Depois de já ter sido o partido mais votado nas eleições legislativas de 2024, com 32,62% dos votos, o Chega reforçou este ano o estatuto de principal força política entre os emigrantes na Suíça ao obter 45,72% dos votos, com larga vantagem sobre a coligação PSD/CDS (13,67%) e o PS (8,69%), contribuindo para a eleição de um deputado pelo círculo da Europa por parte do partido liderado por André Ventura, que, com um total 60 deputados eleitos, tornou-se a segunda maior bancada na Assembleia da República, superando o PS.
Dois conselheiros das comunidades portuguesas da secção Suíça, João Figueiredo e António Guerra Iria, que no ano passado assinaram uma recomendação ao Governo português no sentido de ser aplicada aos emigrantes em idade de reforma uma política fiscal que incentive o seu regresso a Portugal, consideram, em entrevista à Lusa, em Genebra, que esta é uma das questões que está na base do expressivo crescimento do Chega no seio da comunidade portuguesa na Suíça.
"Constatei, em muitas conversas em associações, a nível sindical ou em cafés, que se trata sobretudo de um voto de protesto, e em grande parte devido ao fim da taxa reduzida de 10% aos pensionistas ao abrigo do regime de residente não habitual", que foi eliminada no final de 2023, o que levou a que muitos emigrantes, sobretudo de países da Europa com reformas elevadas, tenham passado a ser taxados pela taxa normal de IRS, aponta Guerra Iria.
Lembrando que "quem regressasse a Portugal há dois ou três anos era taxado a 10%", este conselheiro sublinha que quem regresse agora pode ter de descontar até "quase 40%" da pensão, o que leva muitos a não regressarem e a sentirem-se injustiçados, pelo que entende a adesão ao Chega como "um voto de contestação", resultado de um sentimento de "revolta".
A opinião é partilhada pelo conselheiro João Figueiredo, para o qual "é evidente que essa é uma das principais razões" para a implementação do Chega na Suíça, mas também, por exemplo, no Luxemburgo, outro país com uma grande comunidade portuguesa e salários e pensões elevadas, onde o partido de Ventura também reforçou a sua condição de principal força política, ao vencer com 31,27% (contra 19,61% em 2024), de acordo com os resultados divulgados na quarta-feira pelo Ministério da Administração Interna.
"O Chega obtém os melhores resultados nos países com emigrantes cujas reformas são mais penalizadas" pela mudança na política tributária ocorrida em 2023, diz João Figueiredo, acrescentando que há muito que os conselheiros estavam a alertar as autoridades para "um fenómeno crescente de descontentamento e repúdio, que levava as pessoas a votarem num extremo".
"Não foi por falta de aviso. Enviámos uma recomendação ao Governo em novembro do ano passado e alertámos a Assembleia da República, todos os partidos e até o secretário de Estado das Comunidades", diz João Figueiredo, que, ainda assim, admite que lhe causa "confusão" a vitória expressiva entre os emigrantes portugueses na Suíça de "um partido contra a imigração", levando-o a dizer que este é "um caso de estudo".
Já António Cunha, presidente da Federação de Associações Portuguesas da Suíça (FAPS), admitindo que ficou surpreendido com o resultado do Chega nas legislativas deste ano entre os emigrantes portugueses radicados na Suíça, "pela diferença para PSD/CDS e PS", entende que tal pode ser explicado por diferentes insatisfações de diferentes vagas de emigração.
Por um lado, aponta, "há um sentimento de invisibilidade social da parte dos que aqui chegaram nos anos 1960, 1970, com pouca formação, e que sempre se sentiram abandonados pelos sucessivos governos", em matérias como apoios sociais, serviços consulares e questões de escolaridade, "e talvez agora se verifique um despertar de ressentimentos de abandono".
Por outro lado, prossegue este professor na Universidade de Lausana, "muito implicado no associativismo", há também um sentimento de "ressentimento" latente no "segundo ciclo da emigração" portuguesa para a Suíça, iniciado já este século e intensificado nos últimos 15 anos, com "um perfil sociodemográfico muito diferente", constituído por pessoas já com mais formação, que também se queixam porque se sacrificaram, estudaram e acabaram por se ver forçadas a emigrar, acabando muitas delas por ter de procurar e ocupar postos de trabalho abaixo das suas qualificações.
"Há muitos jovens frustrados a viver aqui situações profissionais que não esperavam, e muitos optaram pelo voto de protesto", diz.
Por fim, assinala António Cunha, há o fenómeno da "comparação" entre o país de origem e o de destino de emigração, sendo que, neste caso, "a comparação é trágica para Portugal", pois na Suíça há "um Estado forte, que responde" às necessidades das pessoas em áreas fundamentais, como a saúde, a habitação e a educação.
"Muitos dos que vivem aqui questionam «por que é que lá em baixo» [Portugal] as coisas não funcionam, e o Chega soube alimentar de forma magistral desse descontentamento, oferecendo-lhes um discurso fácil", conclui.
Leia Também: Na Suíça, muitos votaram pela mudança, mas outros temem pela democracia