"O cancro do colo do útero (CCU) é a terceira neoplasia mais frequente entre as mulheres a nível mundial, sendo que 80% aparecem em países subdesenvolvidos. Em Portugal, tem uma incidência de 13.5/100.000 (dados de 2010), o que representa entre 900-1000 casos/ano, números relativamente elevados para um país desenvolvido, ocupando o 7.º lugar entre os cancros mais frequentes na mulher e o 2.º em mulheres entre os 15-44 anos.

O rastreio de mulheres saudáveis mediante citologia cervical, de forma adequada e contínua, conseguiu reduzir em 80-90% a incidência e mortalidade do CCU.

O papiloma vírus humano (HPV) é hoje considerado pela OMS, o segundo carcinogénico mais importante, logo a seguir ao tabaco. Sendo responsável por 5% dos cancros, 10% dos cancros na mulher e 15% dos cancros em mulheres nos países em vias de desenvolvimento.

Nas últimas décadas, confirmou-se que o HPV é o agente causal da quase totalidade das neoplasias cervicais e das suas lesões precursoras. Calcula-se que, na Europa, o vírus seja responsável por 284.000 a 540.000 lesões pré-cancerosas ano-genitais e 44.000 novos casos de cancro. Só dois genótipos do HPV, 16 e 18, são responsáveis por aproximadamente 70% dos casos de CCU e os outros 10 tipos de alto risco explicam os 25-35% dos restantes casos.

O modelo de carcinogénese cervical baseia-se na persistência da infecção por HPV como elemento necessário para o desenvolvimento das lesões precursoras e do cancro invasivo. Durante os primeiros anos da vida sexual, existe uma elevada incidência de infecções, bem como da sua resolução espontânea. Mais de 90% de infecções neste grupo de mulheres são transitórias e irrelevantes do ponto de vista oncogénico. Por outro lado, as mulheres com mais de 30 anos apresentam uma menor prevalência da infecção por HPV, mas com maior percentagem de persistência, o que confere um maior risco e incidência de lesões precursoras a partir desta idade. A infecção persistente por vírus de HPV de alto risco constitui um factor necessário para o desenvolvimento do CCU.

Desde 2008, existem em Portugal, vacinas profilácticas altamente eficazes contra a infecção pelos principais tipos de vírus causadores do CCU, bem como contra os HPV de baixo risco, genótipos 6 e 11, causadores de verrugas genitais e papilomatose laríngea recorrente. A correcta aplicação de um programa nacional de vacinação, tal como existe em Portugal, constitui uma forma altamente eficaz de prevenção primária do CCU e das outras lesões associadas à infecção por HPV.

Hoje conhecemos bem a história natural do CCU. Começa com uma infecção persistente por um HPV de alto risco, seguida de uma lesão displásica do colo que, se não for tratada, poderá evoluir para uma neoplasia invasora. A detecção, seguimento e/ou tratamento desta lesão displásica, constitui a base do rastreio secundário do CCU.

A realização dum programa de vacinação, dirigida ao rastreio primário do CCU, tal como o que existe em Portugal, associado ao rastreio secundário (detecção de lesões displásicas e formas iniciais de cancro invasor), aplicado segundo regras cientificamente estabelecidas pela Sociedade Portuguesa de Ginecologia e uniformemente dirigido a toda a população, é uma das intervenções de saúde pública com melhor relação custo/benefício e constitui a base para diminuir a incidência/mortalidade desta doença."

José Maria Moutinho, Especialista em Ginecologia Oncológica e Consultor de Ginecologia Oncológica Hospital CUF - Porto