Meteorologia

  • 26 ABRIL 2024
Tempo
17º
MIN 12º MÁX 17º

"À elite incomoda muito quando se quer alguma justiça fiscal"

A líder do Bloco de Esquerda em entrevista à antena da SIC.

"À elite incomoda muito quando se quer alguma justiça fiscal"
Notícias ao Minuto

20:55 - 06/10/16 por Pedro Filipe Pina

Política Catarina Martins

Catarina Martins marca presença esta noite no telejornal da SIC, numa entrevista em que fala da atualidade política e também do que mudou com a chegada do PS ao poder, com o apoio dos partidos mais à Esquerda. 

Hipótese de Galp poder recorrer a perdão fiscal

“O Bloco de Esquerda nunca foi favorável a perdões fiscais desta natureza e não mudámos de ideia. Achamos que a Galp não é uma empresa em dificuldades que precise de um perdão fiscal”.

No entanto, “outra questão diferente é percebermos que, com a crise, famílias e empresas ficaram numa situação muito complicada e não conseguiram pagar as suas obrigações e que um poço sem fundo de juros de mora e de multas a acumular-se torna cada vez mais difícil equilibrarem a situação. (…) Estas medidas a serem aplicadas deveriam ser só aplicadas em determinados casos” e não um “perdão cego em que se está a premiar os infratores”.

Arrependeu-se de ter dito que estava arrependida?

[Rindo-se] Não, mas nós também não agimos por estados de espírito. É natural. Há dias muito complicados, há sacrifícios pessoais que implicam tomar determinadas decisões, mas quando sabemos que é possível aumentar o ordenado mínimo nacional, ou acabar com a sobretaxa para a generalidade dos contribuintes ou defender a escola pública, sabemos porque é que estamos a fazer este acordo”.

Quem votou no Bloco de Esquerda revê-se no Bloco atual?

“Quem votou no Bloco de Esquerda sabia o que estávamos disponíveis a fazer. Como nenhum partido fomos claros na campanha eleitoral. O Bloco de Esquerda não é Governo. Teve 10% dos votos e com a força que teve nos votos faz o melhor que pode todos os dias para garantir a recuperação de rendimentos, abordar as questões de emprego, proteger os serviços públicos, parar privatizações. Disse-o a António Costa num debate: se fosse possível cumprir algumas condições de proteção estaríamos disponíveis com a força que viéssemos a ter. Foi isso que fizemos”, ainda que haja “divergências”.

O Bloco de Esquerda mudou?

“O Bloco de Esquerda faz um compromisso e sabe sempre em nome de que é que o fazemos. Não estamos a pensar em propostas (...) em nome de um determinado Governo, é em nome das condições concretas da vida das pessoas. (…) O Bloco de Esquerda não mudou em nada. Faz o máximo que pode com a força que tem e é claro sobre os compromissos que faz”.

“Estamos a trabalhar. É um trabalho complicado. Ninguém estava à espera que fosse simples. Não é fácil, face a uma chantagem enorme contra o nosso país, estar agora a ter conversas com o Governo sobre o aumento de pensões”.

Pensões

“Dizem-nos sempre que aqueles 200 milhões de euros que precisávamos para aumentar as pensões 10 euros, para que nenhuma pensão perdesse poder de compra, são 200 milhões de euros. Nós gastamos 40 vezes isso por ano a pagar juros da dívida”.

Negociações com o Governo

“Se tudo fosse fácil e estivesse resolvido, a uma semana de o Orçamento do Estado ser apresentado na Assembleia da República eu estava aqui a dizer que está tudo bem. É óbvio que há dificuldades e que não temos exatamente a mesma posição. As pessoas que contribuíram neste país, 15, 20, 30, 40 anos, têm, na sua generalidade, pensões abaixo dos 400 euros. É muito pouco”.

“No acordo que fizemos, e isso foi público desde a pré-campanha, dizíamos que as pensões não podem ficar congeladas. De facto, a lei que atualiza pensões passou a ser aplicada. Antes não era, antes aos pensionistas fazia-se de tudo. A lei não valia. Agora vale, só que a forma de atualização de pensões é muito diminuta face ao poder de compra que os pensionistas perderam”.

O Governo pode contar com o Bloco para a aprovação do Orçamento?

“Nós estamos a negociar o Orçamento. Estamos muito empenhados nisso, a trabalhar em soluções, a ver possibilidades… É preciso que o Orçamento contenha aquilo que é o acordo que nós fizemos e o acordo que foi feito [passa por] recuperação de rendimentos do trabalho, proteção do Estado Social e parar privatizações. E estas são as linhas que nos guiam nesta conversa”.

Agência de notação DBRS preocupada

“O problema não está na devolução de rendimentos, está na dívida. A DBRS diz, e bem, que Portugal está com um problema de ciclo vicioso e de incapacidade de investir. O que retira essa possibilidade é o facto de nós gastarmos mais todos os anos em juros da dívida do que gastamos com o Serviço Nacional de Saúde”.

Reestruturação da dívida?

“O problema não é [a reestruturação da dívida para o Bloco de Esquerda] ser uma bandeira, é ser uma necessidade do país. Acho que não há ninguém que seriamente em Portugal olhe para os dados da nossa economia e defenda que não é preciso uma reestruturação da dívida. [António Costa] diz que terá de o fazer num contexto europeu. Mas precisamos de saber se podemos esperar por um contexto europeu. A Europa não tem feito escolhas ajuizadas, têm sido escolhas que aprofundam a crise em todos os países. Vamos ter ciclos eleitorais na Europa em 2017 e tememos que as soluções possam vir a ser piores”.

Dúvidas sobre modelo económico com recuperação de rendimentos

“Fazer de conta que os problemas são deste Governo não é sério. O anterior executivo cortou nos rendimentos e tinha todos estes problemas. Aliás, desde a entrada no Euro que o país cresce 0,2% ao ano. Está estagnado. É bom não acharmos que a devolução de rendimentos é culpada por uma situação bem mais vasta”.

“A dívida a crescer, o défice descontrolado, como tínhamos no anterior governo, as pessoas cada vez com menos salário, menos pensões, o Estado Social cada vez mais curto, hospitais a serem privatizados, o dinheiro a ir para escolas privadas em vez de ir para escolas públicas, bem não havia crescimento, não havia emprego e estávamos todos a ficar pior”.

“O Bloco tem sempre dito que a procura interna não chega, que é preciso investimento público que possa alavancar a economia. Entendamo-nos: quando entregamos rendimento a quem vive do seu salário e a quem tem a sua pensão, essas pessoas não vão pôr o rendimento em off-shores, vão gastá-lo aqui, a comprar o que precisam, e isso faz bem à economia. Nos anos de PSD e CDS, ao mesmo tempo que se empobrecia, que uma em cada três crianças ficava em situação de pobreza, cresceu o número de milionários. É enorme manipulação dizer que a receita de PSD e CDS daria algo de bom ao país. Pelo contrário”.

Governo deixa cair proposta sobre sigilo bancário

“O Bloco defende o fim de sigilo bancário há muito tempo, não exatamente da forma do Governo. Para nós não é uma questão de teto, tem a ver com a necessidade que Fisco pode ter de cruzar dados para combater a fraude. [Com lei atual o processo] é muito lento”.

“É enorme hipocrisia da Direita o que está a acontecer. Foi aprovado ainda com o Governo PSD/CDS uma diretiva europeia e um acordo com os EUA que prevê o levantamento de sigilo. Vamos ter em Portugal duas realidades: os cidadãos que, por não serem nacionais ou não residirem em Portugal, não terão sigilo bancário, enquanto outros têm. Acho situação insustentável como acho insustentável que alguém defenda que o Fisco de outros países pode cruzar dado com contas de dados do nosso país e o fisco do nosso país não pode fazer o mesmo para combater a fraude e evasão fiscal”.

Sobre o PCP

“O Bloco de Esquerda e o PCP têm tido posições convergentes no que é essencial. É sabido que o Bloco tem uma visão diferente. Propusemos desde o início que quando fazemos um grupo trabalho fosse feito com todos os partidos envolvidos. Não foi essa a visão do PCP. Respeitamos. Não deixamos de fazer o nosso trabalho, julgo que o resto se acaba por perder na espuma dos dias”.

Imposto sobre património

“Em Portugal, quem vive do seu trabalho paga muitos impostos e outras formas de rendimento pagam muito poucos impostos. O que está em causa neste caso é pedir a uma pequena minoria que tem grandes fortunas imobiliárias que pague uma pequena percentagem sobre a sua fortuna para ajudar a aumentar as pensões de mais de dois milhões pensionistas com pensões baixas”.

“Discussão está bem encaminhada. É preciso que a medida preserve quem não é milionária. A ideia não é tributar património de quem pôde comprar a sua casa, não é atacar a classe média, muito pelo contrário, é que haja uma pequena taxa sobre fortunas imobiliárias”.

À elite incomoda muito quando se quer alguma justiça fiscal.Os mais ricos dos mais ricos acham sempre que a eles lhes é devido tudo e que todos os sacrifícios podem ser impostos a quem vive do seu trabalho. O Bloco de Esquerda tem outra opinião. (...) Não é perseguição a ninguém. É pura e simplesmente tornarmos o país um bocadinho mais justo”.

Autárquicas. Haverá entendimentos?

“Essa situação já está resolvida. O PS foi o primeiro a dizer no seu congresso, por António Costa, que ia sozinho Às eleições, Jerónimo de Sousa disse o mesmo pelo PCP, o Bloco Esquerda na sua convenção aprovou que iria em listas próprias ou aprovando movimentos de cidadãos (…). É saudável que propostas diferentes se apresentem a eleições como é importante no dia seguinte às eleições haver a responsabilidade de saber dar respostas e fazer convergências necessárias”.

Bloco terá candidato próprio à Câmara de Lisboa? 

“Com certeza”. [Sobre eventuais nomes] É um debate que faremos a seu tempo, esse assunto está a ser debatido mas agora estamos centrados no Orçamento”.

Há linhas vermelhas que possam levar Bloco a chumbar o Orçamento?

O acordo foi feito para recuperar rendimentos, lutar contra precariedade, defender o Estado Social, parar privatizações. Demos pequeninos passos nesse sentido. O Bloco gostaria que fossem muito maiores, o que não aceitaremos nunca é dar passos para trás”.

Recomendados para si

;
Campo obrigatório