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"Manda quem pode e pode quem manda... Segredos da Justiça..."

Um artigo de opinião assinado pelo advogado Dantas Rodrigues, socio-partner da Dantas Rodrigues & Associados, em que o causídico escrutina o Segredo de Justiça em Portugal.

"Manda quem pode e pode quem manda... Segredos da Justiça..."
Notícias ao Minuto

12:40 - 14/02/18 por Notícias Ao Minuto

País Artigo de opinião

"A violação do segredo de justiça é uma questão recorrente em Portugal. Toda a gente o sabe e ninguém ignora que, não obstante a Procuradora-Geral da República parecer estar a tentar tomar medidas para obviar a tal situação, os seus esforços têm-se revelado inglórios.

Parece-me importante para a investigação que o segredo de justiça seja preservado. No entanto, considero que em processos mediáticos como a Operação Fizz ou a Operação Lex, isso torna-se muito difícil. Por diversos processos, amplamente conhecidos da opinião pública, sabemos que a batalha para preservar o segredo de justiça parece uma 'batalha perdida'.

O segredo de justiça tem por objectivo garantir o sucesso de uma investigação e a protecção da obtenção de prova. Para além disso, o segredo de justiça visa igualmente proteger as pessoas envolvidas num processo, designadamente o arguido, porquanto a presunção de inocência se aplica a todas as fases do mesmo processo, por exemplo, até ao seu trânsito em julgado.

A regra, em processo penal é a da publicidade dos actos. Todavia, a lei prevê  que, na fase de inquérito, o juiz de instrução possa sujeitar o processo a segredo de justiça. Da mesma forma, o Ministério Público também pode decidir levantar o segredo de justiça a qualquer momento do inquérito, por iniciativa própria ou a pedido de qualquer interveniente processual.

O segredo de justiça significa que o conteúdo dos actos do processo não pode ser divulgado, nem o público pode assistir aos actos processuais. Nos casos em que tiver sido determinado o segredo de justiça, o Ministério Público, durante a fase de inquérito, pode opor-se à consulta dos autos e pode opor-se à obtenção de certidão e/ou informação por sujeitos processuais.

Se um acto processual se encontra em segredo de justiça é proibido a qualquer pessoa, incluindo os meios de comunicação social, de divulgar o seu teor. A violação do segredo de justiça constitui um crime contra a realização da mesma. Esse crime é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo quando estiver prevista outra pena.

Num Estado de direito democrático constitui um escândalo a violação do segredo de justiça, visto que é crime, mas os esforços para que se concretizem as investigações desse crime representam quase sempre uma vergonha para a justiça portuguesa. A facilidade com que se conhecem, publicitam, fotografam, filmam, as operações dos agentes judiciários é preocupante e reveladora da falta de consequências que se verifica em relação àqueles que praticam tais ilícitos.

A minha preocupação com esta questão tão importante prende-se com a necessidade de bom funcionamento do sistema de justiça. O respeito pela lei, no meu entender, é o pilar fundamental do sistema de justiça, e colocá-lo em causa é dilacerar esse mesmo sistema. Considero que o segredo de justiça, da forma como se encontra previsto no artigo n.º 86, o qual já tive ocasião de mais acima mencionar, apresenta grandes problemas, porque, de facto, não funciona. Não esqueçamos que, entre nós, a regra é a publicidade dos actos e não o seu segredo. Mais: a fase de inquérito é uma fase investigativa, em que ainda não se sabe qual o resultado (despacho de arquivamento ou de acusação), logo a sua publicidade total é sempre suscetível de provocar alarmismo social em relação a um arguido contra o qual poderá mesmo nunca vir a verificar-se qualquer acusação.

Para se conseguir uma equidade de direitos entre o Ministério Público, que investiga e acusa, e a Defesa, que assegura a proteção do arguido e da vítima, temos mesmo de rever os prazos de duração do inquérito, os quais podem chegar a atingir os 18 meses. E 18 meses de segredo prejudica os direitos dos sujeitos processuais, levanta suspeitas na opinião pública e fomenta a violação do segredo de justiça e de outros ilícitos criminais, tais como a corrupção e o tráfico de influências. O segredo do processo, na minha óptica, não deveria nunca ser superior a seis meses para os sujeitos processuais.

A este respeito, convirá não esquecer que o processo penal é um processo de garantias e que, da mesma forma que nem tudo vale para conseguir a obtenção de prova (como, por exemplo, a tortura para obter uma confissão), nem que esteja em causa a eficácia da justiça, também neste âmbito os fins nunca devem justificar os meios.

O nosso sistema judicial, para funcionar, tem de cumprir os princípios legais que norteiam o processo, respeitando os direitos dos sujeitos processuais, sem esquecer que lhe cumpre proteger a integridade dos processos e não transportá-los para caminhos trôpegos, como muitas vezes faz a nossa comunicação social, e que tem, como último exemplo, o caso de Mário Centeno, caso esse que nunca passou de um não-processo. Manda quem pode e pode quem manda… Segredos da justiça…"

*Este texto não foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico por opção do autor.

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