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Mário Soares, 92 anos de vida. Há um ano que "o país está um pouco órfão"

Mário Soares morreu a 7 de janeiro de 2017. Um ano depois, o Notícias ao Minuto recorda a sua vida com a ajuda do olhar de Nuno Godinho de Matos e Vítor Ramalho, duas pessoas que fizeram parte do seu percurso.

Notícias ao Minuto

08:30 - 07/01/18 por Sara Gouveia

País Efeméride

A 7 de janeiro morria um dos maiores símbolos da política nacional. Um ano depois o Notícias ao Minuto recorda a sua longa vida, com o auxílio das memórias de Nuno Godinho de Matos e Vítor Ramalho, dois históricos socialistas, que privaram com ele em momentos diferentes do seu percurso.

Mário Alberto Nobre Lopes Soares, nasceu a 7 de dezembro de 1924, em Lisboa. Casou com Maria Barroso em 1949 com quem teve dois filhos, Isabel Soares e João Soares, deputado da Assembleia da República e ex-ministro da Cultura.

Nome grande da democracia e da liberdade, é um ativo resistente à ditadura desde os tempos universitários, durante o Estado Novo, altura em que foi preso 12 vezes pela PIDE, a primeira vez aos 21 anos. Acabou por ser, inclusivamente, deportado para S. Tomé, em 1968, e, mais tarde, obrigado a refugiar-se em Paris.

Em 1963, fundou a Ação Socialista Portuguesa, que dez anos mais tarde se transformou no Partido Socialista, do qual foi o primeiro secretário-geral, até 1986, quando foi eleito Presidente da República.

"Com Soares e Zenha não há quem nos detenha"

“O PS era dirigido por dois homens fabulosos, Soares e Zenha, o que levou a que espontaneamente se criasse um slogan numa manifestação, que não teve origem nos condutores da manifestação, nasceu das pessoas que a acompanhavam, e que era: "Com Soares e Zenha não há quem nos detenha". Na altura eu ia ao lado do Mário Mesquita e do José Medeiros Ferreira, e o José Medeiros Ferreira, quando ouviu o slogan, disse: "Epá nunca vi tão bem expressa a alma do PS, que coisa notável. E arrancou aqui””, recorda um dos seus companheiros e fundador do PS, Nuno Godinho de Matos.

Era em Paris que estava quando se deu o 25 de Abril de 1974. Três dias depois chegava a Lisboa no ‘comboio da liberdade’. Entrou logo para o I Governo Provisório como ministro dos Negócios Estrangeiros, cargo que manteve no II e III Governos.

Aí, de novo, rasgou as vestes e expôs o corpo à intempérie e lutou por todos os portugueses. Para que todos tivessem direito a exprimir o seu ponto de vista, a sua opinião e a afirmar a sua vontade No IV, foi ministro sem pasta, até romper com o radicalismo do general Vasco Gonçalves, o que segundo Godinho de Matos, “reconfirmou o seu lugar à História nacional” pois “voltou de novo a lutar pela liberdade de todos os portugueses contra a aventura do comunismo radical”.

“Aí, de novo, rasgou as vestes e expôs o corpo à intempérie e lutou por todos os portugueses, para que todos tivessem direito a exprimir o seu ponto de vista, a sua opinião e a afirmar a sua vontade”, diz.

Depois de o PS ganhar as legislativas em 1976, Mário Soares tornou-se primeiro-ministro do I Governo Constitucional, função que manteve no II, até a coligação com o CDS ter sido desfeita e o Governo ter sido demitido pelo Presidente da República, em 1978.

Cinco anos depois, voltou ao poder com o chamado Governo do Bloco Central, em coligação com o PSD, do qual também fez parte Vítor Ramalho, um dos seus amigos de longa data e autor de uma das suas biografias póstumas, como secretário de Estado do Trabalho.

Numa das recordações que guarda de Soares, lembra-se de quando este pensou numa eventual adesão à Comunidade Económica Europeia. “Reuniu-se com 12 dos maiores economistas portugueses para os ouvir sobre um eventual pedido de adesão de Portugal, ouviu-os atentamente, tomou notas de tudo o que disseram, durante praticamente um dia e todos eles, sem exceção, foram da opinião de que Portugal não tinha condições para aderir à CEE. No final, disse ter tomado nota do que tinham dito, ter registado as suas opiniões, mas que tinha como absolutamente incontornável que Portugal devia pedir a adesão, porque era um novo ciclo que tínhamos por diante depois da descolonização”, conta-nos Vítor Ramalho.

"Nunca se entristeceu por ter perdido ou ficou angustiado"

Quando este governo foi desfeito por Cavaco Silva, recém-eleito secretário geral do PSD, em 1985, Soares começou a preparar a sua candidatura à Presidência da República, acabando por vencer à segunda volta, a única segunda volta presidencial realizada até hoje. Em 1991, foi reeleito para um segundo mandato, cargo que desempenhou até 1996 e a que só voltou a recandidatar-se dez anos depois, em 2006.

Ele sentia, e dizia-o, que o país podia atravessar uma fase muito difícil. Mas na democracia perder ou ganhar para ele era igualSobre essa candidatura Vítor Ramalho diz compreender hoje em dia porque o terá feito. “Ele sentia, e dizia-o, que o país podia atravessar uma fase muito difícil nessa altura se porventura não tivesse à frente da magistratura máxima uma personalidade que pudesse influenciar positivamente as pessoas. Isso levou a que, apesar de todo o respeito que tinha por todos os políticos e pelo professor Cavaco Silva, entendesse que as qualidades que nessa altura um Presidente da República devia ter, tinham de ser diferentes daquelas que professor Cavaco Silva protagonizava”, explica. No entanto, a corrida a Belém terminou sem sucesso, perdendo para Cavaco Silva e Manuel Alegre.

“Mas nunca se entristeceu por ter perdido ou ficou angustiado, pelo contrário, dizia-me muitas vezes que houve uma sementeira de ideias que lançou e partiu imediatamente para outra, porque na democracia perder ou ganhar para ele era igual”, destaca o amigo.

"O país está um pouco órfão"

Apesar de distante da política desde essa altura, manteve uma intervenção pública regular, até adoecer, em janeiro de 2013. Mesmo depois da doença ainda realizou algumas iniciativas políticas, as Aulas Magnas na Reitoria da Universidade de Lisboa, onde pretendia fazer alterar as políticas seguidas pelo governo de Passos Coelho, e promoveu duas petições levadas à Assembleia da República com o mesmo propósito.

Era um homem sempre insatisfeito no bom sentido da palavra. Faz falta a esse nível. Em momentos fundamentais da vida, fez sobressaltos cívicosUm ano depois da sua morte, Vítor Ramalho considera que “o país está um pouco órfão, porque independentemente de ele ser fundador do Partido Socialista e de desejar o bem do seu partido, era um homem sempre insatisfeito no bom sentido da palavra. Faz falta a esse nível. Em momentos fundamentais da vida, fez sobressaltos cívicos”, interessava-se sempre por política e “obrigava a sociedade a refletir sobre o que deve ser salvaguardado”.

“Falávamos de tudo. Era um homem com prazer de viver, mas como tinha a política sempre presente, sem fazer dela um assunto desagradável, o assunto acabava por fluir naturalmente com ele. Sempre que eu aparecia havia uma pergunta que me fazia, que era 'sagrada': "Então como vai isto?" e eu já sabia. Interessava-se sempre. Ele começou a ter ação política de relevo aos 19 anos, portanto aquilo estava-lhe na massa do sangue”, recorda.

Nos últimos anos, dedicou-se à escrita, “era um leitor compulsivo”, à Fundação a que deu o nome e a intervir em congressos e debates.

Comemorou os 92 anos a 7 dezembro de 2016 e morreu exatamente um mês depois, no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa. A sua morte gerou reações imediatas, de todos os quadrantes políticos e dos quatro cantos do mundo, como, de resto, seria de esperar depois da perda de um símbolo da História nacional dos últimos 50 anos.

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