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"Fiz novelas por dinheiro. Sou o único ator zangado com a TVI e SIC"

Conquistou o público com gargalhadas, com a participação em 'Malucos do Riso', mas apurou o tato nas mais diversas vertentes da arte. Ator, músico, sportinguista e amante da liberdade: Victor Espadinha é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

"Fiz novelas por dinheiro. Sou o único ator zangado com a TVI e SIC"
Notícias ao Minuto

06/07/18 por Rita Alves Correia

Fama Victor Espadinha

Recebeu-nos em sua casa ao início de uma tarde soalheira para que pudéssemos embarcar numa viagem pela sua vida e carreira. É um dos veteranos da representação em Portugal: falamos de Victor Espadinha.

Emigrou para Inglaterra motivado pelo sonho de se formar como ator. Foi também um sonho, o da liberdade, que o fez regressar às origens - facto que até hoje considera "o maior erro" da sua vida.

Músico e ator, confessa-nos que é no teatro que encontra a felicidade. Está de relações cortadas com a SIC e com a TVI, fez frente ao ex-presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, mas continua a habitar um lugar especial que conquistou no coração do grande público.

Sente-se uma lenda no mundo da representação?

Não. Isto é o resultado de muitos anos de carreira.

A que lhe soa o nome Victor Espadinha?

Acho que fiz por isso [pelo reconhecimento], porque tenho várias facetas. O teatro é a minha principal atividade. Sou ator, não sou mais nada. Mas também me meti na música. Estive na rádio, fui jornalista. Depois fiz revista, drama, comédia, fiz tudo.

Em qual das vertentes, música e representação, se sente mais realizado?

O teatro é a minha praia. É aí que sou feliz, é disso que gosto e é o que estou convencido que sei fazer a 100%. O resto é um bocadinho de talento aqui e ali. Acho que todo o ator tem de passar pela música. Se nos privarmos de ser multifacetados, como é que fazemos um musical? E depois os 12 anos que passei em Inglaterra fizeram-me aprender muito.

O que retém desse tempo?

Retenho um desgosto muito grande daquele dia 26 de abril [de 1974]. Li aquilo [a Revolução] e não quis acreditar: ‘Até que enfim, liberdade!’. Não acreditava muito e estava certo. Quase sempre estou certo. Ainda há pouco estava a pensar como é que em 40 anos de democracia as crianças ainda passam fome, as pensões são de 600 euros e continua a haver este desemprego. Como é que pode ser? Em 40 anos ninguém faz nada? Alcançámos a liberdade, tudo bem, nada pior do que o regime anterior. Foi um horror e eu que o diga. Mas ao fim de 40 anos nenhum governo conseguiu fazer alguma coisa. Faço muitas digressões e vou ao Interior do país onde há pessoas que não sabem ler nem escrever, parece o tempo do Salazar. Isso dá-me algum desgosto.

Fui para Inglaterra, principalmente, pela liberdade. Voltei porque fui enganado

Recordando a ida para Inglaterra, porque é que foi e porque é que voltou?

Fui porque sempre quis ser ator e na altura, cá, não se aprendia nada no Conservatório. Mas fui para lá, principalmente, pela liberdade. Voltei porque fui enganado.

Chegou a dizer que essa foi a pior decisão da sua vida…

E foi. Já estava bem e ia dar o salto. Mais tarde vim a dar o salto aqui, mas não foi a mesma coisa. Quando já estava: ‘Até que em enfim que consegui isto tudo, pimba! 25 de Abril’. O gajo da espingarda com a criança a pôr o cravo. Quando ouvi até pensei que fosse dia das mentiras.

Quais as principais diferenças que nota no mundo artístico desde o início da sua carreira?

Em primeiro lugar, a liberdade, não há nada que a pague. A nossa liberdade hoje é um tanto ou quanto fictícia, mas não deixa de ser liberdade. Naqueles tempos nem fictícia era, era zero. Hoje a malta nova tem muito mais oportunidades, a diferença é abismal. Mas continuamos a léguas de distância da Inglaterra, França, Dinamarca… Não entendo.

A cultura tem de estar ao serviço do público, não pode estar ao serviço dos amigos É fácil ser artista, com 78 anos, em Portugal?

Não. Acho que está tudo mal na cultura. Vou dar um exemplo: existe uma certa classe de gente que não sabe fazer teatro - não sabe produzir, não sabe encenar, não sabe fazer nada. Então, vive à conta dos subsídios do Estado. Como o Estado tem de dar o subsídio da cultura seja a quem for, dá aos amigos. Então eles fazem uma peça de teatro para 15 dias porque têm um protocolo, em que num ano fazem três peças. A assistência de uma peça tem de ser comandada pelo público. Por isso é que vai a Inglaterra e pergunta há quanto tempo uma peça está em cena e a resposta são anos. Porque o público fez daquilo um sucesso e aquilo tem de estar em cena. A arte tem de ser isso. A cultura é das vertentes às quais o Governo que tem de dar uma volta, tem de estar ao serviço do público, não pode estar ao serviço dos amigos.

Sente que isso faz o público se afasta da arte?

Claro. O público quer ir ver uma chatice? Não quer. Eu sou muito contra isto tudo e não me consigo calar.

Ainda se encanta com o mundo do espetáculo?

Encanto.

O que é que ainda o deslumbra?

A emoção. A arte, para mim, é isso. Olharmos para um quadro, vermos uma expressão de uma figura e aquilo tocar-nos. No teatro é a emoção do público. Uma coisa é vermos um ator que só faz dele próprio, outra é vermos um ator que está a fazer uma determinada personagem de forma tão sublime que nos esquecemos de que é ele.

Às vezes o dinheiro também conta e aceito um papel em que nem tenho grande prazerHouve algum projeto em que se arrependa de ter participado?

Há muitos em que não entro. Se gosto de uma peça, vou até ao fim para a fazer. Mas às vezes o dinheiro também conta e, como teatro é algo que gosto muito de fazer, às vezes aceito um papel em que nem tenho grande prazer.

Considera que foi com os ‘Malucos do Riso’ que conquistou o grande público?

Foi. Devo muito a esse projeto, foi um sucesso estrondoso. Estive cinco anos nos ‘Malucos do Riso’ e o programa esteve cinco anos em primeiro lugar nas audiências da SIC. O sucesso deveu-se a um sargento que eu fazia, três alentejanos e o cigano.

Entrei nos ‘Malucos do Riso’ porque a produtora Helena Burguete dizia que eu tinha de ir para o programa, que estava sempre a insistir com o Jorge Marecos - produtor da série - e ele questionava se eu tinha jeito. Levou quase um ano a convidar-me e quando convidou, desforrei-me. Pedia aumentos todos os anos. Sou um bocado assim, ‘vingativo’. Ainda hoje me falam dos ‘Malucos do Riso’. E depois acabaram com aquilo. Foi uma senhora chamada Teresa Guilherme, que é uma nulidade que conheço em ficção que foi para diretora de programas da SIC.

Na altura indignou-se?

Um pouco. O português da encenação e da direção de espetáculos é uma espécie de pessoa estranha. O melhor realizador de cinema português de todos os tempos, para mim, foi um tipo chamado José Fonseca e Costa. Ele só tinha dificuldades, nunca tinha trabalho, não lhe davam dinheiro para fazer os filmes. Não percebo porque é que isto só se passa em Portugal. Há outros realizadores, que nem vejo porque adormeço, que têm tudo.

Sou único ator português que está zangado com a SIC e TVI. Hoje, quando muito, trabalho para a RTPA ficção tem apostado em novos formatos, nomeadamente em novelas com várias temporadas. Acompanha essa evolução com uma perspetiva positiva?

Não. Não gosto de telenovelas. Já fiz algumas por dinheiro. Sou único ator português que está zangado com a SIC e TVI. Zanguei-me com a SIC ainda antes da Gabriela Sobral, na altura era o Luís Marques, zanguei-me com ele. Nunca mais pus os pés na SIC. E na TVI com o José Eduardo Moniz. Onde ele estiver, eu não entro. São pessoas que considero incompetentes. Não entendo como é que a SIC, estação do Balsemão, que era uma estação que dava cartas no tempo do Rangel, agora leva ‘porrada’ da TVI todos os dias. Hoje, quando muito, trabalho para a RTP.

Chateou-se por se sentir injustiçado ou pelas transformações que acontecem no mundo da televisão?

Por tudo. Acho que nas telenovelas metem os amigos. A TVI despediu o Ruy de Carvalho? Estamos a brincar ou quê? É pura incompetência e não aguento, isto é superior às minhas forças. O Ruy de Carvalho é um grande profissional, já deu cartas, é um ator enorme. Não se pode despedi-lo.

Sente que os atores mais velhos ficam esquecidos?

Exatamente. Acho muito bem que os novos atores tenham oportunidades, mas temos de olhar à qualidade e ao talento das pessoas. É rara a vez que vejo uma novela, mas quando vejo aquilo é tão, mas tão mal desempenhado. Aquilo não tem classificação, o Zé é o Zé, o Albano é o Albano. Eles [os atores] são eles próprios. Não se nota a essência das personagens.

Perde-se a essência da arte na ficção de hoje em dia?

Evidentemente que há atores enormes, mas não são respeitados. O José Raposo é um grande ator, não é respeitado. A Rita Blanco não é respeitada, ela está ali porque precisa de ganhar dinheiro.  

Numa época em que as redes sociais são um meio tão intrínseco à promoção das figuras públicas, sente que os a perceção do que realmente é um ator está um pouco camuflada?

As redes sociais são a melhor coisa que apareceu até hoje, por um lado. Porque se me apetece escrever um artigo a dizer que o Bruno Carvalho é louco, escrevo. Se for para um jornal dar uma entrevista, o jornal pode não querer. As redes sociais são nossas e têm uma força que as pessoas nem têm noção. Dei uma entrevista - ressalvo que sou sócio do Sporting Clube de Portugal há 65 anos e acho que este gajo [Bruno de Carvalho] devia estar no Júlio de Matos, é completamente psicopata, é bipolar, tem todos os defeitos e devíamos ter condescendência e dar-lhe tratamento, ele é louco -, e falei nele para uma estação de televisão e teve 700 espectadores, é irrisório. Dei uma outra entrevista que foi publicada nas redes sociais e teve meio milhão de espectadores. Isto são as redes sociais, são de uma força incalculável.

Estava tudo contra mim, ofenderam-me. Agora todos me pedem desculpaTer essa liberdade total de expressão e sendo uma figura pública, não se inibe nunca de expor as suas opiniões? Tomando como exemplo os acontecimentos recentes no Sporting, que o Victor tem comentado.

Não, nunca. Apoiei a presidência dele, mas passado dois meses saí do Conselho Leonino quando vi a pessoa que ele é. Estava tudo contra mim, incluindo o Jaime Marta Soares. Diziam que não devia ter saído e que ele era um grande presidente. Ele é louco. Vou contar porque saí. Esse desgraçado, essa anedota, - eu dei uma entrevista ao Record - mandou dizer, através de um tipo que colaborava com ele e que entrou em contacto comigo, o seguinte recado: a próxima entrevista que eu desse ele queria ler primeiro. Ninguém imagina o que disse ao Carlos Seixas para lhe dizer a ele, foi um palavrão mas dos grandes. Logo a seguir, tentou fazer as pazes comigo e convidou-me para almoçar no restaurante do Sporting e eu fui. Pensei que me ia pedir desculpa. Nessa altura ele vende um jogador por 10 milhões de euros chamado Bruma e então disse que me ia explicar como fez o negócio. E escreve num papel “hepatite” e mostra-me. Eu não estava perceber. Então do que é que ele se gabava? De ter vendido um jogador que sofria de hepatite. Pensei: “este gajo não presta”. Levantei-me da mesa e podem imaginar para onde é que o mandei. Até hoje. Estava tudo contra mim, ofenderam-me. Agora todos me pedem desculpa.

Apoiou as rescisões dos jogadores?

De todos. Têm todos razão no que fizeram. Ponho-me no lugar deles: se fosse jogador e levasse um encher de porrada, não queria mais estar ali. Fosse Sporting, Benfica ou FC Porto. Têm todos razão e se há alguém que pense que a cláusula de rescisão com certos jogadores não vai funcionar, posso garantir que vai. Não há nenhum tribunal que não dê razão a um jogador que foi agredido.

Teve cinco filhos de quatro mulheres. A fama ajudou-o a ter sucesso no amor?

Ajudou e ainda ajuda. Não é por ser alto, bonito, musculado, não é nada disso. É a minha carreira e o prestígio que tenho que é meio caminho andado.

Costuma-se dizer que o reconhecimento mediático pode aproximar tanto quanto afasta…

Exatamente, mas para mim não.

Sendo uma figura tão popular, alguma vez provou o lado mais amargo da fama?

Não sei como responder a isso, mas acho que não. A boa fama torna a vida mais fácil em tudo. A parte má é que às vezes queremos estar em paz e não conseguimos.

As pessoas sempre me disseram o que eu gostava de ouvir e é isso que dá a boa famaExiste uma forma certa para delinear o limite entre a vida pessoal e aquilo que se expõe ao público?

Não. Acho que as pessoas gostam de mim porque eu leio, por exemplo, nas redes sociais, aquilo que dizem sobre mim. As pessoas sempre me disseram o que eu gostava de ouvir e é isso que dá a boa fama. A única coisa que tive foram uns 100 ou 200 indivíduos contra mim com isto do Sporting. Mas na parte profissional, não.

O público pode sempre contar com a verdade de Victor Espadinha?

Há certas verdades que nós nunca contamos. A maior parte da verdade profissional, sim. Agora na vida particular há coisas que não conto, não importa saber. Se estou com esta ou com aquela…

Já está numa fase em que não faz fretes…

Não faço fretes nenhuns.

Profissionalmente, ainda guarda sonhos?

Guardo sempre. Durante anos andei com uma ideia para uma peça e no outro dia contei esta ideia ao encenador Celso Cleto e ele disse para escrevermos porque era uma peça do caraças. Já escrevi dois livros, mas nunca uma peça de teatro. Mas ele insistiu e começámos a escrever. E não é que isto está a andar para a frente? Não sei explicar.

Quais os projetos que tem para o futuro?

Vou continuar no teatro, que é o que gosto de fazer. Estou a gravar um fado, a convite do Francisco Silva. Nunca gostei de fado tradicional, mas esta malta nova de fadistas fez-me gostar. Escrevi a letra e estou a gravá-lo.

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