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"Movimento ecologista não precisa de ninguém para dar tiros nos pés"

Francisco Guerreiro, eurodeputado português no Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia, é o entrevistado desta terça-feira do Vozes ao Minuto.

"Movimento ecologista não precisa de ninguém para dar tiros nos pés"

O eurodeputado Francisco Guerreiro está de saída de Bruxelas após um mandato e vai regressar a tempo inteiro a Portugal. Depois de 12 anos na política - desde a comunicação do PAN, partido pelo qual foi eleito, até ao lugar no Parlamento Europeu -, o eurodeputado faz um balanço sobre os últimos cinco anos.

Mas, em entrevista ao Notícias ao Minuto, Francisco Guerreiro não fala apenas do quão desafiantes foram os últimos cinco anos no âmbito europeu, em que houve algumas frustrações pelo caminho - apesar de ter arrecadado algumas conquistas pessoais. O eurodeputado, que é o único português no Grupo dos Verdes, obteve mesmo 99 em 100 pontos possíveis numa análise feita por organizações ambientalistas. O 'ranking' dá conta de que foi o português que mais de destacou na defesa de políticas ambientais no quadro europeu.

Francisco Guerreiro comenta ainda a sua saída do PAN e o atual ambiente tenso em que o partido se encontra, com várias desfiliações, "não vaticinando um caminho auspicioso" para o partido.

O eurodeputado, de 39 anos, aborda também o futuro que, de forma próxima, não passará pela política, mas sim pelas 'artes', nomeadamente do cinema e da literatura. Com um livro 'na mira', o responsável, de 39 anos, apresenta por agora o mais recente documentário em que trabalhou, ‘Carne: A pegada insustentável’, que trata do veganismo e do impacto que tem em vários setores, como a saúde, por exemplo.

Consegui uma medida muito clara dentro da posição do Parlamento [Europeu], que foi o fim dos subsídios à tauromaquia

Qual o balanço que faz destes cinco anos no Parlamento Europeu? Nomeadamente, quais os principais objetivos que foram atingidos.

Para mim a avaliação é muito positiva. O 'ranking' demonstra que o trabalho foi uma maratona. Não começou no final do mandato para fazer figurinha. Desde o primeiro dia que assumi com grande responsabilidade este trabalho. Não nos esqueçamos de que o Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia tem apenas 10% do Parlamento, ou seja, 72 eurodeputados em 720. Sozinhos não conseguimos nada, mas tivemos uma grande capacidade de influência.

O Pacto Ecológico Europeu porque é concretamente a legislação que permite transitarmos de uma sociedade e de uma economia baseada no carbono e combustíveis fósseis para uma sociedade descarbonizada. Não como desejaríamos, mas o Pacto Ecológico Europeu surtiu efeito. Foi um grande passo positivo. A declaração de emergência climática na União Europeia surgiu devido ao nosso esforço. Diria que é o grande ponto positivo do trabalho dos Verdes Europeus/Aliança Livre Europeia.

A Política Agrícola Comum, que é 28% do orçamento da União Europeia - estamos a falar de 360 mil milhões de euros - foi um dos grandes pilares de debate e de luta e foi mesmo no início do mandato. Apesar de termos votado contra a Política Agrícola Comum - porque ela, no fundo, baseava-se nos mesmos pressupostos de simplesmente financiar grandes unidades intensivas e direcionar dinheiro para a extensividade da produção agroalimentar, não mudando estruturalmente para produções mais resilientes, mais regenerativas - conseguimos algumas medidas ambientais os chamados eco-esquemas. 

Consegui uma medida muito clara dentro da posição do Parlamento [Europeu], que foi o fim dos subsídios à tauromaquia. Foi uma emenda que passou, felizmente, no Parlamento e que consistia em não se atribuir dinheiro à produção dos touros de lide porque eles depois são utilizados no circuito da carne – mas, por intermédio, explorados para a indústria da tauromaquia.

De que forma?

Basicamente, produz-se a dizer que se vai fazer o processo todo de criação, alimentação e abate para alimentação, mas, no meio desse processo, utiliza-se para tauromaquia. Passou uma emenda que rejeitava que fundos da Política Agrícola Comum fossem utilizados para este efeito, mas depois no Conselho, nas negociações finais, Espanha, devido ao seu poder do lobby tauromáquico espanhol, acabou por remover essa emenda. Não obstante, foi uma grande vitória no Parlamento e, portanto, uma vitória individual, porque foi uma emenda individual que passou.

Agora o que vemos é que nem esta Política Agrícola Comum, que foi aprovada pelos grandes grupos - socialistas, sociais democratas, liberais - com pequenas medidas de proteção ambiental se mantêm. Agora, o que nós vemos é o retrocesso de poucas medidas que foram implementadas e que são fundamentais para descarbonizarmos a sociedade e diminuirmos o peso das emissões de um setor que é muito poluente, que é o setor agroalimentar, também para protegermos a biodiversidade. Não nos esqueçamos de que a agricultura é o maior destruidor de biodiversidade da União Europeia, é o maior consumidor de recursos aquíferos na UE e em países como Portugal, isto é crítico. Basta vermos a escassez de recursos hídricos no Algarve, que está diretamente ligado também ao mau uso de água no setor agrícola e no setor da pecuária.

E quais aqueles que não foram cumpridos?

A incapacidade de a Comissão Europeia de cumprir a promessa que fez, no início do mandato, de rever toda a legislação em torno do bem-estar animal, para mim é frustrante. É frustrante para milhões de cidadãos e cidadãs, porque no fundo o que apresentaram foi agora no final da legislação, uma pequena proposta sobre harmonização da legislação em torno do comércio de animais de companhia. Nada de substancial e claramente algo para atirar areia para os olhos porque é uma matéria que não é problemática. Excetuando algumas posições, estamos mais ou menos todos de acordo com o que se deverá trabalhar nessa área. 

E depois uma legislação muito fraca em relação ao transporte de animais vivos - dentro e fora da UE - que também pressupõe que pouco se vá alterar e por isso uma nova posição muito fraca da Comissão Europeia. 

Tudo o que envolvia a produção de animais, nomeadamente, fim das jaulas em produções pecuárias, um modelo diferente de produção pecuária com garantias de real bem-estar das diferentes espécies, uma harmonização de todo o processo produtivo dentro da UE, acabou por não existir devido a esta pressão gigantesca dos grandes lobbies agroindustriais, que querem basicamente manter tudo na mesma.

Para mim e para o meu grupo, essa foi uma das grandes frustrações. Porque estivemos em todas batalhas, a solicitar todos os passos necessários, fizemos imensas audições, consultas externas, tínhamos todos os dados económicos necessários para completar uma proposta vinda da Comissão – e essa proposta simplesmente não aconteceu devido ao populismo de Ursula Von der Leyen, que preferiu ceder à retórica muito próxima da extrema-direita e dos conservadores, do que dar uma resposta aos milhões de cidadãs e cidadãos que queriam que houvesse uma melhoria da legislação em torno do bem-estar animal da UE.

Governo português continua a ser subserviente desta visão unilateral - altamente extremada - da extrema-direita do governo israelita


Mas não foi a única frustração?

[Deveria ter havido] Dentro das instituições europeias o reconhecimento do Estado palestiniano – simbólico, mas com um grande impacto geopolítico. E dentro dessa dinâmica, agora mais para o final, também o fim das exportações de armas para Israel e a garantia de que o acordo de parceria entre a União Europeia e Israel ficasse congelado. Isto porque, pelo que vemos dentro deste conflito, o congelamento deste acordo de parceria seria também uma pressão adicional para que este governo de extrema-direita israelita se sentasse à mesa das negociações e travasse o seu militarismo em populações que não têm capacidade de se defender. Gaza continua sob um cerco total. Existe um claro plano de incapacitar esta região e as pessoas que lá vivem de terem uma vida minimamente digna. Esta seria, no final deste mandato, uma posição coerente até para com os valores que promovemos - da democracia, respeito pelos direitos humanos e da solução pacífica dos conflitos.

A inexistência deste posicionamento pode estar relacionada com algum receio no que diz respeito a ‘quebrar’ relações com os Estados Unidos?

Não creio. Primeiro, porque não devemos ir a reboque dos Estados Unidos. Segundo, porque temos Estados-membros dentro da UE que são quase subservientes do Estado de Israel. Falo, nomeadamente, da Alemanha, que mesmo sendo governada por uma coligação de Centro-Esquerda é incapaz de promover algum tipo de condenação ao governo de extrema-direita israelita. Não há nada que nos aponte que a defesa de Israel deva ser feita perante este governo e que se deva justificar todas as suas ações. Parece-me que há uma diferença pelo que é apoiado pelas populações, que na sua generalidade está ao lado da paz, dos israelitas e de quem mais sofre, que são palestinianos. E não está circunscrito a Gaza, há também a Cisjordânia. Há aqui um 'masterplan' por assim dizer, que só não vê quem não quer.

E quanto a Portugal?

Infelizmente, o Governo português através do Ministério dos Negócios Estrangeiros continua a ser subserviente desta visão unilateral – altamente extremada – de extrema-direita do governo israelita.

Um dos primeiros passos que Portugal poderia dar era, juntando-se a Espanha, reconhecer o Estado palestiniano – para nesse sentido se caminhar, ou, pelo menos, ajudar-se a caminhar para uma solução de dois Estados para que coabitem pacificamente, para que ambos sejam soberanos, a viver lado a lado. E, portanto, parece mais uma dissonância entre lideranças políticas, governamentais, e a grande generalidade da população que está horrorizada com as imagens que nos chegam.

Essas acusações são dirigidas ao atual Executivo ou ao anterior?

Falo nos dois. Há uma falha estratégica do Partido Socialista porque não o fez durante os últimos oito anos anos – e teve mais do que oportunidades de o fazer – que é reforçada por uma posição que me parece ainda mais extremada do Governo atual, que tem no Ministério nos Negócios Estrangeiros um ex-eurodeputado [Paulo Rangel] que já fez declarações unilaterais de apoio quase incondicional ao Estado de Israel, desconsiderando factos e instituições internacionais como a Organização das Nações Unidas, Unicef ou UNRWA. Chega uma altura em que ou se quer trabalhar para realmente garantir a paz e coexistência de dois Estados ou somos unilaterais numa visão - seja de um lado ou outro. 

Aqui, claramente, não há a possibilidade não olharmos para os factos. Não é possível ignorar que Israel ultrapassou, em larga medida, tudo o que é razoável num tipo de conflito. E isto não começou no dia 7 de outubro. É uma história de décadas, e hoje em dia ainda é mais pernicioso porque se usam, inclusive, tecnologias altamente sofisticadas, como a Inteligência Artificial e drones automáticos - o que torna ainda mais desumana a ação do exército israelita, que se diz o mais moralista do mundo, e depois tem este tipo de atitudes contra qualquer direito fundamental.

Além do conflito no Médio Oriente, que outros desafios enfrenta agora o Parlamento Europeu que não existiam há cinco anos, no início do seu mandato?

Um deles é a continuação da invasão russa na Ucrânia e o apoio do movimento de extrema-direita ao fim das hostilidades não por benefício da Ucrânia, mas por pressão russa. Não nos esqueçamos que movimentos de extrema-direita, como Marine Le Pen com o movimento nacionalista francês, ou o Chega, em Portugal, estão a promover internacionalmente o fim das hostilidades para passar uma carpete vermelha no regime oligarca de Vladimir Putin e não para ajudar os ucranianos. Isto tem sido uma concertação internacional e, portanto, isto torna cada vez mais perigosos os movimentos populistas de extrema-direita, que estão, inclusivamente, a usar as necessidades do povo ucraniano para fomentar nacionalismos.

De que forma?

As exportações de bens alimentares ucranianos, nomeadamente, as cerealíferas, estão a ser condicionadas por países limítrofes à Ucrânia, como a Polónia, por causa do seu baixo valor e das isenções que têm nesses produtos devido à guerra. Isto está a ser usado como arma de arremesso nacionalista e populista contra esta política de ajuda a este país que está a ser intensivamente atacado e também a servir de barreira a quadros já dentro da União Europeia, e está a ser mobilizado pela extrema-direita. A nacionalização extremista da Direita destes temas e da Ucrânia vai ser um dos grandes problemas, sobretudo, se houver aumento da extrema-direta e aumento dos conservadores, nomeadamente, no quadro das instituições da União Europeia.

A aproximação de Ursula Von der Leyen aos conservadores e à extrema-direita também é preocupante porque, no fundo, são as famílias políticas que são contra o projeto da União Europeia, que são contra qualquer medida de transparência das verbas dos eurodeputados, por exemplo. Tivemos a questão da Qatargate, em relação à corrupção nas instituições. Quando fomos votar o pacote para garantir mais transparência, menos conflitos de interesse, mais responsabilização das verbas que os eurodeputados têm, a extrema-direita votou sempre contra. 

Há uma grande diferença entre o discurso de extrema-direita e depois o que votam no Parlamento Europeu. Isso é um grande problema. A extrema-direita votou sempre contra tudo o que eram medidas de transição climática, proteção da biodiversidade e proteção do bem-estar animal, por exemplo. E, por isso, o que acontecerá é que as poucas regulamentações que conseguimos fazer positivas para proteger ou fazer transitar a economia para um modo mais descarbonizado ou digital, vão ser postas em causa por causa destas forças extremistas.

E quanto à Inteligência Artificial?

Também vai ser um dos grandes debates. Penso que termos passado a regulamentação da Inteligência Artificial foi algo bastante positivo, porque é um misto de desenvolver a tecnologia, mas criar barreiras para a sua utilização - por exemplo, nos 'deepfakes', que condicionam a perceção de muitas pessoas nas redes sociais. É fácil pôr o líder de um Estado a falar e a dizer [aparentemente] algo que ele nunca disse. Esse tipo de regulamentação é necessária.

Mas depois há outros países, como Israel ou a China, que simplesmente avançam rapidamente nesta matéria. Tem de haver o esforço coletivo e global para travarmos a expansão desta tecnologia, porque ela põe em risco os nossos processos e instituições democráticos.

Movimento ecologista olha tendencialmente para o umbigo e não vê a ‘bigger picture’

Por que razão decidiu não se recandidatar?

Quero passar mais tempo com a família. Passei cinco anos a viajar entre Portugal e Bruxelas. A minha família merece o meu tempo. E mesmo que tivesse a garantia de que fosse eleito, nunca iria fazer mais do que dois anos e meio – transitaria para outro deputado porque acho que dois mandatos é demasiado. Não quis avançar com qualquer tipo de campanha. Estou mais do que satisfeito com o trabalho que fiz durante estes cinco anos - eu a minha equipa.

E qual é agora o próximo passo?

Não faço ideia do que vou fazer no futuro. Sei que vou descansar, que vou estar mais tempo com a minha família. Vou-me dedicar à minha pequena horta - vou compô-la. Vou ter tempo para pôr as mãos na terra e vou, possivelmente, começar a escrever um livro, que não será muito comum, mas deve interligar a questão do veganismo com políticas internacionais.

De que forma?

Para mim o veganismo não é simplesmente deixar de comer animais. Tem impacto no comércio internacional, na geopolítica, na gestão dos recursos aquíferos, terrestres, na questão da sustentabilidade alimentar e também tem impactos na política. E, por isso, quero escrever um livro que explore esta área, porque se promovermos uma sociedade baseada na não violência, ela tem de partir iminentemente de eliminarmos ou reduzirmos drasticamente o consumo de produtos animais. E isto traz uma imensidão de repercussões positivas no Serviço Nacional de Saúde, por exemplo - termos menos doentes crónicos, por exemplo.

PAN continua a reciclar as suas ideias e o fim da tauromaquia só dá até um certo nível

Excluiu então um regresso à política?

Político-partiário, de momento sim. Até porque não me sinto representado por nenhum partido. Mas todos nós somos agentes políticos. Não foi por acaso que propus que para esta especificidade que são as eleições europeias, o Livre, o PAN e o Volt fossem coligados – para unificar o voto ecologista e para garantir, pelo menos, a eleição de um deputado certo para o Parlamento Europeu. Infelizmente, acho que o movimento ecologista não precisa de ninguém para dar tiros nos pés.

Os últimos acontecimentos demonstram que, mais uma vez, se deveria ter tido cuidado quando se apresentou a eleições, que as coisas poderiam ser bem feitas, com calma. Esta coligação poderia ajudar a unificar estes votos e a garantir que pessoas, por exemplo, como eu, que não se reveem totalmente num destes três partidos, pudessem sentir que o seu voto é útil porque estariam a agregar esforços. Teria havido esta maturidade política de perceber a importância de nos próximos cinco anos ter um deputado europeu verde de Portugal - ou dois. Porque se agregássemos estes votos poderíamos estar a lutar por um segundo deputado, não propriamente para o primeiro. E por isso a importância de termos estes deputados com uma visão muito própria do que o nosso país representa para a União Europeia. O oceano não será defendido da mesma maneira se não tiver um ecologista português no Parlamento Europeu. Tem sido o meu trabalho político por assim dizer, neste final de mandato, tentar criar alguma responsabilização no movimento ecologista, que tendencialmente olha para o umbigo e não vê a ‘bigger picture’, como se costuma dizer.


Não se sentido identificado, afasta por isso a hipótese de uma filiação, como por exemplo no Livre ou noutro partido? 

Seria mais ruidoso e não benéfico para a causa ecologista se eu tentasse integrar um destes movimentos. O meu papel é ser construtivo e dar também espaço a outras pessoas, mais jovens. O meu papel será sempre de agregar, construir e não é por acaso que mesmo dentro do Parlamento Europeu tenho uma excelente relação com todos os eurodeputados, todos os grupos, de outras famílias políticas – exceto com a extrema-direita porque é impossível ter algum tipo de racionalidade com esse grupo. E, portanto, isso também demonstra que é possível fazer pontes, defender as nossas causas de modo construtivo, mas com veemência, não cedendo a pressões e responsavelmente defender o que temos a defender. E depois, em último caso, concordar em discordar.

Falamos disto porque foi o primeiro caso de desfiliação mais polémica do PAN, em 2020, mas muitas outras se seguiram. O que acha do trabalho do PAN atualmente?

Vai no sentido das minhas críticas iniciais, portanto, no fundo, os últimos quatro anos, desde que eu me desfiliei, demonstraram que eu tenho razão. Mesmo a saída do André Silva, que eu acho que foi com um péssimo ‘timing’ e que não trouxe nada de positivo à política e à sua pessoa – porque mesmo no final de eleições sair do partido de modo tão aziado, por assim dizer, não é nada positivo. Esperaria, como eu esperei, para que não houvesse nenhum período eleitoral, e depois sairia com as suas críticas.

O que se vê é ainda agora o que aconteceu na Madeira: a ação de retirar o candidato que estava na lista a poucos dias das eleições por uma pessoa próxima a Inês de Sousa Real. Levou o Constitucional dizer que era uma medida ilegal, e, portanto, o que vemos é isto: não há liderança para lá da visão unitária da Inês Sousa Real, não se constroem bases para o crescimento próprio do partido e de outras ideias dentro do partido – o que é princípio do fim de qualquer movimento político.

Infelizmente, tudo o que eu vaticinei dentro do PAN mantém-se – medidas tão estruturais como o debate em torno do Rendimento Básico Incondicional, de uma política baseada na diferenciação, na comunicação, mesmo dessas próprias políticas e ideias de modo não violento, que tinha sido uma das grandes características do partido sob a minha coordenação da comunicação, deixaram de existir, portanto, hoje em dia, quem olhar para a comunicação do PAN percebe que, infelizmente, continuam a reciclar sempre as mesmas ideias e o fim da tauromaquia só dá até um certo nível. Depois, as pessoas precisam de outro tipo de visões político-partidárias. Demonstram que não se cresceu, não se desenvolveu, não se aprendeu com os erros e, infelizmente, não vaticino um caminho auspicioso, mas lá está, não estando eu no PAN, é responsabilidade dos membros que lá estão e da liderança que lá está – mas, no fundo, é dar-me razão quando há quatro anos saí do partido.

E foi criticado nessa altura...

Nós elegemos para o Parlamento Europeu e uma das críticas que fazem é que não cedi o lugar, mas o conceito será defender o programa para o qual nós fomos eleitos. E os ‘rankings’ demonstram que eu não só defendi o programa para o qual fomos eleitos, como, tenho sido um dos melhores eurodeputados portugueses e europeus na defesa dessas matérias.

Não é por acaso que os lugares dos eleitos são dessas mesmas pessoas. Nós somos eleitos para defender as instituições e os programas para os quais somos eleitos, não para defender a política partidária cega e obtusa. Portanto, quando não há nenhum facto que demonstre que eu fui contra o programa eleitoral, que não me excedi no cumprimento desse programa eleitoral, não há nenhuma razão para ser contra o trabalho que eu fiz. Muito pelo contrário. Agora, se custa ouvir àqueles que ainda estão no partido… Se calhar a uma pequena parte, porque eu tenho contactado com muitas pessoas que ainda estão dentro do PAN e que me têm agradecido imenso o trabalho que eu tenho feito.

As europeias são as eleições a que os portugueses menos 'aderem'. Porquê?

De um modo geral, durante os últimos cinco anos houve uma diminuta cobertura do trabalho que era feito pelos eurodeputados portugueses, mas também por parte das instituições europeias e o quão positivo e importante é esse trabalho para países como Portugal. Isso faz com que as pessoas, não percebendo o que é que aqui é feito, nem a dimensão em volume ou de complexidade, não percebam depois o que é que afeta as suas vidas. Somos capazes de ter 100 horas semanais de comentário futebolístico, jogos de futebol, comentário do comentário, análise da análise, e somos incapazes de ter como sociedade e como meios de comunicação, se calhar, uma hora juntando todos os segmentos informativos para falar da Europa. A União Europeia é efetivamente um projeto que precisa de explicação, precisa de debate, precisa de questionamento. Acho que a ausência de escrutínio no trabalho que fazemos leva a que as pessoas não percebam a importância das eleições europeias e depois quando se chega a algum ponto pensam: “Isto são só mais uns cargos, a malta vai para lá, ganha um bom dinheiro, não faz nada, fica ali sentadinha e depois passados cinco anos vem pedir-nos um voto”. 

Depois, a responsabilidade da nossa parte: há uma grande dificuldade em comunicar o que nós fazemos. Excetuando algumas bolhas – as pessoas que nos seguem e sabem o que vamos fazer –, existe uma dificuldade em chegarmos às pessoas de um modo geral, mas tem sido investido muito dinheiro e muitos recursos para as instituições europeias chegarem mais aos cidadãos. O que acontece é que depois com as iniciativas legislativas de cidadãos, por exemplo, são recolhidas assinaturas, há processo de validação, há audição nas instituições e a Comissão põe-nas na gaveta. Existe um grande descrédito em perceber ou em sentir que existe uma continuidade neste esforço de cidadania. As pessoas até são as mais motivadas a reforçar o projeto europeu, mas se veem que têm um grande esforço para depois não acontecer nada, desmobilizam-se. Aí também existe uma incoerência, mas sobretudo da Comissão e das grandes famílias políticas europeias em não respeitar esta mobilização fantástica que existe, nomeadamente com as iniciativas legislativas de cidadãos.

E depois existe também o populismo, nomeadamente, de extrema-direita, que condiciona imenso a perceção do que é o real trabalho das instituições e o que é que aqui se faz e o impacto na sua vida positiva. Basicamente, tudo o que é de mau é dos burocratas, dos eurocratas e tudo o que é de bom é dos movimentos nacionais, dos governos, dos nacionalistas e, portanto, isto cria uma dissonância cognitiva entre a realidade e a perceção do que é que realmente aqui acontece. Isto levou, por exemplo, ao Brexit. Foram chavões populistas do Nigel Farage que levaram depois o governo de Centro-Direita a abrir portas ao referendo, que foi ‘taco a taco’, mas que acabou por vencer o Brexit – e hoje em dia temos essas repercussões diretas na vida dos cidadãos.

E como explicaria a importância destas eleições, nomeadamente, para Portugal?

Traz fundos europeus para a recuperação da economia, fundos agrícolas para ajudar a produzir alimentos e garantir que temos produtividade no mundo rural ou investimento em infraestruturas. Em várias localidades no interior do nosso país temos várias situações que são financiadas com dinheiro europeu: estações de tratamento de água, estradas, pontes, reconstrução de palácios, museus e infraestruturas.

Temos a capacidade de ter um programa de Erasmus que faz com que milhares de estudantes possam viajar e ter uma experiência única dentro da União Europeia, também financiada com dinheiro europeu. Temos programas de regeneração da biodiversidade também financiados com dinheiro europeu. Estive em todos os orçamentos anuais – porque eu também estive na Comissão de Orçamentos da União Europeia – e lutei muito para que realmente existissem verbas para todos estes programas que são especiais, nomeadamente, por exemplo, quando falamos do Espaço.

Temos o nosso sistema espacial que nos ajuda a monitorizar poluição dos mares, das florestas, a temperatura média do planeta, que nos ajuda depois a ter políticas públicas para ajudar-nos a combater estes fenómenos. Há dinheiro que é alocado às cidades para que elas se regenerem e se tornem mais sustentáveis. 

O ‘roaming’. Se não existisse ‘roaming’ hoje em dia nós estaríamos a pagar uma tarifa completamente diferente se passássemos simplesmente Espanha. Poderíamos estar a pagar uma tarifa gigantesca.

Temos a ideia de que temos os melhores ‘standards’ de bem-estar animal e produção agroalimentar e em muitas medidas isto não é o caso

De ‘regresso’ ao futuro… O seu novo documentário, ‘Carne: A pegada insustentável’, parece que é um passo até para o livro que pensa escrever. Já é um tema em que trabalha e a pensa há muito tempo?

Já tinha pensado no livro antes do documentário, mas quis comunicar de modo fácil e acessível não só o trabalho – meu, da minha equipa e do meu grupo – nestes últimos cinco anos nestas matérias – mas também sintetizar o trabalho artístico – e aí é feito pelo realizador Hugo de Almeida, de modo muito premente e diria genial – porque de facto constrói uma narrativa muito bem montada, uma história muito bem explicada. Uma história com factos, mas também emoção de várias histórias e ligações geracionais. 

No fundo, era falar de um modo simples, emotivo e factual, da importância de consumirmos cada vez menos produtos de origem animal dentro de três grandes áreas – a saúde, a ecologia e direitos dos animais. O que é diferenciador neste documentário é que mostra o que é a realidade da União Europeia e de Portugal. Os documentários que nós temos nesta matéria são sempre fora da União Europeia e com exemplos de matadouros fora e de produções fora, como nos Estados Unidos e na China.

Em países muito populosos...

Quisemos mostrar que nós não somos assim tão diferentes. Temos a ideia de que temos os melhores ‘standards’ de bem-estar animal e produção agroalimentar e em muitas medidas isto não é o caso. Viajámos pela Europa, fomos ao Reino Unido, que não já não pertence à UE, e ao Líbano também, onde encontrámos um hospital que tem refeições totalmente vegan. Acabámos por demonstrar que esse movimento está a acontecer e que existem muitas pessoas interessadas.

Como por exemplo?

Temos imensas escolas secundárias, universidades, restaurantes, empresas, onde vamos mostrar o vídeo em primeira mão e fazer debates e, de modo geral, o ‘feedback’ tem sido muito positivo – porque também não tem aquela componente moralista do: “És menos se fizeres aquilo”. É explicar, factualizar e no final deixar a cada um a sua responsabilidade e consciência sobre se faz sentido reduzir o consumo de produtos animais ou não.

O documentário não é só meu. Um dos objetivos é promover a participação da comunidade, chamando-nos aos sítios, mas também do debate com outras pessoas sem ser o Francisco Guerreiro, eurodeputado – como por exemplo o realizador, Hugo de Almeida, ou as associações envolvidas. Isto não é uma promoção do meu trabalho, é uma promoção de uma causa que vai além do meu trabalho. Todas as pessoas que participam no documentário vão sempre que possível.

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