nesta área não tem essa referência, não existe nenhum filme que o faça e espero que isso volte um dia.

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