Em entrevista à agência Lusa, o candidato presidencial Henrique Gouveia e Melo defende que Portugal precisa de um Presidente da República realmente isento e não de um "Cavalo de Troia" de um partido.
"Esse cavalo de Troia pode fazer duas coisas: Está lá para validar tudo o que o partido faz; ou está lá para, na primeira oportunidade, encontrar uma situação para deitar abaixo uma governação. A isenção é muito difícil de ter quando devemos muitas lealdades, não só pelo nosso percurso, mas até pelos apoios que temos no momento da eleição", adverte.
Neste ponto, o ex-chefe do Estado Maior da Armada vai mais longe: "O doutor Marques Mendes pode dizer que não é do PSD, que é independente, etc. Sem o PSD não seria eleito. Portanto, ele vai ficar com uma dívida ao PSD. E essa dívida vai ser-lhe cobrada", acusa.
Para Gouveia e Melo, "não há moderação sem isenção".
"A moderação que Marques Mendes fala é uma moderação natural de qualquer pessoa minimamente inteligente, com bom senso, adulta. Por outro lado, o Presidente não é só o moderador do regime, é também um árbitro e um verificador. E, quanto a dizer-se que eu não tenho experiência política, eu não tenho é experiência político-partidária", contrapõe.
Invoca, para o efeito, o seu papel de liderança no processo de vacinação contra a covid-19.
"Quando os supostos políticos cheios de capacidades de moderação e cheios de experiência política tiveram de conduzir um processo político, que era o processo de vacinação, falharam. Eu, que supostamente não tinha experiência em nenhuma política, fiz esse processo com todas as pessoas, não fiz sozinho. E como não fiz sozinho tive de negociar, tive de agregar e de definir objetivos. Isso é que é verdadeiramente a política", defende.
Gouveia e Melo recusa também que tenha um perfil autoritário, prejudicial a um trabalho de fazer consensos e construir pontes a partir de Belém entre setores em divergência. Na sua opinião, acontece apenas que algumas pessoas querem metê-lo dentro de um fato feito à medida dos interesses dessas mesmas pessoas.
"Enquanto militar tinha autoridade, não era autoritário. Tinha autoridade porque os militares são disciplinados e hierarquizados, o que não significa que não saiba trabalhar num sistema mais livre, mais horizontalizado. E tanto sei trabalhar num sistema mais horizontalizado que provei isso", refere, numa nova alusão ao combate à pandemia da covid-19.
O candidato promete que irá bater-se pela estabilidade política -- e critica a dissolução do parlamento decretada por Marcelo Rebelo de Sousa em novembro de 2023, quando o PS tinha maioria absoluta.
Considera que a proximidade junto do povo português e os afetos são importantes na figura de um chefe de Estado, mas também aponta que isso não chega.
Questionado se os portugueses vão perder os afetos se suceder a Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República, Gouveia e Melo começa por elogiar o atual chefe de Estado pela forma como interagiu com os cidadãos: "Fez muito bem nessa área, ser um Presidente de proximidade, um Presidente dos afetos".
"Não é mau ser um Presidente dos afetos, mas não pode resumir-se a isso ou afunilar-se nisso", assinala.
"E não pode ficar também condicionado por isso na sua ação, porque muitas vezes na política é preciso tomar decisões difíceis, e as decisões difíceis às vezes não agradam a todas as pessoas", acrescenta.
Nesta entrevista, Henrique Gouveia e Melo mostra-se apreensivo com a instabilidade política em Portugal nos últimos três anos e com um eventual crescimento do populismo, frisando que o país não pode continuar em ciclos curtos de governação.
"Os ciclos curtos de governação não resolvem os problemas do país. E não se resolvendo os problemas do país cria-se uma insatisfação que se vai acumulando, uma frustração, até que aparece uma solução populista. E essa solução populista toma conta do país e normalmente não toma conta do país de forma democrática", adverte, embora logo a seguir faça a ressalva que Portugal ainda não está perto desse ponto.
Interrogado se a instabilidade política resulta em parte da legitimidade reforçada inerente aos presidentes da República, que são eleitos diretamente pelos cidadãos, Gouveia e Melo discorda dessa tese do ex-primeiro-ministro e atual presidente do Conselho Europeu, António Costa.
"O nosso sistema constitucional é semipresidencial, ponto final", responde.
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