Em entrevista à agência Lusa, quando questionado sobre o caso da antiga empresa familiar do primeiro-ministro, Luís Montenegro, a Spinumviva, Gouveia e Melo mostrou-se indignado com situações em que os visados são mantidos "em lume brando", para "quando der jeito" serem reabertos os processos.
Para o antigo chefe do Estado-Maior da Armada, quando existe uma suspeita relativamente a um ator político, o processo "deve andar o mais rapidamente possível" para se perceber se ele deve ou não continuar no ativo.
"Não é prolongar o processo, tipo uma tortura lenta que tortura duas coisas: não tortura só o político como tortura o sistema político porque desacredita o sistema político", sustentou.
Gouveia e Melo apontou em concreto o caso do ex-ministro socialista das Infraestruturas João Galamba, que terá estado sob escuta durante quatro anos sem que lhe tenha sido instaurado qualquer processo, e em relação ao qual manifestou o seu desagrado.
"Ou ele cometeu qualquer coisa, é apanhado e é-lhe instaurado um processo-crime, vai a tribunal e é condenado ou não. Ou então passamos a ter um sistema, de forma indireta, de vigilância de pessoas. De suspeita permanente. E nós vamos vigiando, vigiando, vigiando a pessoa até que ela cometa qualquer coisa. Isso é perigosíssimo para a democracia. Verdadeiramente perigoso para a democracia", argumentou.
Gouveia e Melo disse que gostaria de ver "uma justiça que é constante ao longo do tempo, que não tem altos e baixos mediáticos em função de períodos eleitorais ou outros períodos políticos".
"Gostaria de ver uma justiça rápida, eficaz e eficiente. Infelizmente, isso não acontece. Há coisas que me desagradam enquanto ser humano, enquanto cidadão", comentou.
Para contrariar este estado de coisas, o almirante defendeu que o Presidente tem uma "palavra muito importante" que tem que ver com a sua magistratura de influência.
"A democracia exige separação completa de poderes, do poder legislativo, do poder executivo e do poder judicial. Depois, há o Presidente, que é o moderador, um árbitro. Quando nós começamos a misturar estas coisas, nós estamos a corroer a democracia. O poder judicial não faz política. E o poder executivo não interfere no poder judicial".
Para Gouveia e Melo, "essas duas coisas têm que ser sagradas "e os processos não se podem arrastar na praça pública porque isso também traduz "um ato político" com "influência no sistema político".
Além disso, considerou "extraordinariamente estranho" quando determinados políticos voltam ao palco e reaparecem os processos judiciais que os envolvem.
"Porque há uma coincidência", questionou, respondendo de seguida: "Não, é para mantê-lo em lume brando para quando der jeito... os cidadãos mais informados dizem: 'bem, há aqui um condicionamento', mas o cidadão menos informado diz que 'os políticos são todos corruptos".
"E nós queremos o quê? Destruir a democracia? Destruir a credibilidade de todos os políticos? E depois quem é que nos governa? É o ditador que depois impõe o silêncio? É isto que é perigoso para a democracia", conclui o almirante.
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