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"Há um bocadinho um 'encosta para canto, é português'. Isso tem de mudar"

Os Expensive Soul estão prestes a completar 20 anos de carreira e Tiago Novo, mais conhecido como New Max, esteve à conversa com o Notícias ao Minuto para um balanço destas duas décadas.

"Há um bocadinho um 'encosta para canto, é português'. Isso tem de mudar"
Notícias ao Minuto

30/08/18 por Sara Gouveia

Cultura Expensive Soul

Começaram a dar os primeiros passos quando corria o ano de 1999, mas só se estrearam na cena mainstream em 2004, com o clássico B.I. São uma das bandas portuguesas com mais sucesso da sua geração, têm uma sonoridade única e um estilo muito próprio. Certo é também que desde que ficámos a saber que Leça da Palmeira era a terra mais bonita de Portugal já passou mais de uma década e os Expensive Soul já vão a caminho dos 20 anos de carreira. 

O alcance dessa fronteira vem com um novo capítulo e traz consigo um álbum, do qual para já ainda só se conhece o single de apresentação ‘Limbo’. Foi lançado em março deste ano e esta canção de amor, “que faz apetecer dançar” e com uma energia como a banda nunca antes teve, mas à qual já nos habituou, foi o pretexto para que Tiago Novo, mais conhecido como New Max, estivesse à conversa com o Notícias ao Minuto.

Em nome do duo fez um balanço da carreira, falou sobre o panorama musical português, antecipou o esperado quinto disco e explicou qual é a mística de gravar em analógico.

Sem nunca termos pensado que podíamos chegar aqui, é onde queremos estarAproximam-se dos 20 anos de carreira, quem são os Expensive Soul neste momento?

Neste momento são dois cidadãos comuns [risos], com responsabilidades como qualquer outra pessoa, com 36 anos cada um. São pessoas muito felizes por, 20 anos depois, poderem continuar a fazer música e a fazer o que gostam, com a mesma aceitação e a conseguirem cada vez chegar a mais pessoas. Não podia ser melhor. Sem nunca termos pensado que podíamos chegar aqui, é onde queremos estar.

Desde a garagem da casa dos teus pais, como se explica o vosso sucesso até agora?

Houve muito trabalho e continua a haver, muitas horas de estúdio, muitas horas à procura daquele som, mas também há muita sorte à mistura.

Acho que agora a equipa é tão grande que sentimos outra responsabilidade, porque além de tudo é uma empresa que integra vinte e tal pessoas, já há muitos anos, então há um cuidado maior. Quando comecei a fazer música se não trabalhasse três ou quatro dias não havia problema, hoje em dia, já tenho de pensar nessas pessoas e nessa mega-estrutura que se criou.

Começámos numa garagem, fiz discos em quartos com 12 metros quadrados e hoje em dia temos um espaço à séria. Fomos subindo de disco em disco, de patamar em patamar, mas acho que foi de forma natural. Nem sentimos os 20 anos a passar.

Passados todos este anos, Leça da Palmeira ainda é a terra mais bonita de Portugal?

É a nossa terra de infância, onde crescemos e passámos tantos momentos. Mas entretanto fomos descobrindo outras terras, começámos a ir tocar a sítios onde nunca tínhamos estado e posso dizer que Portugal é o país mais bonito do mundo.

Falta-nos fazer uma produção nossa na maior sala de espetáculos do paísO que é que ainda vos falta fazer?

Ainda nos falta fazer muita coisa. Acho que nos falta fazer 50 anos de carreira [risos]. Falta-nos fazer uma produção nossa na maior sala de espetáculos do país, que é neste momento o Altice Arena e estamos a tentar organizar-nos para que isso aconteça no próximo ano. Já fizemos os Coliseus e, na verdade, o Altice também, mas nunca foi em nome próprio, por isso acho que é uma das coisas que vamos fazer para o ano.

Olhando para trás, qual foi o momento mais alto do vosso percurso até agora?

Foram muitos. Mas posso dizer que para nós o concerto de Guimarães, quando foi capital europeia da cultura, com orquestra dirigida pelo maestro Rui Massena, foi um momento muito alto, porque mais uma vez não estávamos à espera. Sempre pensámos que um dia íamos tocar com uma orquestra, mas sempre imaginámos que ia acontecer quando fôssemos mais velhos, porque era uma coisa muito grande, uma estrutura com mais de 100 músicos. Nunca [pensámos] que aos 29 anos íamos ter essa experiência, por isso foi mesmo um momento memorável.

Quatro anos depois do último registo, 'Sonhador', a expectativa dos fãs tem aumentado. O que se pode esperar do novo álbum?

Já o estamos a trabalhar há dois anos. Vai ser um disco um bocadinho mais curto do que os outros, porque cada vez é mais difícil tocarmos as músicas ao vivo, então decidimos que este disco só vai ter dez músicas. Ainda está em construção, mas contamos até ao final do ano ou início do próximo ter o disco cá fora.

O que o distinguirá dos restantes?

A sonoridade. É um pouco diferente embora seja no seguimento do disco anterior, com um som vintage, antigo, gravado ‘à moda antiga’. Mas além de tudo é um disco onde vamos reviver os anos 90 um bocadinho, foi a nossa adolescência e estamos a ouvir coisas dessa altura neste momento.

Nunca imaginámos que íamos chegar a aqui, a poder fazer música e a poder viver disso‘Limbo’, lançado em março deste ano, é a primeira amostra do que se pode esperar. Este single marca um ponto de viragem?

Sim, é um single que é muito alegre. O beat, o andamento da música é como nunca tivemos antes, são 160 BPM’s (batidas por minuto), é uma música que faz apetecer dançar. Acho que estamos numa fase muito feliz da nossa carreira, estamos prestes a fazer 20 anos de carreira, o que para nós era impensável, nunca imaginámos que íamos chegar a aqui, a poder fazer música e a poder viver disso. Acho que o 'Limbo' é um culminar de tudo isso, é uma música feliz.

Alguma vez enquanto banda se sentiram no ‘Limbo’?

Claro que sim, houve momentos mais difíceis da nossa carreira em que nos sentimos no limbo, mas conseguimos sempre ultrapassar isso e passar para a outra margem.

Como é que se define este tema?

É sobre pessoas que se amam e que estão próximas, mas que nunca dão o primeiro passo. Acho que isso acontece diariamente, já aconteceu com todos nós, pelo menos comigo já aconteceu [risos], mas pretendemos falar disso de forma alegre, à moda dos Expensive Soul.

Recorreram a métodos analógicos para produzir este novo álbum, já o tinham feito no anterior, porque é que houve essa necessidade de voltar a esse som mais antigo?

Porque quando começámos, em 1999, as nossas influências eram atuais, era o que se ouvia, os hip-hops e o R&B da altura. Entretanto, fomos descobrindo as origens deste estilo de música e começámos a andar quase de década em década para trás. Chegámos aos 60, 70, descobrimos imensas bandas, imensos projetos, com os quais nos identificamos e gostamos muito do som dessas alturas. Quisemos ir saber como eram gravados, o que é que se usava, que tipo de microfones e compressores se usavam e foi em busca dessa sonoridade, porque também queríamos mudar um bocadinho. Começámos com os beats e a música mais atual e queríamos ter uma coisa mais analógica, até porque temos sempre a componente da banda ao vivo e queríamos trazer isso para o disco.

Foi preciso um grande investimento? Como é que se encontra esse tipo de material hoje em dia?

Foi sim, mas foi uma coisa que foi sendo feita ao longo de vários anos. Fui adquirindo vários microfones e é tudo material que hoje em dia já não se vende praticamente, tive de ir ao eBay ou ao OLX, fui recolhendo. Fiz muita pesquisa para perceber o que é que era bom desse material todo. Foi um grande investimento, mas é um bocadinho comprar ouro, porque são coisas que cada vez vão tendo mais valor à medida que os anos passam.

Ainda há um bocadinho um ‘encosta para canto, é português’ e isso tem de se mudarComo está, na vossa perspetiva, o panorama musical português hoje em dia?

Temos muita qualidade, há bandas com muita qualidade como sempre houve, mas na verdade já não oiço muita rádio por não me identificar com o que se está a fazer hoje em dia. Soa-me tudo muito igual, parece tudo muito parecido. Ainda ontem estava com uns amigos que estavam a passar umas músicas num café e cheguei à conclusão de que já não conhecia nada daquilo. Perdi-me completamente, porque como nós fomos ouvindo outras coisas para trás, acho que ficámos por aí.

Isto é um fenómeno a nível global. Começa nos Estados Unidos e vai por aí fora. Mas acho que para as bandas portuguesas darem um salto ainda maior falta que as pessoas que fazem a ligação com as comunidades portuguesas acreditem mais nestas bandas novas e não levem sempre as mesmas, mais antigas.

De resto acho que o caminho está certo, mas é necessário que haja uma aposta ainda maior da parte dos meios de comunicação, acreditarem mais, porque ainda se dá muito valor às bandas internacionais, ao que vem de fora, começando logo por cachets. Ainda há um bocadinho um ‘encosta para canto, é português’ e isso tem de se mudar.

Antigamente só gravava um disco quem era realmente muito bom, hoje em dia a música é um bocadinho descartável

E em termos de som? É preciso ir buscar sonoridades diferentes em ir buscar outras influências? 

É. Mas isso tem a ver com a era em que estamos e com a facilidade que hoje há em fazer música. Qualquer pessoa hoje em dia consegue fazer um disco em casa, como eu fiz há 20 anos no primeiro. Se não fosse assim, se tivesse de ir para um estúdio para poder gravar um disco e ter de pagar um estúdio diariamente, se calhar os Expensive Soul não existiam hoje em dia. Só que isso também trouxe muito lixo.

Antigamente só gravava um disco quem era realmente muito bom e hoje em dia a música é um bocadinho descartável, porque sai tanta coisa diariamente que nem dá tempo de assimilar tudo. No nosso caso temos tentado fugir à regra, porque não é a nossa cara e se calhar essa fuga à facilidade foi recompensadora. As pessoas quando ouvem os Expensive Soul já reconhecem essa sonoridade mais vintage. Quisemos ter essa experiência de captar um som mais antigo e isso não dá para fazer hoje em dia, a não ser que se recorra a meios mais antigos - as baterias tinham outro som, outra profundidade, mesmo a gravação, a captação e acima de tudo tem-se outro cuidado, porque só há 24 pistas para gravar, e isso já é muito bom, então, com quatro microfones, tem de se tirar o máximo partido. Hoje em dia podes ter vinte microfones e se se gravar no computador, depois logo se escolhe. Da maneira antiga o som fica mais cru, mais puro e tem outra profundidade.

Mas na verdade estas gerações novas o que ouvem é o que lhes dão, e o que lhes dão é a música atual que é gravada de outra forma. Nós tentamos fugir um bocadinho a isso.

Quem for a um concerto dos Expensive Soul vê que o público vai dos dois anos até aos 80 e todos de braços no ar O vosso público ainda se mantém o mesmo?

Foi variando ao longo dos anos. Quando começámos, o nosso público eram os nossos amigos, da nossa idade, que estavam lá na primeira fila. Mas à medida que as coisas foram crescendo os nossos amigos começaram a deixar de ir, porque começaram a achar que estava a ficar muito comercial para eles. Depois começou a haver outro público. No terceiro disco, um bocadinho mais velhos e com outra sonoridade, chegámos a outro tipo de pessoas. Lembro-me que, por exemplo, quando a Sinfónica Experience passou na televisão, dois ou três dias depois estava na receção de um hotel e veio uma senhora com os seus 70 anos ter comigo: “O menino esteve muito bem, gostei muito de o ver”. Hoje em dia quem for a um concerto dos Expensive Soul vê que o público vai dos dois anos até aos 80 e todos de braços no ar.

Que outros planos têm para o futuro?

Depois de lançarmos o disco, estamos a pensar festejar os 20 anos, no próximo ano. Estamos a pensar fazer uma série de coisas, mas não temos assim muito planeado para depois disso, até porque as coisas vão acontecendo. Cada vez vai sendo mais difícil, porque temos de nos reinventar e então agora não lançamos tão rápido os discos, demora mais tempo, temos mais cuidado, tentamos não repetir letras, há palavras que já usámos e não podemos usar outra vez. Demora, fazemos mais pesquisa e só quando estamos mesmo felizes com o produto final é que lançamos. Por isso acho que num futuro próximo só temos mesmo planeado festejar os 20 anos.

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