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"Marcelo está a cumprir no que tem de bom e no que tem de mau"

Marisa Matias é uma das entrevistadas desta semana do Vozes ao Minuto.

"Marcelo está a cumprir no que tem de bom e no que tem de mau"
Notícias ao Minuto

08:30 - 10/03/17 por Inês André de Figueiredo

Política Marisa Matias

Marisa Matias, eurodeputada eleita pelo Bloco de Esquerda, concedeu uma entrevista ao Notícias ao Minuto. Um dia depois de Marcelo Rebelo de Sousa completar um ano sentado na cadeira de Belém, aquela que foi atleta na mesma corrida às presidenciais mede o pulso aos primeiros 12 meses de mandato do Presidente da República. Também na semana em que se celebrou o Dia da Mulher, a feminista assumida fala sobre o país e o mundo, da 'Geringonça' à Comissão Europeia, passando por Almaraz e Donald Trump. Na opinião da bloquista, a solução governativa a vigorar em Portugal vai de 'vento em popa', garantindo que o Bloco nunca virou as costas ao Governo.

Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse como Presidente da República há um ano. Está surpreendida com a sua prestação?

Não estou. Acho que ele está a ser fiel àquilo que disse durante a campanha. A verdade é que durante a campanha disse que ia ter lealdade institucional e está a ter, que não ia ser um obstáculo ao Governo e não está a ser, e que iria fazer uma Presidência completamente distinta, sempre avançou com a questão dos afetos, portanto, acho que está a cumprir no que tem de bom e no que tem de mau.

Marcelo está a ser fiel àquilo que disse durante a campanhaAí não falo do feitio, porque para mim é irrelevante se Marcelo Rebelo de Sousa é hiperativo ou não, acho que essas questões de feitio não são chamadas para aqui, mas é óbvio que depois interfere em muitas áreas. Era o que já fazia e, em algumas das áreas, numa lógica que creio que vai além da Constituição e era essa a minha maior divergência com ele durante a campanha. Desse ponto de vista também não me surpreende, matérias como o levantamento do sigilo bancário, as barrigas de aluguer ou no caso da baixa da TSU, o Presidente tomou posições claramente vinculadas a uma ideologia que é a sua e também por isso não me está a surpreender. Agora, mesmo com todas as diferenças que eu tenho em relação ao Presidente Marcelo, não há comparação entre o mandato dele até agora e o mandato de Cavaco Silva, para melhor.

Em jeito de balanço, como avalia a presidência de Marcelo neste último ano?

Acho que há uma clara vantagem do ponto de vista do relacionamento interinstitucional, uma clara abertura do ponto de vista do funcionamento da instituição Presidente da República com os cidadãos e as cidadãs portuguesas, e depois tenho alguns momentos críticos que dizem respeito precisamente a matérias específicas nas quais o Presidente tem tomado posição e em que não era sua a guerra. A TSU, por exemplo. Felizmente essa foi revertida, mas [a guerra] não era sua, a Constituição não lhe dá margem para que possa interferir e tentar fazer baixar a TSU dos patrões. Portanto, há em relação a algumas matérias específicas uma posição crítica, mas que é já aquilo que nos dividia.

O Presidente tem sido, de facto, um apaziguador do clima político que se vivia e é responsável pela tal "descrispação"?

Acho que ele tem sido um dos elementos da descrispação, mas o papel fundamental é sempre o dos cidadãos. A descrispação existe também porque as pessoas estão a viver melhor, não muito melhor mas um bocadinho melhor e, se se respira melhor e se está a viver melhor, há menos condições para a crispação.

Obviamente se houver uma opção política permanentemente contra a necessidade das pessoas o clima é de crispação e se a orientação política for no sentido de colmatar algumas injustiças, repor alguns rendimentos e alguma da dignidade, ainda que em dimensões muito limitadas, isso contribui para reduzir a crispação.

A Marisa foi uma das candidatas às últimas eleições presidenciais. O que teria feito de diferente neste último ano, tendo em conta os temas a que 'apontou o dedo'?

Seja no caso da TSU, das barrigas de aluguer ou do levantamento do sigilo bancário, houve maiorias parlamentares que foram numa determinada direção, e há que respeitar essas maiorias parlamentares, goste-se delas ou não. Não gosto muito de dizer o que teria feito de diferente, mas há tanta coisa que muda na sociedade e que não podemos mudar. Dizer que 'faria assim ou faria assado'... não sou capaz de dizer o que teria feito nestas circunstâncias, mas sei que também não teria sido um fator de destabilização, sei que teria promovido essa cooperação e lealdade institucional, sei que não me teria imiscuído em questões do Governo.

Mas volto a dizer que se é verdade que o Presidente se tem imiscuído em algumas questões que são matéria do Governo, também é verdade que nunca tomou um passo para além daquilo que é a vontade do próprio Governo. Desse ponto de vista não está a ser um bloqueio ou um fomentador, está a ajudar numa determinada direção porque a defende do ponto de vista ideológico e eu isso não faria. Nisso seria diferente seguramente.

Por outro lado, também o Governo festejou agora um ano e três meses de governação. As expectativas para esta 'Geringonça' estão a ser superadas?

Acho que a 'Geringonça' está a fazer aquilo que se comprometeu a fazer em matéria orçamental mas não só, também em políticas que vão além do impacto do Orçamento. Está a conseguir, de certa forma, devolver também alguma credibilidade às instituições. Por exemplo, há muita gente que acusa Marcelo Rebelo de Sousa de estar a converter o sistema português num sistema presidencialista. Creio que esta 'Geringonça' permite precisamente reforçar aquela que é a natureza do sistema político português porque, sem um Governo de minoria com uma maioria parlamentar que o apoia e que não corresponde à formação do Governo, todas as instituições estão no lugar onde têm de estar e com o respetivo peso que devem ter.

O importante do papel da 'Geringonça' é que esteja a melhorar as condições de vida dos portugueses. Longe daquilo que seria necessário, mas respira-se melhorHá muito por fazer. O programa da 'Geringonça' está a ser cumprido nas áreas em com que se comprometeu mas há muitas áreas em que deveria ir mais longe porque ainda há muito para fazer. Seja como for, não deixa de me surpreender que nós tenhamos tido valores de défice tão baixos, um crescimento revisto em alta para 2% no último trimestre de 2016 e que tudo isso, que se calhar noutras alturas seriam parangonas, praticamente não é falado, nem a diminuição do desemprego. Nada disso é tão falado como seria se fosse um resultado exatamente contrário a este. Mas o que é importante do papel da 'Geringonça' é que esteja a melhorar as condições de vida dos portugueses, longe daquilo que seria necessário, mas respira-se melhor.

A diferença é que o Bloco tem princípios e o PSD não tem princípios, porque a baixa da TSU sempre esteve no programa do PSD O Bloco de Esquerda - juntamente com o PCP e o PSD - chumbou a diminuição da TSU para as empresas e a opção foi vista por alguns como uma 'viragem de costas' ao Governo. Foi isto que aconteceu?

O que me surpreende aí é que o PSD tenha votado contra. Que o Bloco, o PCP e 'Os Verdes' estivessem contra não me surpreende rigorosamente nada, nem sequer é um voltar de costas, a diferença é que o Bloco tem princípios e o PSD não tem princípios, porque a baixa da TSU sempre esteve no programa do PSD mas não estava no programa da 'Geringonça'. Portanto, não há nenhuma contradição entre identidade e convergência, não se pode exigir é que se abdique de princípios que são fundamentais e que estão fora do acordo porque há uma conversa ou uma negociação entre o Presidente da República, os patrões e o primeiro-ministro. Já se sabia de antemão qual era a posição do Bloco de Esquerda e do PCP.

Acordo não está em crise, não está com problemas nenhuns. Há muita gente que deseja que assim seja mas na realidade não aconteceNão acho que haja drama nenhum em haver posições diferentes, a democracia é mesmo assim, constroem-se maiorias políticas que correspondem a essas posições que estão representadas no Parlamento e a vida segue. Não é um voltar de costas. O Bloco não falhou em nada no acordo que tem com o Partido Socialista, pois a baixa da TSU não estava nesse acordo. De facto, surpreendeu-me o voto do PSD que, na realidade, está mais interessado em fazer tiro ao alvo ao Governo do PS do que em manter alguma coerência programática.

Sendo assim acredita que a "alternativa realista" de que Costa falou logo na tomada de posse continua de 'vento em popa'?

Há sempre questões em aberto e ainda bem que há, porque o acordo cobre um conjunto de áreas e haverá sempre debate, espaço para discussão e isso é bom. Não está em crise, não está com problemas nenhuns. Há muita gente que deseja que assim seja mas na realidade não está a acontecer. Está a ser tomada como referência, aliás, em vários outros países da União Europeia e muitos que olharam de forma mais crítica. Ouve-se falar da 'Geringonça' de forma ampla, como um exemplo a seguir. Não é perfeito mas não vejo, sinceramente, que haja algum problema nesta alternativa realista. 

O problema da CGD é que cada vez que levantamos uma pedra encontramos mais qualquer coisaTeodora Cardoso falou em milagre para definir números do défice. Marcelo e Costa vieram defender os resultados, um dizendo que saíram do "pelo dos portugueses" e outro frisando que "o nome de Deus foi usado em vão para justificar falhanço" das previsões. De que forma comenta esta questão?

Obviamente alinho, a esse respeito, com o que foi dito quer pelo primeiro-ministro, quer pelo Presidente da República. Não é milagre, é resultado de uma política concreta. O que é estranho, no meu ponto de vista, é como é que Teodora Cardoso, estando à frente da instituição que está, nunca tenha acertado uma previsão. Se alguma coisa está errada são os cálculos de Teodora Cardoso e não o facto de esta política ter reduzido o défice.

O Governo tem-se deparado com vários temas fraturantes. Quando estará encerrado o caso CGD?

O problema da CGD é que cada vez que levantamos uma pedra encontramos mais qualquer coisa. Já havia conhecimento da necessidade de recapitalização da Caixa há imenso tempo e as autoridades responsáveis nada fizeram em relação a isso. Portanto, esta recapitalização vem de forma tardia e, pior do que isso, estão a tentar-se arranjar pretextos para que nunca vá para a frente. A questão da nomeação da administração anterior, de António Domingues, foi toda ela uma catástrofe. Não houve ninguém que tenha saído bem dessa fotografia. E continua a criar-se ruído para que não se avance e consolide a recapitalização. Isso é que é lamentável, nós precisamos mesmo de encerrar este dossier.

SMS não são mais do que um disfarce para evitar que uma opção que não é nem nunca foi do PSD e do CDS se concretize, que é a recapitalizaçãoMas esse ruído de que fala foi criado pela questão do acesso aos SMS e e-mails trocados entre António Domingues e Mário Centeno, com PSD e CDS a pedirem o acesso às comunicações? Estão a desviar as atenções da recapitalização?

Estão a desviar as atenções para algo menos importante, mas o problema é que estão a atrasar o processo. É uma extrema preocupação com os SMS, o que, na realidade, não é mais do que um disfarce para evitar que uma opção que não é nem nunca foi do PSD e do CDS se concretize, que é a recapitalização e a estabilização da Caixa Geral de Depósitos enquanto banco público e que precisa de estar em boas condições. O sistema financeiro português não está propriamente com a melhor das saúdes e temos elementos que condicionam até o próprio desenvolvimento da economia em Portugal. Acho isto tudo muito triste não só porque vamos descobrindo que se tentou ao máximo evitar a recapitalização da Caixa, porque se queria forçar a privatização, essa foi sempre a agenda do PSD e do CDS, como agora tentam arranjar subterfúgios para atrasar o mais possível a opção. Não se pode usar a questão dos SMS e pedir uma nova comissão de inquérito para impedir e atrasar a recapitalização da Caixa.

Os deputados irão ter acesso aos e-mails mas não a SMS. Isto foi uma vitória da oposição ou uma forma de 'calar' PSD e CDS?

Todos os processos devem ser transparentes e a forma como foi conduzido este processo, volto a dizer, esteve longe de estar correta. O ministro teve responsabilidades na forma como conduziu o processo da nomeação de António Domingues. Agora, pôr em causa uma comissão de inquérito como aquela que está em funções, com a demissão de um presidente, e que pretende averiguar precisamente as condições nas quais teve origem a necessidade da recapitalização ou impedir a recapitalização da CGD com a história dos SMS, sinceramente, é um tiro no pé. 

Falando de temas quentes e de transparência, o caso das offshores continua em cima da mesa. Paulo Núncio e Rocha Andrade já foram ouvidos no Parlamento mas as justificações sobre o tema têm sido contraditórias. O que se pode retirar deste assunto?

Contraditórias e reveladoras do quão estamos presos a estes jogos dos mercados e sistemas financeiros. O problema principal é o das offshores e das transferências para as offshores que não deviam existir, ponto final. Não há nenhuma razão para se criar todas as facilidades e condições fiscais de vantagem para quem quer colocar o seu dinheiro fora. As offshores em si mesmos são um dos problemas maiores que nós temos na economia mundial e minam a democracia.

A política fiscal normal trata dos cumpridores e depois existem regimes de regularização e perdão fiscal para os incumpridores. É absolutamente vergonhoso a fuga sistemática aos impostosEm relação a Paulo Núncio, primeiro não tinha responsabilidade nenhuma, era a autoridade tributária, depois já tinha, depois tinha responsabilidade assim-assim porque o Governo também tinha, depois afinal já não tinha tanta responsabilidade. Não é apenas a questão das 20 declarações que já seria grave, dos 10 mil milhões de euros que escaparam sem tributação, dos dados que desaparecem e que não existem sabe-se lá porquê.

Há muito mais questões que estão associadas porque no governo anterior foi desde a não publicação pela Autoridade Tributária, durante cinco anos, destas transferências, até ao RERT (Regime Excecional de Regularização Tributária) 3 que foi uma das mais inaceitáveis amnistias fiscais a que assistimos a Portugal, com condições muito específicas, distintas de todos os regimes de regularização tributária que tivemos. A política fiscal normal trata dos cumpridores e depois existem regimes de regularização e perdão fiscal para os incumpridores e é absolutamente vergonhoso a fuga sistemática aos impostos, da regularização de capitais que alguns deles até estavam sujeitos a investigação, como por exemplo as supostas luvas do BES na compra dos submarinos, e tudo isso ficou ilibado e escondido.

*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.

 

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