O Bloco de Esquerda deu entrada a um projeto de resolução na Assembleia da República que defende a inclusão da nota de Educação Física na média final do Ensino Secundário e, consequentemente, na média para acesso ao Ensino Superior, algo que não se verifica desde 2012.
Afinal, a Educação Física é, ou não, uma disciplina importante na formação dos jovens portugueses? Queremos uma sociedade cada vez mais sedentária? Estarão os alunos mais desleixados na prática desportiva pela menor importância da disciplina?
Estas são algumas das perguntas que quisemos ver respondidas. Para isso, falámos com o deputado do Bloco de Esquerda, Luís Monteiro, um dos mais acérrimos defensores da importância do desporto escolar.
“Até 2012 a disciplina de Educação Física contava para a média final do Secundário. Aliás, não foi sequer contestada na altura por praticamente ninguém. No grande pacote da visão curricular de Nuno Crato, onde existia uma clara desvalorização de um conjunto de áreas científicas e de competências, desde as ciências sociais e até às artes, e a Educação Física não ficou de fora. O preconceito ideológico e político com que se viu um conjunto de matérias que não eram as chamadas matérias estruturais fez com que a Educação Física deixasse de contar para a média”, começou por dizer ao Notícias ao Minuto, Luis Monteiro, indo mais longe. “É na verdade uma visão muito pequenina de escola pública, uma visão pouco integral da escola pública e pouco plural, pouco democrática, até”.
“É por isso que, agora, o Bloco de Esquerda apresenta este projeto de resolução no sentido de reverter a medida danosa causada pelo então governo PSD-CDS, pela chefia de Nuno Crato na pasta da educação e garantir que acabamos de uma vez por todas com a ideia elitista e conservadora de que existem disciplinas de primeira e disciplinas de segunda. Educação Física, não contando para a média final, é na verdade, uma forma de desvalorizar esta disciplina. Não gosto de debater sobre Educação Física, partindo do pressuposto de que existem boas e más disciplinas, disciplinas mais importantes que outras”, salvaguardou o deputado do Bloco. “Mas mesmo se aceitarmos esse ângulo de visão, esta disciplina é uma das áreas de saber mais transversais que a escola pública tem. Toca em primeiro lugar numa questão relacionada com a coordenação motora e conhecimento do corpo. Depois vai a áreas científicas, desde a Geografia à Geometria, à Matemática, a um estilo de vida saudável, às ciências médicas, portanto num conjunto de áreas transversais que no entender do Bloco de Esquerda são todas essenciais”, adiantou.
Quando questionado sobre por que razão o Ministério da Educação então tutelado por Nuno Crato terá tomado a decisão de “desvalorizar a disciplina”, Luís Monteiro não hesita em ser ele a desvalorizar, não a Educação Física, mas sim as justificações apresentadas pelo anterior governo. “Há um conjunto de justificações que são apresentadas e nenhuma delas pode, na verdade, ser tida em conta num debate sério sobre a matéria”.
“O primeiro argumento muitas vezes utilizado é a questão das médias. Ou seja, um aluno brilhante a Português e Matemática vai ser subvalorizado ou vai ser prejudicado porque tem uma má nota a Educação Física. Bem, isso é verdade para os alunos que são maus a Educação Física, como é verdade para os alunos que são bons a Educação Física e maus a Matemática, que também vão ser prejudicados. Portanto, esse debate é só por si feito de forma enviesada. Em segundo lugar, o debate sobre as médias de acesso ao Ensino Superior não é um debate sobre a nota de Educação Física. É um debate sobre o modelo de acesso ao Ensino Superior, debate esse que o Bloco está aberto a fazer”, disse, continuando a esmiuçar os argumentos dos defensores da exclusão da disciplina da média de acesso ao Ensino Superior. “Outros dos argumentos que é utilizado é o de que não há condições materiais para uma efetiva prática da Educação Física. Bem, continuamos a ter escolas, infelizmente, com falta de laboratórios de Química e não é por isso que a Química deixou de contar para a média. O terceiro argumento é de que as aulas de Educação Física não são bem aulas de Educação Física. Há, na verdade, um desfasamento naquilo que é a teoria de Educação Física e a prática”, afirmou, deixando um aviso aos detentores da pasta da Educação. “Nunca vamos resolver esse problema se continuarmos sistematicamente a desvalorizar a disciplina. É preciso valorizá-la e abrir uma discussão séria sobre os objetivos dessa disciplina e já agora os objetivos de todas as disciplinas”.
Sobre a possibilidade de os alunos terem passado a olhar a disciplina com outros olhos, visto que não interfere com os seus resultados finais, o deputado do Bloco de Esquerda não tem dúvidas. “Sim, mais do que encarar a disciplina de uma outra forma, há um problema maior. É que encaram no dia a dia a prática física de outra forma. Nos somos dos países da União Europeia com maior taxa de sedentarização. Dois em cada três portugueses não praticam uma hora de desporto por semana. Isso faz com que tenhamos uma sociedade mais sedentarizada, os números vão aumentando e são assustadores. E se não é a escola pública também a proporcionar uma cultura de prática e de um estilo de vida saudável, nunca vamos conseguir combater estes índices. A Educação Física tem uma influência direta na forma como olhamos o ensino em Portugal, mas também numa lógica mais abrangente até de saúde pública”.
Luis Monteiro mencionou ainda que “a falta de financiamento público e o estrangulamento que tem existido num conjunto de políticas públicas relacionadas com o desporto e a juventude fazem com que cada vez mais as saídas nas áreas do desporto profissional fiquem fechadas a poucos”.
O Notícias ao Minuto pôs o dedo na ferida e perguntou ao deputado se crê numa vitória da sua proposta. Ou seja, se acredita que a disciplina voltará a contar para a média de acesso à universidade. Aí, Luís Monteiro aproveitou para, discretamente, colocar a pressão do lado do Governo. “Não depende só de nós, depende dos outros partidos da Assembleia da República, dependerá do Governo. O Governo através da palavra do senhor secretário de Estado João Costa que via com bons olhos esta proposta. Aliás, foi o próprio João Costa que, logo no início da legislatura, se mostrou favorável à inclusão na média da nota de Educação Física e disse-o inclusive à CNAPEF e à SPEF, que são organizações dos professores de Educação Física, por isso faz todo o sentido que ela seja efetivada. O Governo, pela palavra do sr. secretário de Estado, concorda com a proposta. Portanto, só peca é por tardia. Vemos com bons olhos a forma como os partidos à Esquerda olharam para a proposta, esperamos agora que o PS faça cumprir a sua palavra e que o Governo o faça o mais rapidamente possível e de forma clara e objetiva”, concluiu.
A posição de Luis Monteiro é clara. Mas quem melhor para atestar sobre a importância da disciplina, do desporto e do empenho dos alunos na prática física do que uma professora de disciplina que, este ano, completa 30 anos de ensino?
"Não quer dizer que haja insucesso, apontam para 10. Serve-lhes. Acho que vai de cada um”
Falámos com a professora Helena Moreira que assistiu “a diferentes estatutos da disciplina, uns com maior reconhecimento, outros menor”, tal como a própria nos revelou. Começámos pela pergunta que se impunha. Quais foram as maiores diferenças que viu ou sentiu nas suas aulas, por parte dos alunos, desde que a disciplina deixou de contar para a média?
“Há de tudo, porque também tem a ver com a formação, forma de estar e ser dos miúdos. De facto, na generalidade nota-se alguma diferença. O facto de a disciplina de Educação Física não contar para o acesso ao Ensino Superior tem impacto na sociedade em geral, não só nos alunos. Quer em termos das famílias, quer em termos do reconhecimento social da disciplina. A Educação Física é, a par do Português, a única disciplina que acompanha os alunos ao longo de toda a formação", começou por responder, indo depois direta ao assunto. “De facto, a postura dos alunos deriva muito da forma de ser e estar deles. Há alunos que continuam a investir e há alunos que, perante a desvalorização da disciplina relativamente ao acesso ao Ensino Superior, não o fazem”.
Neste momento, é indiferente para eles terem um 18 ou um 10?, perguntámos. “É indiferente, claro. Na perspetiva do aluno. Alguns continuam a investir porque são empenhados. Há outras disciplinas, por exemplo no Ensino Básico, que não contam para efeitos de transição e os alunos também têm uma atitude parecida. Um dos problemas que eu considero mais relevantes neste processo é que as escolas têm diferentes instalações e estão apetrechadas de forma diferente. Colocar uma disciplina com uma heterogeneidade tão grande de recursos a nível nacional em pé de igualdade perante o acesso ao Ensino Superior também é um problema”, fez sobressair a docente, negando posteriormente que a Educação Física prejudique muitos alunos na altura de ingressar no Ensino Superior. “Isso não é uma realidade. Há alunos que são bons alunos a todas as áreas e há alunos que têm na Educação Física a sua mais-valia. Há alunos que efetivamente não tiveram uma educação motora que lhes permita, chegando ao Secundário atingir os objetivos definidos no programa. A nossa população é muito sedentária”, comentou, ressalvando que “a avaliação a Educação Física não é apenas de natureza motora, também é cognitivo-motora e há critérios de avaliação que valorizam bastante o envolvimento do aluno no seu processo de aprendizagem. Não é só a prestação motora final que conta, é todo o processo. A atitude do aluno perante a disciplina, o envolvimento, o espírito desportivo, a capacidade de superação, todas as competências sociais que são próprias da disciplina”.
Segundo Helena Moreira, existem “três perfis de alunos. Uma fatia considerável tem um desempenho que é proporcional à sua média geral. Depois há um conjunto de alunos para quem a Educação Física é a sua mais-valia e portanto expressam, precisamente, essa injustiça face às outras disciplinas do currículo. Porque podiam melhorar a sua classificação geral por essa via. E há também um conjunto de alunos que não é assim tão alargado, que tem tanta dificuldades a Educação Física que a disciplina eventualmente lhe baixa a classificação. Depois ainda há a situação dos exames nacionais. O que quer dizer que a classificação de Educação Física poderá influenciar o acesso ao Ensino Superior de um número limitado de alunos. Não sei se é assim tão significativa quanto isso. Um aluno que se empenhe verdadeiramente no trabalho, com mais ou menos dificuldade, consegue atingir uma classificação que não ponha em causa o seu sucesso”, defende a professora.
“Não é uma questão de insucesso que está em equação. É uma questão de perspetiva, é uma questão social, é uma questão de instalações. É uma questão até de acesso ao Ensino Superior de um número restrito de alunos”, continuou, atestando também que não notou uma diferença na média dos seus alunos de 2012, altura em que a disciplina deixou de contar para média, para cá. “Não notei uma diferença significativa da média, o que eu notei é que a atitude dos alunos leva a que não haja notas médias, ou eram muito altas, ou eram baixas. Ou temos miúdos que se empenham na generalidade das disciplinas ou miúdos que não querem saber. A tendência para o aluno médio está a diluir-se. Não quer dizer que haja insucesso, apontam para 10. Serve-lhes. Acho que vai de cada um”, confidenciou.
“Eu gostava de ver reconhecida, de facto, a disciplina de Educação Física como equivalente as restantes disciplinas porque essa é a cultura portuguesa, só se valoriza socialmente aquilo que é quantificável”, atirou, por fim.