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"A sombra de Paula Brito e Costa paira cada vez menos na Raríssimas"

A nova presidente da Raríssimas, Sónia Margarida Laygue, é a entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto.

"A sombra de Paula Brito e Costa paira cada vez menos na Raríssimas"
Notícias ao Minuto

08:50 - 02/03/18 por Patrícia Martins Carvalho

País Sónia M. Laygue

Na semana em que se assinalou o Dia Mundial das Doenças Raras conversámos com a presidente da Raríssimas. Sónia Margarida Laygue disse ao Notícias ao Minuto quais são as dificuldades que as pessoas com doenças raras enfrentam no dia a dia, apontando também aqueles que são os desafios nesta luta constante e diária.

A polémica que envolveu a associação no final do ano passado foi também um dos temas abordados, com Sónia Margarida Laygue a confessar que a situação financeira da associação não permite, neste momento, pagar dívidas existentes a fornecedores.

No entanto, a nova presidente da Raríssimas garantiu que não há salários em atraso e que, aos poucos, está a conseguir recuperar a confiança de antigos e novos mecenas da instituição.

O corte com a administração anterior, explicou, passa pela aplicação de novos modelos de gestão e de cultura diferentes, baseados, sobretudo, na "transparência", tanto no interior da instituição, como na comunicação com o exterior.

Qual é a maior dificuldade que as pessoas com doenças raras enfrentam?

As pessoas com doenças raras têm grandes dificuldades em gerir o dia a dia ao longo das suas vidas. De um modo geral, destacaria quatro grandes dificuldades. Primeiro, as médicas que dizem respeito à dificuldade na obtenção de um diagnóstico e na existência de poucos centros especializados ou adaptados às necessidades específicas de cada pessoa; depois as logísticas, pois existem muitas dificuldades em encontrar um centro que agregue todas as terapias necessárias de forma coerente, coordenada, equilibrada e duradoura. Existem também as dificuldades monetárias na obtenção de financiamento das terapias e tratamentos necessários e, por fim, as dificuldades psicológicas, pois é difícil aceitar a doença e aceitar ter de deixar um projeto de vida imaginado e sonhado.

Os diagnósticos são demorados?

Depende muito. Quanto mais rara for a doença, mais difícil é definir um diagnóstico. Muitos dos exames genéticos são caros e requerem uma validação específica e depois o tempo entre a realização do exame e a obtenção dos resultados também pode variar.

O que acontece muitas vezes é que é complicado fazer este diagnóstico em crianças com idade inferior a três anos, porque é apenas nesta idade que se começam a verificar algumas dificuldades e um atraso nas conquistas expectáveis para a idade.

Qual é então a importância que assume o Dia Mundial das Doenças Raras?

O Dia Mundial das Doenças Raras divide-se em três esferas de importância: criar momentos de trocas, de partilhas de vida, de conhecimento, para que a vida em comunidade seja mais natural e feliz; Lembrar a sociedade que os portadores de doenças raras fazem parte integrante da nossa sociedade e que merecem o seu lugar, a nossa atenção e todo o nosso apoio, e que os meios que existem atualmente ainda não são suficientes e evidenciar as iniciativas existentes e as instituições inovadoras, celebrando os avanços médicos e científicos neste domínio.

Qual é o grande desafio na luta contra as doenças raras?

Os maiores desafios são a realidade económica (devido à incidência baixa destas doenças, o benefício existente tem um custo elevado); encontrar terapêuticas e tratamentos ajustados que, dada a diversidade de doenças raras que existem variam de pessoa para pessoa, o que faz com que ainda haja um longo caminho a percorrer neste campo. Por fim, uma terceira dificuldade prende-se com a formação e as competências no domínio das doenças raras.

Em Portugal estima-se que existam entre 600 a 800 mil portadores de doenças raras, sendo que a maior parte tem origem genéticaQuais são as principais doenças raras que os utentes da Casa dos Marcos têm?

Em Portugal estima-se que existam entre 600 a 800 mil portadores de doenças raras, sendo que a maior parte tem origem genética. Existe uma variedade de síndromes, no entanto os que temos com maior incidência são X Frágil, mas também Cornélia de Lange e Spinabifida.

Que dificuldades administrativas e financeiras encontrou quando assumiu a presidência da Raríssimas?

Na parte administrativa, as grandes dificuldades diziam respeito à gestão de processos pesados devido à alteração da direção. Exemplos incluem a situação económica da Raríssimas, nomeadamente as contas bancárias, um processo administrativo e burocrático moroso; e ainda a parte administrativa dos processos legais em curso que exigem acesso aos documentos, a tomada de decisões e a necessidade de formalidades administrativas. No entanto, sabemos que é algo que faz parte deste reerguer da Raríssimas e temos a certeza de que no futuro será algo que estará mais consistente, com os processos e necessidades estabelecidas.

Outra dificuldade que a Raríssimas identificou veio com a polémica que provocou a perda de confiança e afastamento de mecenas. Hoje apenas conseguimos assegurar o pagamento dos valores dos serviços correntes contratualizados com os fornecedores e não conseguimos pagar a dívida, até conseguirmos recuperar o apoio dos mecenas.

Que estratégia tem delineada para recuperar os mecenas?

Continuar o nosso trabalho e dar provas da nossa excelência; analisar as práticas internas e as relações com os parceiros com base na transparência e honestidade intelectual. É também importante dar provas de uma gestão adequada da crise e dos seus impactos para a apresentação de um plano estratégico e financeiro realista e a partilha, em tempo real, das ações tomadas e resultados obtidos depois da tomada de posse da nova direção – partilhar os resultados da auditoria assim que os tivermos e o plano estratégico financeiro, que deverá ser posto em prática o mais breve possível, até ao final do mandato, em 2019.

Outra forma de recuperar e captar mecenas passa por multiplicar as formas de contribuir para a causa e adaptarmo-nos a cada mecena. Muitos querem ajudar, mas para isso temos de lhes propor soluções diferentes de parceria e maneiras de contribuir para a causa. De momento estamos a estabelecer contacto com os mecenas que também fazem parte da história da Raríssimas e partilhar a nossa realidade e posição, com o intuito de vermos o que pode ser feito.

Não somos capazes de pagar aos fornecedores os valores em dívida e o valor do serviço corrente contratualizado, enquanto não recuperármos os apoios dos mecenasA nova direção já conseguiu cativar novos mecenas?

Sim, vários. Várias empresas identificaram-se e reviram no novo futuro da Raríssimas e já obtivemos apoio de consultoria, a ajuda de, por exemplo, um gabinete de advogados e de uma agência de comunicação. O grupo Os Mosqueteiros fez-nos um donativo importante que é uma lufada de ar fresco e que irá garantir o tratamento anual de seis crianças da instituição.

A falta de verbas de que falou há pouco está a fazer-se sentir no dia a dia dos utentes?

Não, mas se algum dia se verificar, as medidas necessárias serão tomadas. A continuidade do nosso apoio e cuidados com os nossos utentes é a nossa principal preocupação e prioridade.

Há salários em atraso na associação?

Não, não há salários em atraso.

O Governo recusou o pedido de reconhecimento da Fundação Raríssimas. Como está a relação com a tutela?

Está bem, continuam a apoiar-nos através dos acordos de cooperação e continuam a estar disponíveis para nos acompanhar.

Não acredito que existam mais casos do que no passado. Creio apenas que os identificamos melhor, que os portugueses se manifestam mais e ousam em denunciar estas atitudes inaceitáveis Têm sido várias as investigações a instituições de solidariedade social. Qual é a imagem com que as IPSS têm que se debater hoje em dia?

Cada vez há mais casos trazidos à tona e cada vez mais a nossa sociedade está atenta a estes casos. Este contexto traz um maior controlo adaptado e eficaz e cada vez menos situações destas surgirão no futuro. Não acredito que existam mais casos do que no passado. Creio que apenas os identificamos melhor, que os portugueses se manifestam mais contra estas situações e ousam em denunciar estas atitudes inaceitáveis. Eu como portuguesa, mulher, mãe e presidente da Raríssimas, espero contribuir para esta mudança necessária da extinção progressiva destas práticas.

A sombra de Paula Brito e Costa ainda paira na Casa dos Marcos?

Cada vez menos. Estão a ser criados modelos de gestão e de cultura diferentes. Cada uma das minhas decisões, das minhas tomadas de posição ou das minhas ações visam envolver e promover uma transformação na gestão e cultura necessárias, tendo em conta, claro, toda a história desta instituição. Queremos dar continuidade à sua história mesmo que existam mudanças importantes, atores diferentes e rumos diferentes.

Entendemos que, por exemplo, o BMW usado pela antiga presidente seja um custo desnecessárioPorque é que devolveu o BMW usado pela antiga presidente?

Estamos a cortar todos os custos que são supérfluos e que não satisfazem o interesse maior da instituição. Entendemos que, por exemplo, o carro seja um custo desnecessário.

Como tem sido o desafio de dirigir uma associação que foi abalada moralmente após o escândalo com a anterior presidente?

Tem sido um constante desafio. Numa primeira fase temos de dominar rapidamente os serviços, a organização, as ferramentas, os processos e o modelo de gestão. Tomar as decisões necessárias, agir de maneira assertiva e definir prioridades, para tranquilizar os parceiros envolvidos.

Depois temos de nos apoiar nas competências de cada um e identificar as pessoas-chave que permitem trazer as soluções para este novo capítulo da Raríssimas.

Como já referi, a transparência é o nosso lema e este aplica-se também internamente. Estamos a implementar um novo modelo de gestão, em particular através da Comissão Coordenadora, da realização de sessões abertas aos colaboradores e da organização de um team-building, assegurando ainda que existe uma comunicação frequente para o exterior de todas estas medidas e ações.

Quando é que tomou a decisão de substituir Paulo Brito e Costa?

Foi uma decisão tomada naturalmente e progressivamente à medida que os acontecimentos se davam. De imediato me ofereci para ajudar e alguns colaboradores vieram até mim pedir essa ajuda numa criação de uma lista para a direção. Depois propuseram-me como candidata ao cargo de presidente da Raríssimas e assim aconteceu.

Como mãe de uma utente da Casa dos Marcos estou muito atenta ao seu bem-estar e a escutar as suas preocupaçõesA sua atuação tem sido bem recebida pelos pais dos utentes?

Do feedback  que tive pessoalmente, sim, embora ainda não tenha tido oportunidade de falar com todos os pais. Como mãe de uma utente da Casa dos Marcos estou muito atenta ao seu bem-estar e a escutar as suas preocupações.

Como tem conciliado esta nova função com a sua vida pessoal?

Diria que a causa e a situação atual precisam de sacrifícios e adaptações importantes, mas estamos num estado de espírito positivo e combativo para reverter a situação que nos toca pessoalmente enquanto família rara.

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