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Aldo morreu sozinho em Paris. Onda de solidariedade 'trouxe-o' para casa

Aldo Ramos morreu no passado dia 21 de janeiro, aos 43 anos, em Paris, sozinho na solidão de uma cidade que é de luz, mas que foi de sofrimento. A irmã, Sónia Afonso, conta-nos a sua história, carregada de infelicidades e “injustiças”. O Estado português, queixa-se, não tem nenhum fundo para ajudar nestas situações. Após a morte do irmão, o seu único desejo era trazê-lo para casa. E conseguiu, mas sem a ajuda do país.

Aldo morreu sozinho em Paris. Onda de solidariedade 'trouxe-o' para casa
Notícias ao Minuto

14:50 - 20/02/18 por Melissa Lopes

País Emigrantes

Aldo Ramos, natural de Tires, emigrou para Paris - como tantos portugueses o fizeram e fazem – na busca por uma vida melhor. A partida para França surgiu depois de um episódio dramático. Aldo e o irmão, José, no local errado e à hora errada, foram esfaqueados por um gangue, no Barreiro. “Ambos ficaram com sequelas para toda a vida”, conta-nos a irmã, Sónia Afonso, que ainda vive dias de angústia. Depois de ter sofrido 15 facadas na cabeça - num crime público "insólito", "apoiado pela juíza" e cujo alegado "agressor [Paulo Ferreira] nunca foi preso" -,  Aldo “nunca mais foi o mesmo”. Sem quaisquer ajudas do Estado -  foi então Sónia quem ajudou o irmão a cruzar fronteiras.

Paris foi a cidade que o acolheu. Lá, conseguiria erguer-se, começando por trabalhar na construção civil. A vida começava a ganhar alguma forma quando, certo dia, ao final do mês, ao dirigir-se ao centro de Paris para receber o ordenado, juntamente com os colegas, foi atropelado por um motociclo na passadeira. O acidente levaria Aldo a três meses de internamento hospitalar. Juntavam-se então mais sequelas às que já tinha: o acidente provocara-lhe um problema renal. A vida, que havia começado a ganhar forma, desabara outra vez. Quando chegou casa, vindo do hospital, Aldo aperceber-se-ia que havia sido despejado. Doente e literalmente sem nada, a rua foi a solução. Apoiado pelos serviços sociais franceses, o português acabaria por conseguir atirar a vida de sem-abrigo para longe. Voltaria a trabalhar e a erguer-se novamente. E assim se passaram quase 20 anos em Paris.

23 de dezembro de 2017, foi o dia em que tudo desabou na vida de Aldo, desta vez, para sempre. Ao chegar a casa, vindo do trabalho, Aldo sentiu-se mal, sofreu uma paragem cardiorrespiratória à porta de casa. O porteiro assistiu a tudo, revela a irmã. Foi socorrido, mas as consequências eram já irreversíveis. Apesar de o terem conseguido ‘trazer à vida’, 27 minutos depois, Aldo estava já em morte cerebral e nada havia a fazer.

O consulado português tentou avisar a família em Portugal do sucedido, sem sucesso, mantendo, por isso, Aldo ligado ao suporte básico de vida durante quase um mês. A família tomou apenas conhecimento no dia 17 de janeiro, através de uma amiga do emigrante, com quem o consulado chegou à fala.

O irmão José, emigrado em Inglaterra, e a irmã Sónia, a viver em Portugal, voaram de imediato para a capital francesa. Com um diagnóstico de morte nas mãos, de imediato lhes perguntaram, tanto no hospital como do consulado, o que queriam fazer quando Aldo morresse, o que acabou por acontecer no dia 21 de janeiro. “Eu e o meu irmão dissemos: ‘levá-lo para casa’. Foi então que Sónia perguntou que ajuda poderia ter por parte do país para levar o irmão para casa. “Nenhuma, o Estado português não tem qualquer fundo para este efeito”, responderam-lhe no consulado que a aconselhou a informar-se sobre os valores junto de funerárias portuguesas, uma vez que, em França, os valores seriam bastante mais elevados. 

"Consegui trazer o meu irmão, mas não foi o meu país..."

Desesperada e “asfixiada” com a situação, foram familiares e amigos de Sónia que tomaram a iniciativa de criar uma uma corrente solidária. “Eu só tinha em mente ‘levá-lo para casa’”, relata, desabafando: “O que se sente é uma impotência enorme".

“Não há plano também, por parte do consulado, para acompanhar as famílias. Ando numa aflição para obter a carteira do meu irmão, que está no hospital… até uma habilitação de herdeiros pedem. Ando em cima do consulado para me ajudarem nesta questão, mails e mais mails, e até agora nada ainda”, lamenta-se Sónia.

“Consegui trazer o meu irmão, mas não foi o meu país … Foram os amigos, família e desconhecidos”, reforça Sónia, que não se cansa de agradecer o “gesto nobre” de todos, incluindo da Câmara Municipal de Mértola, que organizou uma caminhada solidáriacujas receitas reverteram na totalidade para a causa ‘Trazer-te para casa’.

O valor do transporte do corpo foi cerca de 2.500 euros (a que se somaram os valores do funeral, tendo sido a fatura total de 4.790 euros). Por via da onda de solidariedade foi angariada grande parte, cerca de 4 mil euros. 

Ao Notícias ao Minuto, fonte do gabinete do Secretário de Estado das Comunidades esclareceu que "não existe enquadramento legal que permita suportar as despesas com o pagamento de funerais ou transladações de cidadãos nacionais falecidos no estrangeiro". 

Sobre o caso concreto de Aldo Ramos, o gabinete  refere que os Serviços do Consulado Geral de Portugal em Paris informaram a família do cidadão nacional de que este se encontrava hospitalizado. "Após o falecimento do cidadão, os serviços consulares têm procurado auxiliar a família, nomeadamente através de matérias administrativas (obtenção de documentação) e nos contactos com o hospital francês, dentro daquilo que são as matérias da sua competência". 

[Notícia atualizada às 12h50 do dia 21]

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