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"A proibição da caça à raposa seria uma verdadeira catástrofe"

António Paula Soares, presidente da Associação Nacional de Proprietários Rurais, Gestão Cinegética e Biodiversidade (ANPC) e presidente da Plataforma Sociedade e Animais, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto. O engenheiro fala do perigo da abolição da caça e da doença hemorrágica viral que afeta o coelho-bravo e que, por conseguinte, está a afetar vários animais, entre os quais linces-ibéricos.

"A proibição da caça à raposa seria uma verdadeira catástrofe"
Notícias ao Minuto

04/06/18 por Natacha Nunes Costa

País António Paula Soares

Numa altura em que tanto se fala dos Direitos dos Animais, sejam eles domésticos ou selvagens, é necessário analisar quais os efeitos na biodiversidade da diminuição da caça que tantos criticam e lutam para acabar.

O alerta é dado por António Paula Soares, presidente da Associação Nacional de Proprietários Rurais, Gestão Cinegética (ANPC) e Biodiversidade e presidente da Plataforma Sociedade e Animais, que, em entrevista ao Notícias ao Minuto, garante que a gestão da cinegética é essencial para controlar vários problemas, como a invasão dos javalis nas praias da Arrábida e o aumento dos ataques de raposas a capoeiras e áreas de pastoreio.

Para o engenheiro biofísico, especialista em gestão de propriedades rurais, além dos fatores ambientais e económicos, a incursão destes animais selvagens em locais impróprios, pode aumentar os problemas sanitários e transmitir doenças como a sarna, raiva e tuberculose.

Além de defender que a caça ajuda a gerir a biodiversidade e que não podemos correr o risco de acabar com a atividade, o presidente da ANPC chama também a atenção, nesta entrevista, para a doença hemorrágica viral que está a matar o coelho-bravo e que, por conseguinte, afeta a cadeia alimentar de vários animais, como os linces-ibéricos, espécie que, recorde-se, está em perigo de extinção.

Que iniciativas e projetos tem vindo a ANPC a desenvolver no âmbito ambiental em Portugal?

A ANPC tem participado em diversas iniciativas e projetos na área da conservação e gestão sustentável dos recursos naturais, assim como na promoção da biodiversidade. Os projectos mais recentes visam combater a doença hemorrágica viral que afeta o coelho-bravo causando elevada mortalidade. São eles o ‘SOS Coelho’ que teve apoio financeiro do Fundo para a Conservação da Natureza e Biodiversidade, e o ‘Mais Coelho’, financiado pelo Fundo Florestal Permanente.

E com que apoios têm contado?

A maioria dos projetos que desenvolvemos é  feita em parceria com outras entidades, sendo nuns casos a ANPC líder e noutros parceiro. Os projetos são, normalmente, candidatos a fundos nacionais e/ou comunitários, funcionando maioritariamente em regime de cofinanciamento, o que obriga a um esforço financeiro da ANPC para colmatar a componente de auto-financiamento nas ações que desenvolve.

A necessidade de caça é flagrante no caso do Parque Natural da Arrábida onde existe uma excessiva população de javalis

De que forma é que a atividade da caça se articula com a preservação da biodiversidade?

Gerir caça é sinónimo de gerir biodiversidade. A gestão feita nas zonas de caça - desde a melhoria de condições para a fauna até à regulação das populações de acordo com a capacidade de sustentação do meio, passando pela vigilância e prevenção contra incêndios, até à gestão e controlo sanitário das espécies animais -, interage com muitas mais espécies do que o pequeno número de espécies cinegéticas.

Quais são os casos mais urgentes, em que a caça sustentável seria a solução mais simples e eficaz para controlar determinada(s) espécie(s)?

A necessidade de caça é, por exemplo, flagrante no caso do Parque Natural da Arrábida (cujo plano de ordenamento impossibilita a criação de zonas de caça) e onde existe uma excessiva população de javalis, sendo os casos mais mediáticos a aparição destes animais nas praias ou num restaurante em Setúbal, onde causaram destruição.

A proibição da caça nesta zona levou a enormes prejuízos nas explorações agrícolas e nos jardins das casas situadas nesta área. Mas mais grave ainda são os enormes prejuízos ambientais que esta sobrepopulação de javalis está a causar na flora da Arrábida, incluindo diversas espécies endémicas e únicas no mundo, fruto da devastação causada pelos javalis que tudo revolvem e destroem.

De facto, há cada vez mais relatos de javalis e raposas a invadirem e destruírem culturas, capoeiras e propriedades, a causarem danos e a surgirem de surpresa e de forma insólita em zonas urbanas. Por que razão isto acontece?

Com a escassez de coelho-bravo em muitos locais, a raposa tem de recorrer a outras fontes de alimento, levando, por conseguinte, a uma maior incidência de ataques em animais domésticos. O problema do javali é semelhante ao da raposa. São ambas espécies muito abundantes e causadoras de estragos e que se acercam facilmente das zonas urbanas. Basta ir às praias da Arrábida onde não é raro ver javalis e raposas ao mesmo tempo de volta dos caixotes de lixo, com pessoas ao pé. Muitas vezes é o próprio Homem que dá alimento a estes animais porque acha engraçado, domesticando e alterando o comportamento de animais que não deveriam depender de lixo ou de comida lançada, para gáudio das pessoas, que aproveitam a oportunidade para tirar uma fotografia ou fazer um filme para as redes sociais.

O que as pessoas não percebem é que estas espécies não só causam elevados prejuízos como são igualmente transportadoras de doenças (sarna, raiva, tuberculose, etc), causam graves acidentes rodoviários e, em especial os javalis, podem atacar com grande violência.

E o que pode ser feito para evitar isso?

Os problemas com javalis em algumas cidades da Europa, nomeadamente em Berlim, em Madrid ou em Barcelona, são de tamanha dimensão que existem equipas especializadas no abate destes animais. A estas equipas que usam métodos de caça (tiro) e capturas com armadilhas para posterior abate, juntam-se os caçadores que colaboram na tarefa. Por cá, os problemas nas cidades ainda não são tão graves, mas deveríamos aprender com os outros exemplos e agir atempadamente para que isso não aconteça.

A caça permite ainda controlar problemas sanitários como a tuberculose, que é transmissível ao Homem e às espécies domésticasAlém destes casos, há outros que necessitam de controlo?

A caça é importante para controlar muitas outras espécies em termos de densidades, adequando-as à capacidade de sustentação do meio. Veja-se, por exemplo, a necessidade de controlar densidades excessivas de veados, que causam prejuízos na agricultura e florestas e inviabilizam a regeneração natural de espécies como o sobreiro ou a azinheira. A caça permite ainda controlar problemas sanitários como a tuberculose, doença que afeta javalis e veados e que é transmissível ao Homem e às espécies domésticas.

Qual a importância do coelho-bravo no panorama ambiental e no ecossistema? Quais os problemas que lhe estão associados?

O coelho-bravo é uma espécie basilar dos ecossistemas mediterrânicos e, nas últimas décadas, tem sofrido de várias doenças, causando elevadas taxas de mortalidade. Inúmeras espécies de predadores, como o lince-ibérico, a águia-imperial, o gato-bravo ou as muitas espécies de aves de rapina que caçam coelhos e dependem destes animais para sobreviver. Além disso, o coelho-bravo é também a espécie preferida dos caçadores portugueses e responsável pela viabilidade sócio-económica de muitas zonas de caça.

Aumento da mortalidade por atropelamento do lince-ibérico está diretamente relacionado com a diminuição do coelho O coelho-bravo é, portanto, peça-chave no equilíbrio ambiental. Se continuar a morrer, como é que o ecossistema se vai ressentir?

Sem coelho-bravo os primeiros a sofrer são aqueles que dependem deste para sobreviver, como é o caso do lince-ibérico ou da águia-imperial, ambas espécies com elevado estatuto de conservação e risco de extinção. No caso do lince-ibérico também se verificou um aumento da mortalidade por atropelamento, que está diretamente relacionado com a diminuição do coelho, uma vez que, tal obrigou a que os linces percorressem maiores distâncias na procura de presas, ficando mais suscetíveis a serem atropelados.

O lince depende quase em exclusivo do coelho-bravo que contribui para a sua dieta em 77,5 a 99,5%. O coelho, no mínimo, deve compor 77% daquilo que o lince caça e come, por isso, estes animais sofrem fortemente com o declínio do coelho, reduzindo o sucesso reprodutivo (não ocorrendo, ou tendo menos crias viáveis) e aumentando os seus territórios e dispersão. E aí surgem os atropelamentos.

Mas também há outros predadores que sofrem com estas doenças, como a raposa, o saca-rabos e várias espécies de aves de rapina que começam a orientar a sua caça para outras presas fazendo com que estas sofram de predação acrescida, levando ao seu declínio e quebrando os equilíbrios nos ecossistemas. O impacto do aumento da mortalidade do coelho-bravo sente-se também a nível dos incêndios. Basta pensar que, existindo uns milhões de coelhos a menos em Portugal, bocas que consomem grande quantidade de vegetação anualmente, aumentam as cargas de combustíveis finos, facilitando, por exemplo, a propagação de fogos.

O que tem feito o Governo no sentido de minorar o impacto da doença no coelho-bravo?

O projeto 'SOS Coelho' avançou com o apoio do Fundo para a Conservação da Natureza e Biodiversidade e, na altura, teve luz verde do Ministério do Ambiente e do Ministério da Agricultura. O atual projeto 'Mais Coelho' resulta de um despacho específico do Ministro da Agricultura. Contudo, deveria e poderia fazer-se muito mais. A solução de um problema tão grave como a hemorrágica viral precisa, não apenas de mais investimento na procura de soluções, mas sobretudo de continuidade nesse investimento, sendo que, algumas soluções, como por exemplo o desenvolvimento de uma vacina, demora sempre dois a três anos no mínimo.

O Estado tem falhado clamorosamente no apoio às áreas de recuperação do lince-ibéricoE em relação ao lince-ibérico, a ANPC tem notado um esforço do Estado para fixar as populações já existentes em Portugal?

O esforço para a fixação de linces em Portugal está a ser feito sobretudo pelos proprietários rurais, agricultores e gestores de zonas de caça. O Estado tem falhado clamorosamente no apoio às áreas de recuperação do lince no que diz respeito às medidas do Programa de Desenvolvimento Rural que tinham sido desenhadas com esse fim e que não chegaram a abrir.

O Estado tem feito sobretudo investimento na monitorização dos animais libertados e na criação de animais em cativeiro. Dito de outra forma, se não existisse um investimento privado de proprietários rurais, agricultores e gestores de zonas de caça, nomeadamente na criação e manutenção de condições que permitam a fixação dos linces já existentes, não haveria condições para que a espécie existisse entre nós, e o sucesso atual seria uma miragem.

E que medidas poderiam ser adotadas para diminuir os atropelamentos?

Para resolver o problema dos atropelamentos existem algumas medidas que podem ser adotadas, desde a limpeza da vegetação das bermas de modo a que os linces (e outros animais) não surjam de repente ou a colocação de cercados em rede ao longo das estradas. Obviamente que existem outras medidas mais dispendiosas como a colocação de passagens superiores ou inferiores, o que pode ser justificável em pontos negros onde repetidamente ocorram atropelamentos.

Preocupa-nos que não seja dado aos proprietários rurais, aos agricultores e aos gestores das zonas de caça o devido reconhecimento pelo trabalho que têm desenvolvido em prol do lince

Como é que a ANPC tem defendido o lince-ibérico?

A ANPC defende o lince ibérico desde sempre, e de forma mais ativa desde 2008, quando foi criado em Portugal o Plano de Acção para a Conservação do Lince Ibérico em Portugal (PACLIP), em cuja Comissão Executiva a ANPC tem assento desde o início, como representante dos proprietários rurais e concessionários de zonas de caça. Preocupa-nos, no entanto, que (salvo honrosas exceções) não seja dado aos proprietários rurais, aos agricultores e aos gestores das zonas de caça o devido reconhecimento pelo trabalho que têm desenvolvido em prol do lince. Sem a sua colaboração e intervenção nunca teria sido possível a recuperação desta espécie em Portugal. E é ridículo quando vemos vários movimentos e políticos ditos animalistas a usarem da imagem do sucesso da reintrodução do lince-ibérico, quando nada fizeram para tal e inclusive são movimentos contra a caça e a gestão cinegética, que é a grande responsável pela situação atual do programa de reintrodução na natureza.

A proibição da caça à raposa seria uma verdadeira catástrofe em termos ambientais e socioeconómicosA questão da caça à raposa tem gerado muita polémica e em breve estará em discussão na Assembleia da República. Qual é a posição da ANPC perante uma eventual proposta de proibição?

A proibição da caça à raposa seria uma verdadeira catástrofe em termos ambientais e socioeconómicos. Quem propõe tais coisas não percebe minimamente de ecologia, de dinâmica das populações, de natureza ou ecossistemas. Por alguma razão a raposa é das poucas espécies que é caçada e controlada em todo o mundo. Os impactos que tal proibição causaria seriam tamanhos. Levariam, seguramente, a problemas gravíssimos, quer ao nível das atividades humanas como a pecuária, a criação de aves de capoeira e a caça; quer ao nível da conservação da natureza e de espécies protegidas, pelo efeito direto e indireto da predação das raposas. Julgamos, porém, que haverá o bom senso dos deputados em chumbarem esta iniciativa.

Preocupação para com os direitos dos animais tem a sua clara vertente positiva, contudo exacerbada Os jovens portugueses parecem estar cada vez mais distanciados da vida no campo, da atividade agrícola, da dinâmica rural e do que são as questões de fundo de controlo animal enquanto, paradoxalmente, parecem preocupar-se cada vez mais com os direitos dos animais.

Essa preocupação para com os direitos dos animais, baseada na vivência urbana dos seus animais de companhia, tem a sua clara vertente positiva, contudo exacerbada, quer pela errada humanização dos animais, quer pela tentativa de criminalização social e legal das normais relações de grande parte da sociedade para como os animais pecuários, de desporto ou de atividades culturais, tentando equipará-los com os costumes e desígnios dos animais de companhia das sociedades mais urbanas.

O distanciamento da realidade do mundo rural por uma grande maioria dos jovens portugueses é um facto, mas é uma perceção que muda quando os mesmos têm o privilégio de visitar e de conhecer o campo, as suas gentes e as suas vivências. Invariavelmente, quando isso acontece, primeiro surpreendem-se, e depois apaixonam-se por um mundo novo e radicalmente diferente da imagem que têm sobre a vida no campo, a atividade agrícola e a dinâmica rural.

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