Praticamente três anos após o então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, ter defendido que a "TAP é do povo português para o bem e para o mal", o atual ministro das Finanças, Fernando Medina, anunciou, esta quinta-feira, a intenção do Governo em alienar pelo menos 51% do capital da transportadora aérea.
Nas horas que se seguiram ao anúncio, os partidos - da esquerda à direita - pronunciaram-se sobre a reprivatização, com críticas, sobretudo, aos milhares de milhões de euros injetados pelo Governo nos últimos anos para salvar a empresa. Críticas essas que o Partido Socialista (PS), que governa com maioria absoluta, desvalorizou, acusando a oposição de estar "a perder alguma capacidade construtiva".
"Um crime", "falta de competência" e o dinheiro injetado. As críticas - da direita à esquerda
O vice-presidente do PSD, Miguel Pinto Luz, considerou que os 3,2 mil milhões de euros gastos, que "os portugueses são obrigados a pagar", são o "reflexo fiel da falta de competência" do primeiro-ministro, António Costa, e do "Governo socialista a gerir o dossier".
"O Governo de António Costa herdou uma TAP saudável, que funcionava, mas num estalar de dedos tudo isto mudou. Costa e o Governo PS escolheram reverter a privatização e tornar a TAP na sua coutada privada", acusou.
— PSD (@ppdpsd) September 28, 2023
Pela voz de André Ventura, o Chega questionou o Governo sobre o reembolso aos contribuintes do dinheiro público e sobre quem vai pagar eventuais indemnizações a ex-administradores da TAP.
"A TAP vai ou não reembolsar o Governo, os portugueses, sobre o dinheiro que lá foi colocado? E nada disso foi dito hoje", salientou André Ventura, em declarações aos jornalistas no parlamento.
"Como todos sabem, o país inteiro sabe, estão em curso pedidos de indemnização altamente gravosos e significativos por parte da ex-CEO da TAP e outros ex-administradores: quem vai suportar estes custos?", perguntou ainda, defendendo que "os novos privados detentores da TAP têm que assegurar o valor das indemnizações que eventualmente terão que ser pagas a estas entidades".
Também o deputado da Iniciativa Liberal (IL) Bernardo Blanco defendeu que o dinheiro da privatização deve ser integralmente devolvido aos portugueses, através de um cheque ou descida de impostos.
"O Governo reconhece que errou ao nacionalizar a companhia, infelizmente só o faz depois de os portugueses lá colocarem 3,2 mil milhões de euros", criticou, acrescentando que se o valor de venda for abaixo dos 3,2 mil milhões "o Governo tem de admitir que os portugueses estão a perder dinheiro".
Por outro lado, o partido considera que "não faz sentido que o valor da venda fique nos cofres do Estado", mas tem de ser devolvido aos portugueses.
Para o PCP, a reprivatização da TAP é "um crime contra a economia do país e contra a soberania nacional" e, por isso, o partido requereu a audição urgente do ministro das Infraestruturas, João Galamba.
"É uma decisão que é tomada em convergência com o que PSD, CDS, Chega a Iniciativa Liberal têm vindo a defender e que se insere num caminho de abdicação nacional, com dezenas de privatizações que deixam o país mais pobre e dependente", considerou ainda o deputado comunista Bruno Dias.
O PCP reafirma que a privatização da TAP é um crime contra o país, contra a economia do País, contra a soberania nacional.https://t.co/2Ft546bNTN
— PCP (@pcp_pt) September 28, 2023
A líder do PAN, Inês de Sousa Real, revelou que o partido pediu que o processo seja acompanhado e fiscalizado Conselho de Finanças Públicas para garantir "total transparência" porque o negócio não pode traduzir-se num "prejuízo para o interesse nacional".
"A sua privatização agora não pode significar um dano em relação ao dinheiro que foi investido e depois que esta privatização se venha a traduzir novamente num sorvedouro de dinheiros públicos que foram retirados a áreas estruturais como a habitação, a saúde ou o investimento, por exemplo, nos transportes públicos como a ferrovia", disse.
Por sua vez, o deputado único do Livre, Rui Tavares, alertou que o Estado vai perder o controlo estratégico da companhia e que não se pode "dizer tudo e o seu contrário".
"Hoje ficámos a saber o essencial sobre a privatização da TAP. Pode faltar saber quem vai ser o comprador, em que aliança internacional a TAP vai estar, qual exatamente a quota que vai ser vendida, mas o essencial nós sabemos: a TAP vai ser privatizada e o Estado vai perder o controlo estratégico sobre a companhia", considerou.
O Bloco de Esquerda (BE) não se pronunciou após o anúncio de Fernando Medina, mas, esta manhã, Mariana Mortágua disse que o partido era contra a reprivatização porque a transportadora "foi salva com dinheiro público".
"Nós temos uma história inteira, desde a Portugal Telecom aos CTT, que diz que é um erro privatizar estas empresas", lembrou.
"Oposição está a perder alguma da sua capacidade construtiva"
No entanto, apesar das críticas de praticamente todos os partidos com assento parlamentar, o PS defendeu que a TAP "é um ativo muito importante do país" e lamentou que a oposição esteja "a perder alguma da sua capacidade construtiva".
"O tom das críticas neste caso não é diferente de outros casos. A oposição está, neste momento, talvez a perder alguma da sua capacidade construtiva. A cada iniciativa do Governo faz o mesmo tipo de críticas, quer se fale da TAP, quer se fale de Habitação, quer se fale de qualquer outro tema", acusou.
"O conteúdo do que a oposição diz é, independentemente do assunto, a mesma crítica, o mesmo azedume, e a mesma incapacidade de construir e estamos aqui com vontade de construir e de estabelecer pontes com todos os partidos da oposição democrática, entenda-se", afirmou Brilhante Dias.
Marcelo vai analisar se diploma "salvaguarda interesse nacional"
Na sequência das críticas, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, garantiu que vai analisar o documento do Governo "como um todo", sobretudo se a "salvaguarda do interesse nacional consta da lei ou do caderno de encargos".
"Tenho de olhar para o diploma como um todo, nomeadamente numa questão, que é a de saber se as garantias - pelo menos as essenciais - quanto à salvaguarda do interesse nacional constam da lei ou do caderno de encargos", acrescentou.
Lembrando que um diploma e um caderno de encargos "não são a mesma coisa", porque "uma coisa tem valor de lei" e a "outra coisa é um conjunto de regras administrativas", Marcelo frisou que "em consciência" tomará a decisão sobre a TAP.
Sublinhe-se que o Governo anunciou hoje a intenção de alienar pelo menos 51% do capital da TAP, reservando até 5% aos trabalhadores e quer aprovar em Conselho de Ministros até ao final do ano, ou "o mais tardar" no início de 2024, o caderno de encargos da privatização da TAP.
Os anúncios sobre a privatização da companhia foram feitos pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, no final do Conselho de Ministros depois da aprovação do diploma que estabelece as condições para a reprivatização da companhia aérea.
Numa altura em que se começam a perfilar interessados à compra da companhia aérea que voltou ao controlo do Estado em 2020, este documento que enquadra as condições para a privatização da TAP terá de ser promulgado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que já mostrou favorável à venda.
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