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"Há um défice democrático persistente na Europa"

Joseph Weiler, académico norte-americano especializado em assuntos europeus, defende que "há um défice democrático persistente na Europa" que não é reconhecido pelos dirigentes e que leva as pessoas a não votar por sentirem que "não muda nada".

"Há um défice democrático persistente na Europa"
Notícias ao Minuto

08:15 - 27/12/18 por Lusa

Política Joseph Weiler

"Já ninguém gosta de falar disso, mas há um défice democrático persistente na UE", disse o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Nova Iorque e ex-diretor do Instituto Europeu de Florença em entrevista à Lusa em Lisboa.

"Um dos aspetos mais primitivos das nossas democracias é a capacidade de os cidadãos, com o voto, decidirem quem os vai governar - e, se não gostarem, poderem mudar de governo -, e, em segundo lugar, poderem definir as políticas se pessoas suficientes votarem da mesma maneira", explicou.

"Não temos isso na União Europeia. Mas penso que a classe política não quer reconhecer isso", afirmou, avançando como explicação: "Não é que sejam más pessoas, são sonâmbulos".

O resultado, prosseguiu, é a crescente abstenção nas eleições para o PE, porque os eleitores "sentem que [votar] não muda nada".

"É por isso que o 'slogan' do 'Brexit' -- 'take back control' (recuperar o controlo) - tem repercussão. As pessoas sentem mesmo que perderam controlo, que não podem definir a política da união da forma como definem as dos seus países", exemplificou.

Esse sentimento, considerou "é uma questão real que não está a ser tratada", muito porque os líderes europeus partem frequentemente de "uma premissa materialista" segundo a qual "as pessoas estão insatisfeitas por causa do desemprego ou dos salários baixos".

"Podia dizer-se isso em 2008, podia dizer-se isso em 2010, mas não se pode dizer isso em 2019. As pessoas estão a reagir não a condições materiais, mas a questões identitárias [...] E, mais uma vez, não se está a tratar disso", criticou.

Ao não lidarem com essas preocupações dos cidadãos, explicou, os partidos tradicionais estão a abrir caminho aos partidos populistas, que exploram os sentimentos que lhes estão na base.

"Marine Le Pen não teria a repercussão que tem, Kaczynski não teria a repercussão que tem se alguns dos problemas com que lidam não fossem problemas reais a que os outros partidos simplesmente não respondem", frisou, referindo-se à líder da extrema-direita francesa e ao dirigente nacionalista polaco.

"E a maneira como se está a lidar com isso é demonizando o populismo. Quando digo isto, as pessoas zangam-se comigo, dizem 'estás a justificar o populismo'... Não! O que digo é que há preocupações legítimas, tanto em termos de valores democráticos como de valores identitários, a que os partidos tradicionais não estão a dar resposta e então pessoas destas aparecem nesse espaço e exploram-nas", defendeu.

Joseph Weiler frisa que o problema do populismo é mais abrangente do que por vezes se possa pensar, na medida em que ele só é um problema porque representa mais do que os seus partidos e dirigentes.

"Há políticos muito maus, [o primeiro-ministro húngaro, Viktor] Orban é alguém cujo conjunto de valores é inaceitável, mas se olhar para a Áustria, para Itália, para a Polónia, para a Hungria, o problema não é Orban, o problema são os milhões e milhões e milhões que os apoiam", explicou.

"E esses não são todos más pessoas. Estão a reagir a problemas reais", acrescentou.

Com todos estes fatores novos, Weiler considera que "duas coisas interessantes" se vão passar nas eleições europeias de maio: a questão central vai ser a Europa e a abstenção vai diminuir.

"Primeiro, tenho a intuição de que vão ser as primeiras eleições que são acerca da Europa e não acerca da política nacional, e isso é importante e positivo. Em segundo lugar, penso que pela primeira vez a participação vai aumentar, mais pessoas vão votar, mas em grande medida por causa do voto eurocético. Mas até isso é bom, porque o pior resultado é a indiferença", explicou.

Esse aumento da participação pode lançar as bases do que Weiler considera "a politização" indispensável à democratização da Europa.

"Muitas pessoas pensam que o pior que pode acontecer à Europa é politizá-la, porque argumentam que a única coisa que lhe dá legitimidade é as pessoas dizerem que a união não é política", afirmou.

"Discordo. Primeiro porque acredito que a democracia significa escolha e escolha com significado: se voto, quero sentir que o meu voto faz diferença. E, em segundo lugar, a comissão pode dizer que não é política, mas isso não existe. (...) O que se faz é colocar a política debaixo do tapete", explicou, acrescentando que "os eleitores percebem ou sentem isso" e reagem "não votando".

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