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Vozes ao Minuto: "Costa quer maioria absoluta mas nunca o vai reconhecer, nem sob tortura"

Vozes ao Minuto: José Miguel Júdice e Pedro Fontes Falcão, os autores de 'À Conversa Sobre Negociação' são os entrevistados de hoje do Vozes ao Minuto

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© Blas Manuel / Notícias Ao Minuto

Pedro Filipe Pina
24/05/2018 08:20 ‧ 24/05/2018 por Pedro Filipe Pina

País

JM Júdice/PF Falcão

José Miguel Júdice, advogado e rosto conhecido do comentário nacional, juntou-se ao gestor e professor universitário Pedro Fontes Falcão para uma "brincadeira" que virou livro.

A "brincadeira" aqui é um tema que ambos apreciam e que se intromete nos mais variados assuntos. Eis a palavra chave: negociação.

Com ela às costas, o advogado e o gestor partiram numa viagem de palavras que vai do condado Portucalense até aos nossos dias.

É que D. Afonso Henriques, tantas vezes eternizado de escudo e espada, não se fez rei só pela guerra. A negociação foi outra 'arma' que usou. 

De António Costa a Rui Rio, de Trump a Kim Jung-un, passando pelas nossas "ilusões" perante políticos, o Notícias ao Minuto pegou na mesma palavra-chave e abriu a porta a uma conversa que nem o 'reino' de Alvalade deixou de fora.

Foi difícil a negociação entre ambos para chegarem a este livro?

Pedro Fontes Falcão (PFF) – [Risos] Foi fácil. A ideia de fazermos um livro juntos foi minha, o modo como o livro foi feito é do José Miguel. Depois podemos discutir quem foi o pai e a mãe da ideia mas pronto, fomos os dois pais...

José Miguel Júdice (JMJ) – …Agora podemos ser os dois pais, não há qualquer limitação [risos].

PFF – Mas voltando um pouco atrás na história: dou a cadeira de Negociação no ISCTE e já antes tinha convidado o José Miguel para dar umas aulas e a relação manteve-se desde então. Os alunos adoravam e daí surgiu esta ideia de fazer um livro, a partir de conversas.

A negociação é o tema do livro mas a experiência de leitura é quase um passeio pela história até as nossos dias.

JMJ – Isto nasceu dos temas que eu tratava numa aula. Achei – e é minha a responsabilidade do que correu mal – que de facto um dos defeitos dos tempos atuais é que as pessoas têm de tomar decisões e não têm informação histórica, cultural, não têm o espírito aberto para essa mesma informação. E, portanto, não aprendem com os sucessos e com os erros dos outros. Mas foi também uma forma de desconstruir a ciência da negociação. Não tivemos nenhuma ambição de escrever um livro de história ou ciência política ou psicologia, nem sequer de negociação. Tivemos como objetivo divertir-nos a conversar e no final decidirmos se era para publicar ou deitar fora.

E decidiram publicar.

JMJ – Como é difícil nós dizermos que os nossos filhos não são os mais perfeitos do mundo, decidimos publicar e houve um editor que foi insensato ao ponto de nos aceitar. Espero que não se aplique aqui uma divertida máxima que me impressionou nos meus 14 anos. “Um estúpido tem sempre algum estúpido que o admira, um estúpido para o imprimir e estúpidos para o ler” [risos]. 

O poder na prática tem a ver com perceção, não interessa o poder que tenho, interessa o poder que acham que tenho. Vê-se isso com Donald Trump e Kim Jong-unAo longo do livro fazem questão de realçar que, na arte da negociação, há sempre uma relação de poder. Porque é que é importante esta ressalva?

PFF – Um dos aspetos chave em qualquer negociação é o poder que percecionamos que temos e o que percecionamos que outros têm. O poder é tema que dava para outro livro...

JMJ – Quem sabe!

PFF – Quem sabe… O poder na prática tem a ver com perceção, não interessa o poder que tenho, interessa o poder que acham que tenho. Hoje em dia vê-se isso com Donald Trump e Kim Jong-un. Que poder tem Kim? O de carregar no botão e disparar mísseis. A questão é se acreditamos que ele de facto é maluco para carregar no botão e acabar com a Coreia do Norte – porque se ele carregasse no botão os outros fariam o mesmo. Quem acreditar que tem, tem medo, ainda que a Coreia do Norte seja destruída. O poder limita e condiciona a nossa ação perante os outros. Somos mais agressivos ou receosos em função dessa análise. Não sei o que vai na cabeça do Trump mas percebeu-se que ele procurou que a China diminuísse o apoio dado à Coreia do Norte para retirar poder aos norte-coreanos. A questão do poder é chave para qualquer negociação.

Notícias ao Minuto "A questão do poder é chave para qualquer negociação", realça Pedro Fontes Falcão © Blas Manuel / Notícias Ao Minuto

Já esteve mais próxima de acontecer a histórica cimeira com os EUA, entretanto Kim Jong-un recuou na ideia. Estamos perante uma técnica de negociação ou uma regressão no processo?

JMJ – Tudo antes do momento decisivo de uma negociação existe em função dessa negociação, mesmo que não seja pensado para tal. Existe. Acaba por se impor. Soubemos que foram marcados uns treinos militares entre a Coreia do Sul e os EUA para agora. Quer tivessem sido marcados de propósito, quer tivessem sido mantidos de propósito, tiveram um efeito na negociação. É natural que haja mecanismos pré-negociais que se insiram no processo negocial – servem também como teste para determinar até onde a outra parte está disposta a ir.

Mas isso por vezes pode correr mal.

JMJ – Se os processos de negociação não pudessem terminar em catástrofe, qualquer pessoa os fazia. Mas muitas vezes acabam mesmo em catástrofe. E acabam assim quando não era preciso. Isso pode ser por uma errada aferição da relação de forças, como o Pedro estava a explicar. Há fatores externos que podem interferir e que alteram todos os dados do problema. Uma negociação é um campo de forças. Um fator imprevisto pode alterar tudo. O que quer dizer que uma boa estratégia de negociação se pode tornar péssima se forem alterados certos fatores. A negociação é uma coisa muito complexa porque é preciso estar atento a tudo – mas é também o que tem de fascinante.

No livro aborda-se o conceito de negociadores imprevisíveis. Trump e Kim estão nesta categoria?

PFF – Acho que sim. E acrescentaria de algum modo o Putin. É difícil negociar com eles porque não sabemos como vão reagir perante uma ação nossa. Pensemos no futebol: os jogadores sabem que se simularem que vão para um lado, o defesa à partida também vai para esse lado. Mas se o defesa se virar para o outro lado ou ficar quieto, isto baralha-nos o esquema. Vai contra os pressupostos que tenho de ação-reação.

Depois há outra coisa que também acontece: negociamos tudo, está tudo certinho, e mesmo antes de assinar o papel dizem-nos que mudaram de ideia. Obviamente que é muito difícil negociar com essas pessoas. O Putin, ainda assim, é menos maluco que o líder norte-coreano. Esse é imprevisível e louco. São negociadores com quem é muito difícil negociar e que por vezes têm sucesso por isso. Como não sabemos como reagem ou temos medo que roam a corda no último minuto, por vezes acabamos por ceder mais do que faríamos noutras situações. O Trump, sendo ele louco imprevisível, não sei até que ponto será até melhor negociador com Kim Jong-un do que se calhar um anterior presidente, mais previsível e estruturado nas negociações.

Notícias ao MinutoAs vantagens e desvantagens dos negociadores imprevisíveis© Blas Manuel / Notícias Ao Minuto

Trump é referido umas páginas mais à frente como um "oportunista cósmico" (p.183). Este cósmico não é palavra escolhida ao acaso. De que falamos?

JMJ – Às vezes uso a palavra cósmico para dar a ideia de dimensão. Mas todo e qualquer político tem uma componente essencial de oportunismo. Nós que não somos políticos gostaríamos que a política fosse um campo em que os valores e as ideias fossem decisivas. Mas usemos o exemplo de outra indústria, como a da produção de legumes. Ninguém espera que um produtor tenha uma ideologia que o leve a produzir apenas feijão verde e que mesmo que o mercado não queira comprar feijão verde continua a produzi-lo porque tem uma história e valores. Nós achamos que deve produzir feijão verde ou alface ou couve-de-bruxelas, em função do que o mercado quer comprar.

Os políticos vendem-nos o que queremos comprar. Um político tem de ser oportunista. Não digo que tenha necessariamente de vender a mãe Aplica-se a mesma lógica à política?

JMJ – Devíamos perceber que é a mesma coisa: os políticos vendem-nos o que queremos comprar. Umas vezes dizem que o feijão verde é que é bom, porque sabem que nós queremos ouvi-lo, outras vezes dizem que couves-de-bruxelas é que são boas, porque acham que somos nós que temos de ouvir isso. Às vezes também podem ser proativos, isto é, convencer-nos de que a couve-de-bruxelas é boa – apesar de não haver ninguém que possa achar que aquilo é bom [risos]...

Os políticos podem influenciar a realidade, não se limitam a olhar para as sondagens. Mas basicamente o que eles querem é vender-nos alguma coisa. A desconstrução da política desta forma talvez crie algumas desilusões às pessoas. Mas um político tem de ser oportunista. Não digo que tenha necessariamente de vender a mãe. Como dizia Groucho Marx: nós temos ideias. Se não gostarem arranjamos outras.

Mas voltando ao Trump. Ele é um oportunista cósmico porque é da maior potência mundial, mas também porque não há rigorosamente nada nele em que se possa dizer que ele crê em algo. É um oportunista total, mas atenção, eu nunca achei que os oportunistas fossem censuráveis.

Notícias ao Minuto"António Costa é um excelente oportunista", diz-nos José Miguel Júdice © Blas Manuel / Notícias Ao Minuto

No livro, o José Miguel Júdice volta a referir-se a António Costa como oportunista. A palavra neste contexto tem uma carga crítica ou elogiosa?

JMJ – É uma carga, para pôr a coisa em termos teóricos, gnosiológica, que visa registar uma realidade, não tem uma carga axiológica. Não estou a dizer que ser oportunista é bom ou mau, estou apenas a dizer que é adequado. E depois há quem seja melhor ou pior oportunista. O Trump ainda não sei se será bom. Já Costa é um excelente oportunista.

Volto a dizer: não há uma carga ética subjacente. Um dos grandes defeitos da política é misturarmos categorias de entendimento. Misturamos ética com coisas que não têm a ver com ética e depois exigimos que as pessoas atuem de acordo com padrões com os quais não podem atuar. Nós de certa maneira queremos ser iludidos. E depois quando nos desiludimos, trocamos de políticos como o Groucho Marx trocava de ideias.

A dada altura do livro recordam a expressão que Vítor Gaspar terá dito a um colega ministro, na altura da troika: “Não há dinheiro. Qual destas três palavras é que não percebeu?”. A frase soa a irredutível mas é também uma negociação, não?

PFF – É uma maneira de negociar que passa por um lado por mostrar o poder que temos e, por outro, mostrar que há uma limitação de recursos. Qual é que era a mensagem a passar? 'Eu até gosto imenso de si e até queria ajudar mas...'

JMJ – Eu acho que ele não se preocupou muito com isso... [risos]

PFF – [risos] Pois. Mas esta tática negocial geralmente quer dizer 'eu até gostava de ajudar, mas não posso, portanto não vale a pena insistir'. É uma forma de fechar o assunto a meu favor com uma restrição que não controlo. Às vezes é verdade, há essa restrição, outras vezes não é tão verdade mas usamos essa restrição para ganhar a negociação.

Centeno foi capaz de dar segurança aos que mandam no sentido em que não ia passar a dizer depois as coisas todas ao contrárioE um caso como a chegada de Mário Centeno ao Eurogrupo, é triunfo da negociação?

JMJ – Seja pelas melhores ou piores razões (para o caso pouco importa), mas se os que realmente mandam na Europa, os que fazem a chuva e o bom tempo, querem manter uma linha de estratégia de uma certa forma é muito mais inteligente ter como imagem disso alguém que vem de um país que passou 'as passas do Algarve', e vai continuar a passá-las, do que ir buscar alguém que vem de um país que acha que outros é que devem passar 'as passas do Algarve'. Acho que esse deve ter sido um fator, que foi facilitado evidentemente porque Centeno foi capaz de dar segurança aos que mandam no sentido em que não ia passar a dizer depois as coisas todas ao contrário.

Claro que as pessoas são naturalmente seduzidas – e Centeno seguramente que foi seduzido com um caderno de encargos com os quais pode brilhar. E ele até pode dizer agora que as regras vão mudar um bocadinho para serem mais aceitáveis para quem vem do Sul. Mas não muda nada. De resto, às vezes também há oportunidades que se criam através do vazio.

Como assim?

JMJ – Sempre ouvi dizer que o Durão Barroso nunca teria sido presidente da Comissão Europeia se não tivesse havido a debacle em 2004 em Espanha com o atentado da Al-Qaeda a ser atribuído à ETA. O José Maria Aznar passou a ser uma figura tóxica e assim houve uma oportunidade para o Barroso. Bill Clinton, aliás, que foi um bom presidente, nunca teria sido candidato se não houvesse a convicção firme de que Bush pai ia voltar a ganhar. Entre os pesos pesados do partido democrata nenhum se quis candidatar. Quem se atirou para a frente? Quem não tinha nada a perder.

Centeno também tinha a vantagem de ser um socialista, numa altura em que na Europa praticamente não há nenhum socialista, o que até fica bem. Se você fizer um ramo de flores com umas lindas flores rosas e uma rosa branca, é engraçado. Digamos que o Centeno também foi uma flor um pouco diferente para ajudar a dar mais colorido ao ramalhete.

PFF – Sabe que o contexto também nos molda e o de Vítor Gaspar foi muito difícil. Já Centeno tem uma situação melhor do que a dos antecessores. Mas creio que no passado também era menos difícil ser ministro das Finanças porque, na prática, os stakeholders eram todos nacionais. Agora temos cada vez mais stakeholders internacionais, que são intervenientes e acabam por delimitar o trabalho dos governantes. Ainda há uns anos ninguém ligava aos défices e agora há regras claras por cumprir. Há muitas entidades com que lidar. É mais exigente.

Notícias ao Minuto"António Costa quer a maioria absoluta. Mas nunca o vai reconhecer, nem sob tortura" © Blas Manuel / Notícias Ao Minuto

E o que podemos esperar das próximas eleições, uma nova versão da dita ‘geringonça’? Que António Costa podemos esperar enquanto negociador?

JMJ – A diversidade de fatores este ano é tão grande que é praticamente impossível prever. Pode haver uma mudança do clima económico ou de política internacional, ou uma subida forte do petróleo, ou algum escândalo político, sei lá, pode haver tanta coisa. O que diria é que, na minha convicção, e apesar de António Costa dizer o contrário, é que ele quer a maioria absoluta. Mas nunca o vai reconhecer, nem sob tortura.

Se Costa achasse que ia ter uma catástrofe nas eleições, como bom oportunista faria as cambalhotas que tivesse de fazer. E se for necessário fazer um acordo com o PSD, faz, porque no fundo se está rigorosamente nas tintas Ainda recentemente António Costa voltou a mostrar a sua preferência pela 'geringonça'.

JMJ – É muito curioso que o Presidente da República disse que se não houver Orçamento [do Estado para 2019] aprovado, há eleições. Costa respondeu que se não houver acordo com PCP e Bloco de Esquerda, demite-se. A mensagem devia ser ‘nem para sobreviver faço acordo com o PSD’. Poderá parecer uma má técnica de negociação até porque ele está a dizer que [CDU e Bloco] têm um poder imenso. Como se fosse um 'estejam tranquilos que se realmente não fizerem acordo comigo, não faço com o PSD'. Mas acho que é exatamente o contrário. Costa está a pôr uma pressão enorme naqueles dois partidos, que poderão ser responsabilizados de um ponto de vista de Esquerda pelo colapso.

Se, até lá, Costa achasse que ia ter uma catástrofe nas eleições, como bom oportunista faria as cambalhotas que tivesse de fazer. E se for necessário fazer um acordo com o PSD, faz, porque no fundo se está rigorosamente nas tintas.

E Rui Rio? Um dos primeiros atos políticos após assumir a liderança do PSD foi uma negociação com o PS, algo que não aconteceu enquanto Passos Coelho liderou a oposição. Este choque era importante para o PSD?

JMJ – Era porque a opinião pública em geral quer acordos entre o PS e o PSD. Inorganicamente, as pessoas acham que é melhor que o PS se alie ao PSD do que ao Bloco e ao PCP, exceto evidentemente a ala esquerda do PS e os próprios PCP e Bloco.

Sabe que um dos grandes problemas da política é que as personalidades amadas muitas vezes não têm sucesso. Podia dar dezenas de exemplos. É quase como dizer ‘gostava para genro ou para nora’. Que nenhuma nora ou genro fique ofendido com o que estou a dizer mas isso não é necessariamente o melhor elogio que se pode fazer a uma pessoa.

Atenção: Rui Rio não deve ser subestimado. Tem vencido eleições em condições que eram aparentemente adversas. É um tipo que faz bem política e que, lá está, sabe negociar Como assim?

JMJ – O que quero dizer com isto é que muitas vezes aquilo de que gostamos não é o que queremos na hora de decidir.

Essa [negociação] foi a estratégia do Rui Rio mas ainda se está a definir. Mas atenção: Rui Rio não deve ser subestimado. É um tipo que tem vencido eleições em condições que eram aparentemente adversas. É um tipo que faz bem política e que, lá está, sabe negociar. Quando ele enfrentou o FC Porto, todos os especialistas diziam que era um erro absoluto porque a esmagadora maioria das pessoas do Porto gosta do clube. Mas Rui Rio fez de si uma pessoa capaz de dizer não a Pinto da Costa, o que era muito importante para as pessoas que queriam alguém que fosse capaz disso. Para muito outros, no calor da emoção, isso era importante. Mas quando chegou a altura de votar, afinal, não era tão importante assim. O que as pessoas queriam não era alguém que gostasse do Pinto da Costa mas alguém com características como essa, de ser capaz de dizer não. Muitas vezes o tal genro ideal, de quem todos nós gostamos, já não é a pessoa ideal se quisermos abrir um negócio na Sibéria.

Bruno de Carvalho achou que tinha mais poder do que tinha quando podia dizer mal dos jogadores e nada lhe acontecia

O país por estes dias tem-se debruçado sobre a crise do Sporting. Vendo de fora, em que é que a capacidade de negociação poderia fazer a diferença? Há momentos em que a rutura é inevitável? [Nota: esta pergunta foi respondida após episódio das agressões e antes de derrota leonina na Taça de Portugal].

JMJ – Essa pergunta é para o Pedro, que um benfiquista seria mal interpretado [risos].

PFF – Fazendo um pequeno preâmbulo: nós podemos negociar numa situação de conflito ou não. Podemos ter os dois um conflito porque temos terrenos ao lado um do outro e acho que você anda a invadir-me o terreno.

JMJ – O Pedro é perigoso porque põe sempre o papel de mau no outro [risos].

PFF – [Risos] Mas uma maneira de resolver o conflito pode ser a negociação. Não resultando podemos ir para arbitragem ou para tribunal, o que seja. Também pode haver negociação sem haver qualquer conflito. Neste caso do Sporting, isto passou de uma situação que era negociável [para outra] em que já estamos a entrar em situações de muitos conflitos.

Na prática o que é que Bruno de Carvalho queria? Que o clube tivesse bons resultados no futebol. Bruno de Carvalho achou – na minha opinião erradamente – que o melhor método era criticando os jogadores para ver se os incentivava por esta forma da crítica aberta (porque se pode fazer crítica numa sala fechada, e às vezes é preciso fazê-lo), no Facebook, para todas as pessoas verem

Ponto um, ele tinha um objetivo, isso é importante na negociação. Ponto dois, é preciso ele fazer uma análise da sua própria situação e da dos outros e depois de outros stakeholders. Mas creio que, na situação mais visível, após o jogo com o Atlético [que motivou críticas a jogadores no Facebook] Bruno de Carvalho achou que tinha mais poder do que tinha quando podia dizer mal dos jogadores e nada lhe acontecia. Acho que aí cometeu um erro de algo que já falámos, de poder.

Foi também uma questão de perceção?

PFF – Ele achava que ia ter as pessoas atrás dele (ainda por cima após os 90% da Assembleia-Geral) e que podia fazer tudo porque tinha sempre os sportinguistas com ele. Depois cometeu um segundo erro, em que se calhar achou que os jogadores não iam reagir como reagiram. Mas os jogadores uniram-se e tiveram uma posição de força negocial contra ele. E depois também não se preocupou com os outros stakeholders (que neste caso são os comentadores desportivos, os media, e outras pessoas, como o presidente da mesa da Assembleia-Geral, etc). Também errou aí: não esperou a reação de outras pessoas. Agora tem estado a arranjar mais problemas e está a acicatar ainda mais os seus inimigos e acho que isto só mostra uma atitude de desespero.

Notícias ao MinutoUm mau exemplo de negociação? O Brexit © Blas Manuel / Notícias Ao Minuto

Que opções haveria?

PFF – Há sempre duas opções: ou se volta para trás com um ‘peço desculpa, exagerei’ e tenta-se salvar a face, mas ele – e não o conheço pessoalmente – não parece ser pessoa  para isso e por isso continua a ir em frente, contra tudo e todos. Acho que não é fácil demitir-se.

O futebol é campo de paixões. Como é que a questão emocional interfere num processo de negociação?

PFF – Por duas vias. A primeira, e simplificando aqui a análise, é que o nosso cérebro funciona um pouco como este jarro de água para o qual estou a olhar: se pomos mais água, há menos ar, se tem menos água… No cérebro, quando sobe a racionalidade diminui a emoção e vice-versa. Às vezes até há táticas negociais de quem tenta irritar o outro para provocar essa subida da emoção e levar o outro a errar.

A outra componente da emoção no futebol passa por perceber como isso influencia os nossos pontos de vista e opiniões. Vemos isso nos programas de comentário desportivo em que olhamos para as mesmas imagens e um diz que é falta clara para cartão vermelho e outro diz que nem falta é. Como é que isto é possível? É possível e nós muitas vezes antes de eles responderem já sabemos as respostas do que apoia o FC Porto, o Benfica ou o Sporting.

As emoções levam a que perante o mesmo facto olhemos de forma diferente e isso dificulta o acordo. Como é que vão chegar a acordo? É quase impossível porque ambos estão convencidos de que estão a ver bem. Mas Bruno de Carvalho tem cometido mais erros.

Como assim?

PFF – A primeira reação dele à invasão a Alcochete – a do “chato” – em que todos os portugueses, até os dos outros clubes, se identificam com os jogadores e com os técnicos porque estes passaram por uma situação difícil. E ele foi o único mais visível que parecia não ter criado empatia em relação ao caso, o que só o prejudica mais a ele, porque põe a maioria das outras pessoas do ponto de vista emocional do lado dos jogadores.

É possível que seja um pouco injusta a pergunta, mas, genericamente, como é que nós somos como povo enquanto negociadores?

JMJ – Oh isso é uma excelente pergunta! Eu diria o seguinte: somos maus negociadores, somos maus comerciantes. Há uma teoria de que os portugueses são ótimos comerciantes. Não. Os portugueses emigram e vão vender produtos de primeira necessidade que as pessoas têm inevitavelmente de comprar e comprarão a quem estiver no sítio onde elas estão. Um bom comerciante é quem vende frigoríficos no Pólo Norte, é alguém que consegue encontrar formas de acrescentar valor através da diferenciação.

Isto também acontece porque temos uma enorme qualidade: somos pouco frios. Somos muito emocionais. Temos a lágrima ao canto do olho e traímo-nos excessivamente nos processos negociais. Claro que há excelentes negociadores em Portugal e falamos nalguns no livro. Mas temos outras qualidades. Apesar de este livro ser sobre negociação, tanto eu como o Pedro achamos que há outras coisas na vida.

O Américo Amorim talvez tenha sido a pessoa que mais me impressionou como negociador. A nível da política continuo a achar que o melhor negociador que conheço é António Costa Há algum português que se tenha destacado como grande negociador?

JMJ – Eu tive a ocasião de trabalhar profissionalmente com grandes figuras do mundo empresarial português e houve alguns que me impressionaram especialmente. De todos, o Américo Amorim – e estive com ele como advogado e como amigo – talvez tenha sido a pessoa que mais me impressionou como negociador.

Qual era a característica distintiva?

JMJ – Era, no fundo, tudo o que estava na vida empresarial estar à venda – e ao mesmo tempo nada estar à venda. Repare, ele a dada altura fez um império imobiliário e, com a maior frieza, vendeu, e muito bem, esse império. E a empresa que comprou faliu passados seis meses. Foi ele o organizador do BCP e com a maior frieza, a certa altura, vendeu todas as ações que tinha. Assisti a alguns negócios imobiliários notáveis. São vários exemplos. Talvez a nível da economia e do empresariado seja o melhor negociador que conheci. A nível da política continuo a achar que o melhor negociador que conheço é António Costa.

PFF – Sobre os portugueses como negociadores acho que um aspeto onde poderiam ser melhores é no trabalho de preparação, que é essencial para qualquer negociação. Os portugueses têm muitas coisas boas mas uma das menos boas é a organização.

É a tal confiança no desenrascar?

PFF – Exatamente. Mas por muito bom que eu seja no desenrasca, é sempre importante a preparação na negociação. E muitas vezes abdica-se da preparação, isto quando o desenrascanço tem limites. Se me souber desenrascar e preparar, serei um brilhante negociador. Mas se não me preparar bem…

E há algum exemplo recente de negociação que se destaque?

JMJ – Se se se (três vezes se!) a cimeira de Singapura se realizar e a desnuclearização da Coreia do Norte for realmente iniciada, a melhor negociação da década seria do Trump. De facto não é um deus do meu mundo mas seria uma negociação excelente.

Acho que o Brexit devia ser estudado nas escolas porque é uma manancial fascinante de erros sucessivosE a pior negociação?

JMJ – O Brexit. É a pior dos últimos anos. Tudo o que não se pode fazer foi feito, desde o primeiro momento. Costumo dizer que a Igreja Católica tem curso de preparação para o matrimónio. Geralmente, quem dá esses cursos são casais em que tudo correu bem, em que não houve grandes problemas. Eu acho que deviam convidar também divorciados. Acho que o Brexit devia ser estudado nas escolas porque é uma manancial fascinante de erros sucessivos. Acho que se aprende é com os erros, não com as coisas que correm bem.

Podemos olhar para um processo de negociação a pensar que está tudo bem, mas se falha o acordo final vira fiasco…

JMJ – Exatamente. Como diria o João Pinto: prognósticos, só no fim do jogo.

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